Declaração política, verberando as consequências futuras da aplicação da nova fórmula de cálculo das pensões de reforma
Intervenção de Jorge Machado na AR
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Passado pouco mais de um ano da aprovação da dita «reforma» da segurança social, estão já a sentir-se os efeitos, as suas consequências nos bolsos trabalhadores.
Com a entrada em vigor da nova fórmula de cálculo das pensões (apenas um dos aspectos da dita «reforma»), há já reduções inaceitáveis nas pensões dos trabalhadores, com particular incidência nos sectores de actividade que praticam salários de miséria, perpetuando a pobreza e a exclusão social entre os reformados.
O PCP sempre afirmou que esta reforma reduziria brutalmente as pensões, principalmente as mais baixas.
Ao contrário do que o Governo e particularmente o Sr. Ministro do Trabalho querem fazer crer, a nova fórmula de cálculo não beneficia os trabalhadores com mais baixos rendimentos, antes pelo contrário.
É a banca que o diz. Conhecidos bancos privados não se inibem de fazer já as suas campanhas publicitárias com slogans tão exemplificativos como estes: «Preparado para viver a reforma com muito menos do que tem hoje?» ou «Com a actual regra de cálculo das pensões, as reformas serão, na maioria dos casos, entre 30% a 50% inferiores ao último ordenado, por isso, é urgente preparar a reforma desde já».
Mas se ainda subsistirem dúvidas, quer para Governo quer para os Srs. Deputados do PS e das restantes bancadas da direita parlamentar, de que esta reforma é má e está já a atingir os trabalhadores que passam agora à condição de reformados, nada melhor do que ilustrar, com exemplos concretos e devidamente documentados, as consequências desta política tão injusta quando inaceitável.
São vários os exemplos.
Vejamos o caso de uma trabalhadora com 41 anos de trabalho e de descontos: se a sua reforma fosse calculada com base em toda a carreira contributiva, teria uma pensão de 404,33 €. Com base na média ponderada, como obriga a lei, a sua pensão será de 342,34 € - menos 61,99 €, isto é, 15,3% de redução.
Vejamos o caso de um trabalhador com 43 anos de descontos: se a sua reforma fosse calculada com base em toda a carreira contributiva, teria uma pensão de 442,21 €. Com base na média ponderada, como obriga a lei, a sua pensão será de 372,58 € - menos 69,63 €, isto é, 15,7% de redução.
Vejamos o caso de um trabalhador com 43 anos de descontos: se a sua reforma fosse calculada com base em toda a carreira contributiva, teria uma pensão de 437,22 €. Com base na média ponderada, como obriga a lei, a sua pensão será de 367,14 € - menos 70,08 €, isto é, cerca de 16% de redução.
Vejamos o caso de um trabalhador com 44 anos de descontos: se a sua reforma fosse calculada com base em toda a carreira contributiva, teria uma pensão de 433,02 €. Com base na média ponderada, como obriga a lei, a sua pensão será de 353,67 € - menos 79,53 €, isto é, 18,4 % de redução.
Vejamos o caso de uma trabalhadora (cujo nome e processo fomos autorizados a divulgar, pelo que peço à Mesa da Assembleia a sua distribuição pelas bancadas), com 44 anos de descontos: se a sua reforma fosse calculada com base em toda a carreira contributiva, teria uma pensão de 452,17 €. Com base na média ponderada, como obriga a lei, a sua pensão será de 363,81 € - menos 88,36 €, o que, numa pensão de 400 €, é bastante significativo.
Por fim, importa referir, pela sua gravidade, a situação de um trabalhador que, com 31 anos de descontos, receberia de pensão 282 € e que, com a nova fórmula de cálculo, passaria a receber 227 €, isto é menos 55 €. Contudo, este diploma vem penalizar, de uma forma ainda mais gravosa, quem antecipa a idade de reforma, pelo que este trabalhador, devido a esta penalização, passa a receber uma miserável pensão de 90,92 €.
Estas reduções verificam-se porque a lei apenas prevê a possibilidade de opção pelo cálculo com base em toda a carreira contributiva para carreiras com mais de 46 anos de descontos. E é este o resultado das políticas sociais do PS: mais pobreza e miséria entre os reformados.
Se a estes cortes nas pensões somarmos o dito «factor de sustentabilidade», que vai agravar ainda mais este cenário, facilmente se percebe a dimensão do impacto que a dita «reforma da segurança social» vai ter sobre os trabalhadores.
