Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

O BES confirma o fracasso da política de liberalização da economia

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Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,
Sr.as e Srs. Deputados:

BPN, BPP, BCP e agora BES. A pergunta que fazemos é: quantos mais exemplos de fraude, de especulação e até, em alguns casos, de atuação criminosa, são necessários para que os senhores reconheçam que a atividade bancária é demasiado importante para estar nas mãos da gestão privada?

Para que reconheçam que a atividade bancária é determinante para o País, para a vida nacional, e que só com o controlo público se pode evitar este tipo de práticas?

Sr.ª Ministra, aquilo que aconteceu agora com o BES confirma o fracasso da vossa política e da política de anteriores Governos, de liberalização da circulação de capitais, de «financeirização» da economia, de privatizações, de reconstituição dos grupos económicos e financeiros de antes do 25 de Abril, que, quando dão lucros, canalizam os dividendos para os bolsos dos acionistas, mas, quando dão prejuízos, tentam assacar essa responsabilidade aos contribuintes.

Esta, Sr.ª Ministra, pode ser uma política de sucesso para os especuladores, mas é uma política de ruína e de fracasso para o País e para os interesses nacionais.

Sr.ª Ministra, hoje, não pode sair daqui sem explicar uma contradição, que é uma contradição da maior relevância.

A Sr.ª Ministra, nesta Assembleia da República, no dia 17 de julho, disse que tudo apontava para que não fosse necessária uma intervenção do Estado no Banco, mas 15 dias depois está o Estado a intervir no Banco, e não só a intervir, como a ter uma intervenção decisiva relativamente à situação atual e ao futuro do Banco. A Sr.ª Ministra tem de explicar, afinal de contas, como é que pode assumir essa intervenção, quando, 15 dias antes, dizia que nada apontava no sentido de ser necessária essa intervenção. A Sr.ª Ministra falou daquilo que não sabia? A Sr.ª Ministra foi enganada, porque lhe transmitiram elementos errados relativamente à situação do Banco? Ou a Sr.ª Ministra sabia e tinha a tal preocupação com o sossego dos mercados, razão pela qual veio à Assembleia da República enganar os Deputados e enganar os portugueses? Essa contradição a Sr.ª Ministra, hoje, tem, obrigatoriamente, de a explicar.

Uma outra questão, Sr.ª Ministra, é relativa à utilização dos fundos públicos. Está à vista de todos que, nesta solução que o Governo encontrou com o Banco de Portugal, há recurso a fundos públicos, não só por via do fundo de recapitalização, que é responsabilidade do Estado e, em última instância, dos contribuintes portugueses, mas também por via da possível participação da Caixa Geral de Depósitos no capital social do Novo Banco. E a Sr.ª Ministra, hoje, tem de explicar qual vai ser, afinal de contas, a participação da Caixa Geral de Depósitos nesse capital social.

A Sr.ª Ministra tem de explicar hoje, aqui, qual foi a avaliação de risco que o Governo já fez relativamente a esta situação e tem de dar garantias de que este não será um processo com um banco que vai estourar, novamente, nas mãos dos contribuintes. Mas a Sr.ª Ministra tem de fundamentar essas garantias que vai dar aos portugueses, não pode repetir o que fez no dia 17 de julho. Hoje, queremos que fundamente aquilo que disser, queremos saber a origem das afirmações que a Sr.ª Ministra vai fazer e queremos saber que responsabilidades é que o Governo vai assumir no destino deste Novo Banco. É que, Sr.ª Ministra, o Fundo de Resolução é um Fundo cuja gestão e administração é da responsabilidade do Governo, em parceria com o Banco de Portugal e, portanto, o Governo tem de assumir as responsabilidades que vai ter no destino do Banco, naquele que vai ser o rumo definitivo do Banco.

Mas, Sr.ª Ministra, quero ainda colocar-lhe uma outra questão concreta relativamente a esta matéria e a um aspeto central que tem a ver com duas alterações legislativas, uma feita na sexta-feira e outra feita na segunda-feira, ao Regime Geral das Instituições de Crédito.

O Governo fez publicar, na sexta-feira, uma alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito, certamente aprovada no Conselho de Ministros de quinta-feira, mas mantida em segredo. Queremos saber se a Sr.ª Ministra confirma esta circunstância e se confirma que esse decreto-lei foi aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira e foi mantido em segredo pelos efeitos que poderia ter, particularmente do ponto de vista da flutuação do valor bolsista do BES.

Mais: a Sr.ª Ministra tem de explicar se informou ou não a CMVM da aprovação desse decreto-lei, para que a CMVM suspendesse a transação de ações do BES e, se não o fez, tem de explicar por que não o fez, com que fundamento é que não o fez.

