Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Biotérios comerciais

Petição solicitando que se adoptem medidas para defesa de uma ciência mais ética, rigorosa e benéfica e contra os biotérios comerciais (petição n.º 19/XI-1.ª)
Projecto de resolução recomendando a regulação da actividade dos estabelecimentos de criação, fornecimento e utilização de animais para fins experimentais, a promoção dos princípios dos 3 R (Substituição, Redução e Aperfeiçoamento) e a criação de um centro 3 R (projecto de resolução n.º 134/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, saúdo e cumprimento os subscritores desta petição.
O conjunto de questões levantadas pela petição deve merecer por parte da Assembleia da República a maior atenção, não só porque ela se refere à construção de uma infra-estrutura que faz uso de uma forte componente de financiamento público, mas também pela própria infra-estrutura em causa, a sua natureza comercial e privada e o seu objectivo de produção animal para experimentação.
A Comissão de Educação e Ciência, que acompanhou e aprofundou as diversas questões levantadas pela petição, e aprovou sobre esta um relatório da autoria do Sr. Deputado Ferreira Gomes, que aproveito também para cumprimentar pelo trabalho desenvolvido, traz, hoje, ao Plenário da Assembleia um documento valioso de análise que é substancialmente completado pelo conjunto de contributos exteriores e pareceres que foram recebidos na Comissão.
Se atentarmos a esses pareceres, desde individuais a institucionais, torna-se evidente a superfluidade de construção de um novo biotério central, particularmente tendo em conta que as próprias instituições e centros de investigação em Portugal ou já dispõem de biotérios e para tal têm projectos em curso ou já dispõem de formas de obter os animais. Acresce que são as próprias instituições a referir, tal como grande parte dos pareceres recebidos, que existe, hoje, em Portugal suficiente capacidade de resposta para as necessidades de experimentação e investigação que se colocam.
Por outro lado, é cada vez mais abrangente a preocupação com o bem-estar animal que se manifesta na nossa sociedade, o que revela também uma crescente consciência de que não é necessária a sobreexploração dos recursos biológicos e naturais promovida pelo próprio capitalismo, muitas vezes em função de objectivos absolutamente estéreis, o que, aliás, tem vindo a justificar uma intervenção constante do PCP no quadro da Assembleia da República, quer do ponto de vista da apresentação de iniciativas legislativas quer de questões dirigidas ao Governo.
Aproveito também para dar nota à Sr.ª Deputada Manuela Melo que a Direcção-Geral de Veterinária, muito embora cumpra, de acordo com a lei, o conjunto de objectivos que aqui enunciou, tem, objectivamente, falta de meios para os cumprir e carece de um investimento sério na sua estrutura para garantir a fiscalização e a intervenção do Estado no respeito e no bem-estar animal.
Paralelamente, é cada vez mais evidente, com o aprofundamento do conhecimento científico, que os animais não humanos são também passíveis de manifestar comportamentos que em tempos se julgavam exclusivamente próprios do homem. O stress, o pânico, as alterações hormonais e comportamentais são sentidos pelos animais não humanos, desde que sujeitos a situações que as provoquem. Viver em harmonia com os restantes animais e com a natureza é um direito que assiste a todos os cidadãos.
Embora, em alguns casos, a experimentação e, por conseqüência, a produção de animal para
experimentação seja ainda insubstituível, a ciência tem vindo também, de forma gradual, a permitir que sejam substituídos métodos experimentais que incluam animais vivos ou tecidos provenientes de animais criados para o efeito.
Por isso mesmo, é oportuno questionar a necessidade de construção de um biotério central,
particularmente ponderar a participação de investimento público numa estrutura comercial desse tipo.
O PCP apoia genericamente as reivindicações colocadas pela petição e, inclusivamente, existindo já iniciativas, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará também o seu contributo para a discussão, particularmente no âmbito da Comissão de Educação e Ciência, tendo em vista a retirada da participação do Estado e do investimento público no biotério central, promovendo paralelamente a criação de comissões de acompanhamento a laboratórios que utilizem animais não humanos em experimentação e investigação científica e o aprofundamento das técnicas enquadráveis, na perspectiva já praticada e desenvolvida em alguns países, conhecidas como 3 R, técnicas de substituição por novas formas de experimentação, de redução da utilização de seres vivos sensíveis e refinamento da técnica para minimizar os impactos da experimentação sobre os animais.

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