Importa referir que estes cortes estão a fazer-se sentir especialmente nos sectores onde são praticados os salários mais baixos a nível nacional - têxteis, calçado, construção civil, cortiça -, com um impacto fortemente sentido nos distritos do norte do País e nas mulheres, que são, ainda hoje, aquelas que têm os salários mais baixos.
Por este motivo, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta hoje um projecto de lei que prevê a alteração do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, no sentido de permitir a todos os trabalhadores que se reformem ou tenham reformado a partir de 1 de Janeiro de 2007 - data a partir da qual este diploma tem efeito - que possam optar pela pensão calculada com base em toda a carreira contributiva, sempre que esta lhes seja mais favorável.
Só assim poderá corrigir-se esta enorme injustiça e dar um primeiro passo para travar a pobreza e a exclusão social que este Governo continua a impor, por decreto, a milhares de pensionistas.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adão Silva,
De facto, disse que já se sentem os efeitos das pensões. Temos, aliás, um conjunto de documentos que demonstram claramente esse efeito da redução só com base na alteração da fórmula de cálculo.
Disse também - e bem! - que vai haver um agravamento desta situação. Quando se começarem a sentir os efeitos do dito factor de sustentabilidade, vai sentir-se ainda mais a redução das pensões de todos estes trabalhadores. O comentário que gostaria de fazer e a interrogação que deixo ao PSD é se o PSD está na disponibilidade de rever a Lei de Bases da Segurança Social, que tem todos estes efeitos nefastos.
Na verdade, aquando da discussão, na especialidade, da referida lei de bases, não se sentiu uma grande oposição por parte do PSD relativamente à mesma, nem quanto ao factor de sustentabilidade, isto entre outros aspectos. Importa, portanto, mudar de rumo.
Quero também lembrar, Sr. Deputado, que o PCP apresentou, em sede do Orçamento do Estado, uma proposta para o aumento extraordinário das pensões, que iria combater as pensões de miséria que os reformados têm hoje em dia. Mas o PSD chumbou a proposta, votando contra esse aumento extraordinário das pensões.
Portanto, deixo também o registo das contradições do próprio PSD, dando-lhe nota de que concordo com a preocupação que o Sr. Deputado demonstrou pelo facto de o Governo, em vez de aumentar de uma forma séria e gradual todas as pensões, ter optado por privilegiar o Complemento Solidário para Idosos. Sabemos que se trata de aspectos diferentes. Recebemos centenas de cartas de idosos que nos dizem que o Complemento Solidário para Idosos é uma fraude, é um embuste. Há centenas e centenas de reformados com pensões abaixo dos 300 € que não conseguem concorrer por diferentes razões.
O Governo deveria optar por valorizar as pensões, mas, em vez de dignificar as pensões de todos os reformados, o Governo optou por seguir o caminho do Complemento Solidário para Idosos, que restringe o acesso a uma percentagem pouco significativa dos reformados, sob a falsa desculpa da condição de recurso que, por esta via, vai limitar a dignificação das pensões.
Por isso, Sr. Deputado, manifesto a minha concordância com o último aspecto que referiu, mas permita-me que saliente também as contradições. Repito: é preciso dignificar as pensões!
No Orçamento do Estado, o PCP apresentou um conjunto de propostas nesse sentido. É pena que nessa altura a sua bancada não tenha acompanhado a bancada do Partido Comunista Português.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gamboa,
Não é verdade que esta reforma tenha tido o acordo de todos os parceiros sociais, e importa deixar isto bem claro. Não foi uma reforma consensual na sociedade portuguesa e houve sectores da sociedade que fizeram uma forte oposição à mesma.
Relativamente à questão da sustentabilidade, disponho apenas de 2 minutos para lhe dizer o seguinte: a verdade é que o relatório que previa a falência imediata da segurança social tem vindo, ano após ano, a ser desmentido pelos saldos positivos da segurança social. Têm sido anos sucessivos de saldos extremamente positivos que contrariam o cenário pessimista que foi traçado de propósito para impor esta reforma da segurança social.
A Sr.ª Deputada sabe muito bem que havia outros caminhos. O PCP apresentou um conjunto vasto de propostas que sugeriam um outro caminho para a segurança social.