Relativamente às regras que foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de sexta-feira, e pelo Decreto-Lei n.º 114-B/2014, queremos saber se a Sr.ª Ministra está em condições de garantir aos portugueses que o BES não vai ser retalhado em fatias, para ficarem os privados com aquilo que forem os ativos do Banco e os portugueses, os contribuintes, e o Estado, por via do pagamento do fundo de recapitalização, afinal de contas, uma vez mais, com os prejuízos.

A Sr.ª Ministra sabe tão bem quanto nós que esse Novo Banco corresponde, quase integralmente, ao anterior BES. Este Novo Banco ficou com 80% dos ativos, mas ficou com 79% do passivo, com 75% da carteira de clientes, com uma boa parte dos negócios ruinosos que o BES fez e com uma boa parte das dívidas que o BES fez, nomeadamente, por exemplo, o crédito concedido pelos bancos centrais, que ascende a 8,4 mil milhões de euros, e créditos de outras instituições financeiras. Queremos saber se o Governo vai ou não sancionar uma perspetiva de cortar o Novo Banco às fatias, para que os privados fiquem com aquilo que dá lucro e o Estado encaixe o prejuízo.

A Sr.ª Ministra tem de nos dar estas garantias na discussão de hoje.

Há ainda uma última questão, que tem a ver com os trabalhadores. A Sr.ª Ministra sabe que o universo do Grupo Espírito Santo em Portugal, particularmente nos setores financeiro e da saúde, abrange quase 30 000 trabalhadores. Pode estar em perspetiva o maior despedimento coletivo, em Portugal, desde o 25 de Abril. Aquilo que queremos saber é se o Governo vai sancionar uma lógica de solução para o Banco que passe pela injeção de dinheiros públicos e por um despedimento coletivo dessa dimensão.

(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças:

Enquanto o PSD e o CDS se entretêm a dizer coisas sem sentido sobre as posições do PCP, há problemas sérios do País que é preciso resolver.

Sr.ª Ministra, quando foi votado, nesta Assembleia da República, o artigo da lei que nacionalizava o BPN, só o PCP e Os Verdes votaram contra, todos os outros partidos votaram a favor.

E nós lembramo-nos bem que a justificação que na altura era dada era muito semelhante ao discurso que a Sr.ª Ministra hoje faz, e é por isso que soam a falso as palavras do Primeiro-Ministro e da Sr.ª Ministra das Finanças, quando, em 11 de julho, o Sr. Primeiro-Ministro, e a 17 de julho, a Sr.ª Ministra, diziam que o mais provável seria não haver intervenção do Estado. Percebia-se já que isso soava a falso.

O problema, Sr.ª Ministra, é que podemos estar a percorrer, uma vez mais, o caminho que foi trilhado com o BPN, agora com nomes diferentes e conceitos alternativos, mas podemos estar a percorrer exatamente o mesmo caminho.

O que nós queremos da Sr.ª Ministra é que responda às perguntas que lhe fizemos e que dê aos portugueses a garantia absoluta de que não haverá esse risco.

A Sr.ª Ministra disse, em relação ao empréstimo que o Fundo de Resolução contrai junto do Fundo de Capitalização, que não há risco neste empréstimo.
Queremos saber quem é que avaliou esse risco, qual foi a entidade que o avaliou e como é que se faz uma afirmação dessas.

A Sr.ª Ministra recusou outras soluções porque eram mais arriscadas. Queremos saber quem é que avaliou essas outras soluções, que outras soluções eram essas e por que é que a Sr.ª Ministra diz que são mais arriscadas.

Sr.ª Ministra, temos aqui o decreto-lei com a assinatura do Ministro Paulo Portas.

Este decreto-lei foi aprovado no Conselho de Ministros de dia 31 de julho — certamente que não foi feito na manhã de dia 31, estava já preparado no dia 30. Por que é que não houve uma comunicação à CMVM que impedisse a transação das ações? Por que é que não foi tomada essa medida para impedir que se continuassem a transacionar ações de um banco que já se sabia que iria ser intervencionado pelo Estado, no sentido em que foi?

Para concluir, Sr.ª Ministra, uma última pergunta relativamente aos trabalhadores e aos seus direitos, particularmente em relação ao Fundo de Pensões. Que avaliação é que já foi feita na situação do Fundo de Pensões? Que medidas é que o Governo está a ponderar para proteger os trabalhadores, particularmente em relação ao Fundo de Pensões, e que garantia é que a Sr.ª Ministra pode dar hoje, aqui, que a injeção de dinheiro público para recuperar este banco não será acompanhada da promoção pelo Governo de um processo de despedimento coletivo, que poderá ser o maior processo de despedimento coletivo do nosso País desde o 25 de Abril.

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