Avisos<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;

Superando o clássico embaraço da escolha de assunto numa conjuntura eleitoral que oferece uma exuberante panóplia de temas a justificar comentário, fiquemo-nos hoje por três despretensiosas observações por ordem decrescente de importância. A primeira destina-se a chamar a atenção para o especial interesse da sondagem da U. Católica (“Público” de 1/2) por ter solicitado aos inquiridos que avaliassem a actuação em diversas áreas não apenas do Governo PSD-CDS/PP liderado por Santana Lopes mas também do governo liderado por Durão Barroso.

Talvez sem excepcional surpresa mas de qualquer modo confirmando que o PSD está nas vésperas de apanhar com um devastador “tsunami” eleitoral, os resultados da sondagem mostram um juízo acentuadamente mais negativo sobre o Governo de Santana Lopes do que sobre o de Durão Barroso, já que o primeiro, somando juízos de “mau” e de “muito mau” , apresenta comparativamente acréscimos de opiniões negativas que vão desde os 6 pontos nas políticas sociais até aos 23 na coordenação política, passando pelos 16 pontos na apreciação global.

Mas, dito isto, é tempo de dizer que, a nosso ver, se enganam todos os que, na análise desta sondagem, queiram ficar por aqui. Na verdade, confirmando plenamente a ideia que aqui desenvolvemos há algumas semanas de que o fracasso da governação PSD-CDS não era apenas o resultado das “trapalhadas” recentes sob a batuta de Santana Lopes mas também das políticas realizadas nos dois anos sob a batuta de Durão Barroso (e, convém não esquecer, de Paulo Portas) e do descontentamento popular que geraram, a sondagem revela também apreciações muito negativas sobre o primeiro governo da coligação de direita.

Basta lembrar que a sua actuação geral foi julgada negativamente por 57% dos inquiridos e apenas positivamente por 29%; que “na economia e nas finanças públicas” os juízos negativos ascenderam a 57% e os positivos apenas a 27% e nas “políticas sociais” as opiniões negativas subiram a 68% enquanto as positivas se ficaram pelos 19%.

Aqui chegados, o que mais importa é sublinhar que estes últimos dados deviam constituir um solene aviso para aqueles que, indo inevitavelmente beneficiar da vontade nacional de “arrasar”“ eleitoralmente o PSD dirigido por Santana Lopes, julgam que o bom programa e o suficiente projecto é livrar o pais do “governo das trapalhadas” e recuperar e reabilitar substantivamente políticas essenciais do Governo Durão Barroso, como claramente se deduz do discurso mais ou menos dissimulado de responsáveis do PS e de conhecidos prosélitos de uma sua maioria absoluta. A começar por Vital Moreira que ainda há pouco nos brindou com a “oportuníssima” tese de que, em matéria de diferenças entre partidos, “a forma da política pode contar tanto como os conteúdos das políticas”.

A segunda observação tem que ver com um enésimo testemunho de que alguns responsáveis do Bloco de Esquerda parecem ter caído em pequeninos no caldeirão da arrogância e da sensibilidade tipo flor de estufa.

Com efeito, beneficiando de um privilégio que naquelas páginas não é concedido a qualquer comunista, Fernando Rosas, em artigo no “Público” (2/2) onde coloca o BE no centro do mundo, veio lamentar “esta opção do PCP acerca de quem são os adversários nesta disputa eleitoral, privilegiando os ataques ao PS e agora ao BE”.

Por detrás desta falácia não está apenas que, sem especial admiração, Fernando Rodas reduza o discurso real dos dirigentes do PCP aos títulos ou temas que, em regra, a imprensa escolhe e, segundo os quais, parece que só o PCP sempre “ataca” alguém. Está também e sobretudo a ideia de que o BE é uma entidade política vocacionada para um estatuto singular de impunidade e intocabilidade que lhe permite tudo sobre os outros e que aos outros nada permite sobre o BE.

É assim que o BE pode espalhar, num folheto de propaganda, que foi ele que inscreveu na agenda política a despenalização do aborto e que foi com ele que começou a reforma fiscal, a resposta à violência doméstica contra as mulheres, a consideração dos toxicodependentes como doentes em vez de serem presos e também que se fez frente às direitas no poder, mas já o PCP não pode lembrar que, em todas essas causas ou batalhas, o PCP teve ou um papel pioneiro ou fundamental que só por intrínseca desonestidade política se pode querer apagar ou menosprezar.

E, do mesmo passo, é também assim que, por exemplo, Miguel Portas pode chamar “milagreiro” ao programa eleitoral do PCP ou sentenciar que entre a Europa que o PCP defende e Europa nenhuma não há diferença, ou que Teixeira Lopes pode atrevidamente fustigar uma suposta “intolerância” do PCP na sua vida interna, e é claro que nada disso são “ataques” ao PCP sendo apenas um inocente e irrepreensível debate de ideias.

Mas ainda e para terminar: é esta mesma condenável atitude mental que pode explicar que Fernando Rosas possa escrever artigos devastadores sobre a orientação do PS (por vezes, bem mais violentos que as posições do PCP) e depois venha, com o ar mais tranquilo deste mundo e copiando curiosamente Manuel Alegre, acusar o PCP de fazer do PS o seu “adversário principal”. Finalmente, uma curta mas necessária observação – tipo declaração para acta - sobre o lixo que foi despejado para cima e para dentro da campanha eleitoral.

Apenas para dizer que podem chamar-nos conservadores, defensores do autismo político ou cultores de princípios rígidos e formais e que podem querer demonstrar-nos que só a entrada do lixo no espaço público formal (designadamente imprensa, rádio e televisões) assegura a sua denúncia e crítica, mas - tudo visto e ponderado - continuamos a pensar que foi um mau passo que a imprensa séria começasse a dizer que havia “boatos” e que a campanha ia ser “suja” (e os leitores a perguntar “mas quais são ?” ou “ mas suja porquê?”) e que o lixo devia ter sido firmemente confinado aos circuitos clandestinos e cobardes onde vogava.