Intervenção de

Avaliação do ensino superior - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Regime jurídico da avaliação do ensino superior

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo apresenta-nos hoje uma proposta de lei (n.º 126/X) através da qual visa estabelecer o regime jurídico da avaliação da qualidade no ensino superior.

É importante que fique claro e sem lugar a equívocos que o Grupo Parlamentar do PCP defende, como sempre defendeu, um regime de avaliação da qualidade do ensino superior e das suas instituições.

O PCP tem, aliás, estado na linha da frente da denúncia de situações de degradação da qualidade do ensino superior, perante o qual o Estado tem especiais responsabilidades. Sempre entendeu que a garantia da qualidade do ensino é responsabilidade directa e concreta do Estado.

Os problemas do ensino superior português resultam essencialmente do subfinanciamento crónico a que este tem sido sujeito há sucessivos anos, sem melhoria alguma, afastando-se cada vez mais do orçamento-padrão e ainda mais dos referenciais europeus, provocando a asfixia financeira das instituições.

O PCP denunciou, tal como a JCP, o engodo lançado pelos sucessivos governos, que prometiam a qualidade com o aumento das propinas de frequência do ensino superior. É hoje, manifestamente, óbvia essa mentira.

Hoje repete-se outra promessa, a da melhoria da qualidade através deste sistema de avaliação. O PCP rejeita, mais uma vez, esta promessa.

O regime de avaliação que o Governo actualmente nos propõe é mais um passo neste caminho de retirada do Estado perante a educação. Há um entendimento claramente anti-social do ensino superior, que o enquadra cada vez mais como um produto de mercado e não como um serviço público para a sociedade e para o País.

Se olharmos com atenção para lá das aparências e das frases generalistas e vagas do preâmbulo da proposta de lei, imediatamente identificamos uma tendência de submissão do ensino superior aos caprichos do mercado. Ou seja, o mercado é a bitola de avaliação da qualidade do ensino superior.

São absurdamente descabidos alguns dos critérios que o Governo aqui propõe como universais para toda a avaliação de todas as instituições, como, por exemplo, os que estabelece o n.º 2 do artigo 4.º, aliás já referidos pelo meu camarada João Oliveira, e que, curiosamente, nenhum deles viu qualquer comentário por parte do Sr. Ministro.

O Governo entende as instituições do ensino superior como os hipermercados da educação, que competem entre si, que disputam um mercado de consumidores, como modernamente se chama à população estudantil.

O Governo privilegia como critério a rentabilização económica dos trabalhos de investigação, como se não houvesse ciência fundamental; a inserção dos diplomados no mercado de trabalho, como se abundassem empresas de base tecnológica e o emprego tecnológico e científico; e a captação de receitas próprias a qualquer preço, entre outros critérios tão desajustados como os referidos.

Esta proposta de lei, sob a capa da defesa da qualidade do ensino superior, tal como foi apresentada a Lei do Financiamento do Ensino Superior durante o anterior governo, não representa mais do que a aplicação das regras do mercado às instituições de ensino superior. Afinal, cai o disfarce da qualidade e vislumbra-se a verdadeira intenção de estabelecer uma relação hierárquica entre instituições, acentuando a dita «excelência» das instituições de 1.ª e cavando o fosso entre estas e todas as outras, para mais facilmente, depois - quem sabe! - até as extinguir.

Aliás, esta proposta de lei é apenas uma das peças da estratégia a que se junta a proposta de regime jurídico aprovada em Conselho de Ministros, que visa a privatização das instituições individualmente consideradas.

A conjugação destas medidas do Governo constitui, provavelmente, uma das maiores ofensivas ao ensino superior público dos últimos anos. Por um lado, através do regime jurídico, o Governo garante a gestão empresarial das instituições, remetendo-as mesmo para a figura de entidades de direito privado, as fundações, por outro, o Governo avalia o desempenho administrativo dessa gestão com base não na qualidade do ensino mas no carácter empresarial da instituição.

O PCP defende um regime de avaliação que tenha como principal objectivo a eliminação das incapacidades das instituições de ensino, capaz de detectar as suas insuficiências e também com vista à resolução das suas causas; uma avaliação que possibilite a intervenção construtiva do Estado, nomeadamente no plano material e objectivo das condições de ensino e aprendizagem, que consolide a qualidade como característica transversal a todo o ensino público e que, simultaneamente, comprometa o ensino privado a garanti-la também nas suas instituições. Mas não é esta a visão do Governo do Partido Socialista.

Como pode o Governo afirmar interesse na promoção da qualidade quando propõe um regime de avaliação que passa pela divulgação sistemática de um ranking das instituições de ensino superior, a que se junta o ranking da empregabilidade das instituições do ensino superior?!

O que o Governo procura não é identificar as instituições que, actualmente, apresentam incapacidades para suprir as suas insuficiências, mas é, pelo contrário, beneficiar consecutivamente as que obtiverem os bons resultados, destacando-as das restantes.

É a declaração legal da existência de instituições de primeira e de instituições de segunda categorias, a qualquer custo social e cultural.

Paralelamente, as propinas atingirão níveis cada vez mais elevados para garantir a mínima viabilidade financeira das instituições, nomeadamente através da subida cada vez mais vertiginosa das propinas do 2.º ciclo, como já bem se observa nos preços de alguns mestrados temáticos, que ascendem acima da dezena de milhar de euros.

A sobrevivência das instituições dependerá, portanto, da sua capacidade de gerir empresarialmente e de obter o maior financiamento possível por qualquer via que não o Orçamento do Estado. A qualidade do ensino e a adaptação deste às reais necessidades do País não são, sequer, parte da equação.

O PCP denuncia os aumentos das propinas e a crescente degradação da qualidade do ensino por via da crescente desresponsabilização do Estado, denuncia a elitização galopante do ensino superior público e identifica nesta proposta de lei exactamente a mesma linha política que tem provocado estes sintomas no ensino superior.

O Governo está a utilizar a avaliação das instituições como forma de se demitir das suas mais elementares competências, delegando-as nas instituições de ensino superior de forma inaceitável.

É ao Estado democrático que cabe eliminar as assimetrias sociais e as causas do insucesso escolar; é ao Estado democrático que cabe determinar as necessidades do País e não a um qualquer mercado; é ao Estado que cabe assegurar o financiamento e a qualidade das instituições do ensino superior, não é aos estudantes, pela via das propinas. Por uma avaliação que sirva a qualidade do ensino e não a sua estratificação e mercantilização!

 

 

 

 

 

 

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