Como era previsível desde o primeiro ultimato de G. W. Bush, lançado em 12 de Setembro de 2002, a invasão militar do Iraque pelas forças armadas americanas aconteceu. A decisão de Bush de promover a intervenção militar estava tomada desde essa altura, viesse ou não a conseguir a cobertura política das Nações Unidas e da comunidade internacional, fosse o Iraque desarmado ou não.
A Administração norte-americana nunca teve como motivação central o desarmamento do Iraque. Fosse ele o verdadeiro e não desencadearia unilateralmente uma ofensiva militar no preciso momento em que o regime iraquiano começou a ser desarmado pela ONU. Aliás, a própria evolução do discurso da administração Bush o foi deixando claro: o objectivo declarado passou do “desarmamento do regime” para a “ substituição do regime” e, por fim, para a “alteração da correlação de forças na região”. De facto, o que motivou a ofensiva norte-americana foram os interesses económicos e geo-estratégicos defendidos pela Administração Bush.
Só se deixou enganar quem quis fazer-se passar por enganado. Por isso não pode o Primeiro-Ministro de Portugal alegar quaisquer expectativas de conceder uma “última oportunidade à diplomacia”, quando apoiou e participou na condenável encenação da “cimeira dos Açores”. Durão Barroso foi patético na tentativa de justificar o injustificável: ter associado politicamente o nosso país ao núcleo duro dos belicistas apoiantes da invasão militar do Iraque pelas forças armadas dos EUA.
A “cimeira dos Açores” não foi um palco escolhido para dar uma última oportunidade à diplomacia. Foi o cenário eleito para os participantes fazerem uma declaração de guerra à Carta das Nações Unidas, à responsabilidade que essa Carta confere ao Conselho de Segurança pela manutenção da paz e da segurança internacional, ao primado do direito internacional nas relações entre Estados e na resolução de conflitos. Hospedando e participando nessa encenação, Durão Barroso amarrou, aventureira e irresponsavelmente, o Estado português a esta acção bélica ilegítima e ilegal, de “choque e pavor”.
No plano político, é insofismável a derrota política de Bush e dos apoiantes da coligação agressora. Recolhem a oposição declarada da maioria dos Estados e a condenação esmagadora da população mundial. Mas esta invasão militar tem graves consequências para o futuro das relações internacionais.
Particularmente no mundo actual em que sobressai uma única superpotência, e com pretensões hegemónicas, a ONU é indispensável para preservar que o relacionamento entre Estados assente primordialmente no direito internacional. E se é certo que os membros permanentes do CS nunca deixam de ter em conta nas suas posições os interesses próprios, económicos ou estratégicos, a própria diversidade desses interesses tende a ser, apesar de tudo, garante de um certo “equilíbrio” relativo nas decisões do Conselho. Ora, a decisão unilateral americana de intervenção militar no Iraque, à margem do CS e contra a sua vontade maioritária, enterra o direito internacional e fere gravemente a legitimidade da ONU e do seu CS.
Esta guerra unilateralmente decidida tenderá a aumentar a instabilidade politica na região e a ser mais um obstáculo à resolução política da questão palestiniana e à criação efectiva do Estado Palestino. E é legitimo admitir que ela não só não irá facilitar a luta contra o terrorismo como poderá alimentar uma nova ofensiva.
Ou seja, a guerra unilateralmente conduzida contra o Iraque pelos EUA e apoiada pelos seus capangas, torna o mundo menos seguro para o futuro. Acrescidamente na dependência da vontade e dos interesses dos mais fortes e, em particular, dos caprichos dos Governos da potência imperialista norte-americana. E a aventureira e irresponsável (não é demais repeti-lo) posição assumida por Durão Barroso incluiu Portugal no rol dos Estados responsáveis por estas graves consequências. Que poderão ser muito pesadas para o nosso país, a nível mundial e no âmbito da União Europeia.
Neste quadro, não se compreende a ambiguidade do Presidente da República no seu apelo à “unidade nacional”. Unidade nacional, em torno de quê? Não da desastrosa e vergonhosa actuação do Primeiro-Ministro. Seria pior a emenda que o soneto! Sim contra aquela actuação. Com o objectivo de minimizar os danos e de repor a dignidade e a credibilidade de Portugal no contexto das nações defensoras de uma ordem internacional assente na paz, no direito e na justiça.