Sr.ª Deputada, por que não mudar a taxa contributiva e pôr as empresas que hoje têm mais riqueza a contribuir mais para a segurança social?
Por que não combater a fraude e a evasão fiscais de uma forma mais séria e mais determinada? Por que não este outro caminho? Não! O PS optou - e a responsabilidade da situação que vivemos é da exclusiva responsabilidade do Partido Socialista - por penalizar os trabalhadores, os reformados. Em vez de pedir mais contribuições para a segurança social a quem produz riqueza, a quem tem riqueza, o PS optou por penalizar os trabalhadores. Este é o caminho de classe que o PS traçou e do qual, infelizmente, ainda não saiu, com as consequências que estão à vista.
Estamos preocupados com a sustentabilidade da segurança social, Sr.ª Deputada, e apresentámos propostas nesse sentido. Mas não se consegue equilibrar a situação penalizando os trabalhadores, que têm pensões de 300 € e 400€ e sofrem cortes de cerca de 70 € e 80 €.
A Sr.ª Deputada pode não ter bem a dimensão do que este corte significa, mas garanto-lhe que, para quem tinha a expectativa de receber 400 € de pensão e de repente percebe que vai receber menos 70 € ou 80 €, isto é perpetuar a miséria e a pobreza dos reformados.
Isto vai agravar a exclusão social, Sr.ª Deputada!
A sustentabilidade da segurança social pode ir por todos os caminhos menos por este, porque este é absolutamente intolerável. É socialmente inaceitável que o PS tenha ido por este caminho, quando havia outros, Sr.ª Deputada!
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,
Respondendo directamente à sua questão, gostaria de dizer que é óbvio que não somos contra um factor de correcção que corrija a inflação verificada face aos aumentos. Portanto, há aqui uma injustiça a corrigir.
Mas, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que, enquanto o Sr. Deputado corre atrás da inflação verificada, nós entendemos que o importante é mesmo dignificar as pensões, aumentando-as de uma forma que permita tirar da pobreza e da exclusão milhares de reformados.
Quanto a este aspecto, importa também lembrar - e o Sr. Deputado certamente que se lembra - que no Orçamento do Estado o PCP propôs um aumento extraordinário das pensões, de 4% para as pensões mais baixas, e o CDS votou contra esse aumento extraordinário das pensões.
Portanto, não adianta o Sr. Deputado correr atrás da inflação (e é justo que corra atrás da inflação) para a corrigir.
Quanto ao combate à pobreza e à exclusão social, o CDS-PP tem muitas contradições que importa esclarecer. Mais: importa dizer que foi com o CDS e com a Lei de Bases da Segurança Social que se iniciou o processo de destruição do sistema público de segurança social. Na verdade, esse processo iniciou-se precisamente com a Lei de Bases da Segurança Social da altura do governo PSD/CDS-PP, em que se deram os primeiros passos para a deterioração e a degradação do sistema público, Sr. Deputado!
Portanto, as contradições do CDS são mais do que muitas!
Há um factor que importa corrigir, que é o da inflação - a diferença entre o aumento esperado e o verificado -, mas convém que o CDS também se pronuncie sobre o aumento eal das pensões, um aumento que vá acima da inflação para tirar da miséria social estes reformados que têm 200 €, 300 € e 400 € de reforma.
Não acredito que algum dos Srs. Deputados consiga imaginar o que é sobreviver com 300 € ou 400 € por mês. Este é um exercício que todos deveríamos fazer. Eu já o fiz e julgo que os Srs. Deputados também deveriam fazê-lo, porque viver com 300 € ou 400 €, Sr. Deputado, é uma ginástica extremamente complicada de se levar a cabo.
É, portanto, preciso retirar desta franja da miséria social estas pessoas. É preciso que se diga: «Se o limiar da pobreza são os 370 € ou 400 €, então vamos trabalhar para que esses reformados saiam desse limiar da pobreza e atinjam um patamar que lhes permita viver com um mínimo de dignidade».
É este o apelo que daqui lançamos a todas as bancadas. O PCP apresentou hoje um diploma que visa precisamente corrigir esta fórmula de cálculo e que tem consequências imediatas, porque são 70 € ou 80 € que muitos trabalhadores perdem no cálculo das pensões. O que propomos é a revogação e alteração desta fórmula de cálculo para que estes reformados não percam este valor. Isto, sim, é um contributo sério para combater a exclusão e a pobreza.