(proposta de lei n.º 213/XII/3.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Economia,
A primeira pergunta que queremos fazer vai no sentido de saber se o Governo tem medo de alguma coisa. Se não tem, por que é que não transforma esta proposta de lei numa proposta de lei material, para ser discutida na Assembleia, pela Assembleia, em vez de ser despachada para os gabinetes do Governo como autorização legislativa?! Há algum problema? Tendo em conta que nós, na Assembleia da República, estamos perante o legislador constitucional, institucional e até, muitas vezes, pela experiência demonstrada, tecnicamente mais qualificado do que o Governo, qual é o problema de se fazer uma audição, uma discussão, uma reflexão, uma ponderação séria, aberta e abrangente aqui, na Assembleia da República?! Qual é o problema? Os senhores têm medo de quê, para levarem daqui para fora uma proposta de que, um dia destes, sairá um decreto-lei que, depois, poderemos chamar à Assembleia, se for caso disso?!
Mas quero colocar-lhe duas questões concretas sobre o próprio conteúdo do articulado do projeto de decreto-lei que os senhores anexaram à proposta. Há três anos, nesta Assembleia, praticamente todos votaram a favor de uma proposta que resultou de uma iniciativa do PCP relativamente às incompatibilidades no setor das agências funerárias. Quem tem um lar de terceira idade, quem tem transporte de doentes não pode dedicar-se a funerais. Não pode! Pergunto objetivamente ao Sr. Secretário de Estado por que é que os senhores mudaram de opinião? Por que é que entendem que quem detém lares de terceira idade, transporte de doentes, etc., pode dedicar-se, simultaneamente, à atividade funerária? O que é que mudou e por que é que os senhores, agora, entendem que isso passa a ser bom?
Em segundo lugar, faço-lhe uma pergunta que tem a ver com o setor da restauração e bebidas, que é completamente ignorado, na sua especificidade, e incompreensivelmente arredado do regime do setor do turismo e colocado no mesmo saco de setores que, evidentemente, nada têm a ver.
Os senhores mantêm o CAE (código de atividade económica) relativo ao turismo, mas colocam o setor da restauração, do ponto de vista dos serviços do comércio, misturado com coisas que não têm rigorosamente nada a ver nem têm qualquer proximidade, ignorando a sua especificidade e colocando-o no mesmo plano, de uma forma verdadeiramente incompreensível.
Qual é a opção do Governo nestas matérias e qual é o problema do Governo, que o leva a transportar daqui para fora um processo legislativo com o impacto e a gravidade que este tem no nosso País?!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Estamos perante um processo legislativo sobre o qual dá vontade de dizer que é mau demais para ser verdade.
Uma proposta de lei como esta, com as opções estratégicas erradas, com o favorecimento que promove aos grupos económicos mais poderosos, em detrimento das micro, pequenas e médias empresas, liberalizando e deixando à lei do mais forte aspetos cruciais da atividade económica, como os horários de funcionamento, uma proposta assim nem devia ser apresentada, fosse de que forma fosse.
O PCP, aliás, propôs esta manhã, na Comissão de Economia, que se promovesse a baixa à respetiva comissão deste diploma para permitir que fossem ouvidas as entidades e os setores afetados, alguns dos quais até pediram para ser ouvidos e que não o foram por falta de tempo, como é, por exemplo, o caso da ARESP (Associação da Restauração e Similares de Portugal) ou das associações de feirantes. E é lamentável que o PSD e o CDS tenham votado contra, rejeitando esta proposta do PCP e tornando ainda mais inaceitável e ainda mais lamentável este processo legislativo.
A própria Comissão Nacional de Proteção de Dados alertou a Assembleia para aspetos que devem ser alterados na autorização legislativa — e já não vamos a tempo de discutir essa matéria!
Os senhores querem impor autênticas alterações de regime para o acesso do exercício de atividade, com impactos profundos nas áreas do comércio, dos serviços, da restauração e de bebidas, ou seja, simplesmente a imensa maioria das empresas do tecido económico português e dos seus trabalhadores. Fazem-no desta maneira, pedindo pareceres para cumprir calendário e impedindo, até, a abertura e o pluralismo que o debate parlamentar permitia, o que, de resto, evidencia a má consciência do Governo pela proposta que apresenta.
Também registamos que o Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, não respondeu a coisa nenhuma, desde logo porque todo esse «embrulho» de propaganda em que apresentam a proposta (as plataformas eletrónicas, a desburocratização, o balcão do empreendedor), tudo isso é uma completa fantasia que nada tem a ver com a vida concreta das empresas, dos serviços, da Administração Pública. É ficção científica, Srs. Deputados! São sistemas que nem estão implementados na sua totalidade a nível nacional e que não funcionam na maior parte do território. Aliás, mesmo a questão das taxas vem reforçar a necessidade de uma revisão séria e efetiva da Lei das Finanças Locais e estabelecer quem financia e quem mantém estes sistemas e plataformas que os senhores dizem que passam a ser um sistema que rege este regime e estes setores.
Entretanto, os senhores falam em liberalização de horários como se fosse uma panaceia para o desemprego, como se fosse tudo a mesma coisa — a cabeleireira que quer trabalhar mais uma hora ou a grande superfície de um grupo económico que passa a poder funcionar 24 horas por dia.
Falam de saldos e de promoções como se a capacidade económica de uma microempresa fosse a mesma de uma cadeia multinacional de grande distribuição.
Falam de mutualidades a fazer funerais como se fosse uma exceção em vigor, como se estas estivessem autorizadas a prestar serviços a outros. Não é isso que se passa no nosso País! Informe-se, Sr. Secretário de Estado!
Há uma mudança preocupante nas posições assumidas há pouco tempo atrás nesta Assembleia. A mesma coisa se passa no setor da restauração: os compromissos assumidos por este Governo, por esta maioria, para com o setor da restauração, com esta proposta são ignorados, pois o Governo, assim, coloca tudo no mesmo plano, no mesmo saco.
O Governo considera, talvez, que é nos horários, nos limites às incompatibilidades, nos impedimentos à concorrência desleal que estão os obstáculos ao crescimento e ao desenvolvimento económico. Não estão; estão na perda de poder de compra das populações, nos cortes dos salários, das pensões e das prestações sociais, estão nesta política de favorecimento ao poder económico e de empobrecimento dos trabalhadores e dos micro e pequenos empresários que este Governo continua a levar a cabo nesta governação, nesta desgovernação de desastre nacional que tem continuado a persistir.
Cá estaremos para procedermos à apreciação do Decreto-Lei, mas é lamentável, é vergonhoso, é inacreditável que um diploma desta amplitude, com esta dimensão e com esta gravidade, pelas piores razões, seja levado, na próxima semana, para a tranquilidade, o recato e o remanso dos vossos gabinetes, Srs. Membros do Governo!