Intervenção de

Autoriza o Governo a legislar sobre a situação do pessoal - Intervenção de Rodeia Machado

Autoriza o Governo
a legislar sobre a situação do pessoal em situação
irregular
Intervenção de Rodeia Machado

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados:

A matéria que hoje sobe a debate na Assembleia da República, e para a qual o Governo solicita autorização legislativa, é uma matéria que desde sempre tem suscitado críticas profundas por parte dos trabalhadores da Função Pública e das suas estruturas representativas, e é, em última análise, uma matéria que desde há muito deveria estar banida da Administração Pública Portuguesa.

A praga dos chamados recibos verdes, na Administração Pública em Portugal, tem contornos e objectivos que não têm qualquer fundamento na legislação portuguesa e configuram, desde sempre, uma prática abusiva, por parte dos serviços e dos governos, nomeadamente do actual Governo, do trabalho sem direitos, com vínculos precários, sem normas e confirmando que os trabalhadores, são pau para toda a obra, sem respeito pelos seus direitos.

Ainda hoje não se conhecem, com exactidão, quantos trabalhadores estão nesta situação. Não porque fosse difícil, e em tempo útil, proceder a um levantamento correcto, mas porque as informações são muitas vezes omitidas, por parte dos serviços, quer à escala regional, quer à escala nacional.

As palavras poderiam ser apenas da nossa responsabilidade, mas foram confirmadas há algum tempo atrás, na Comissão de Trabalho, pelo Senhor Secretário de Estado da Administração Pública, que afirmou que o Governo não conhece, com rigor, quantos são e quais as condições em que muitos se encontram.

Os trabalhadores da Administração Pública de uma forma geral, e os com vínculo precário em especial, e as suas estruturas representativas, desde há muito reclamam que tal situação deve ser resolvida, com urgência, dentro do quadro legal existente, tendo em atenção, em primeiro lugar, o reconhecimento por parte do Estado, de que todos os trabalhadores têm direitos, que devem ser tratados, com igualdade e dignidade, no respeito pelos princípios plasmados na Constituição da República Portuguesa.

Foi com base nestes princípios, e na luta desde sempre travada, que as estruturas sindicais dos trabalhadores da Administração Pública, conseguiram que o Governo se sentasse à mesa das negociações, e que levou à subscrição de um Acordo entre as partes, que visa terminar com o emprego precário na Administração Pública.

Parecia, assim, estarem criadas as condições necessárias para se encontrarem medidas normativas, para além das existentes, que dessem corpo a uma velha e justa aspiração. O Governo tardou na apresentação desta proposta de lei, pois os prazos decorridos entre a publicação do Decreto-Lei 81-A/96 a apresentação do pedido de autorização legislativa demorou uma eternidade, com prejuízo para os trabalhadores.

Ao ser colocada em discussão pública, como decorre do quadro legal, a proposta de lei do Governo, sofreu críticas das estruturas representativas dos trabalhadores. Sobre estas matérias foram recebidos pareceres de duas Frentes de Sindicatos da Administração Pública, sete Direcções Distritais e centenas de moções de trabalhadores com vínculo precário.

Pese embora a necessidade e urgência de criar normativo legal, consideramos que a proposta do Governo é insuficiente.

Em primeiro lugar, porque a aplicação da autorização legislativa, não se deve limitar ao pessoal, na situação prevista no Decreto-Lei nº 81-A/96, de 21 de Junho, tal como se encontra formulada mas sim a todos os trabalhadores cuja relação laboral foi constituída antes da entrada em vigor daquele diploma.

Aliás, reside aqui uma enorme contradição entre o que o Governo afirma na Proposta de Lei e o Decretos-Lei nº 81-A/96 e o 103-A/97.

Senão, vejamos:

O Governo propõe-se resolver o problema dos trabalhadores em situação precária antes de 10 de Janeiro de 1996, mas publica um diploma que só entrou em vigor no dia 22 de Junho de 1996, e cujos efeitos práticos só se fizeram sentir a partir dessa data.

E os trabalhadores que foram admitidos entre 10 de Janeiro de 1996 e 22 de Junho do mesmo ano, em que situação ficam? Sendo certo que entre estas datas, inúmeros serviços se viram forçados a recorrer a vinculações precárias, e que tal expediente continuou e continua a ser utilizado, como é reconhecido através do Decreto-Lei nº 103-A/97.

Se, por um lado, é inquestionável que o acesso ao exercício de função na Administração Pública deve, em regra ser precedida de concurso, não é, por outro lado, justo que pela inexistência desse requisito, cuja responsabilidade recai na esfera da administração, sejam penalizados por esse facto os trabalhadores.

Em segundo lugar, matérias há que foram discutidas em sede de negociação, e que deveriam merecer da parte do Governo uma melhor atenção, tanto mais que elas tinham sido objecto em sede de proposta de diploma que o Partido Socialista apresentou nesta Assembleia, na Legislatura passada.

Referimo-nos concretamente ao projecto de lei nº 264/VI, e ao seu artigo 12º, que sustentava uma solução para a regularização do emprego precário valorizando o recurso à figura do Contrato Administrativo de Provimento em detrimento do Contrato a Termo Certo.

Esta é outra das matérias que se pretende ver incluída no articulado da proposta de lei, ou seja, o contrato administrativo de provimento que deve ser aplicado a todo o pessoal que se encontra nas condições já aqui expressas, com dispensa de quaisquer formalidades, para ele criar a condição de agente, como foi reconhecido em anteriores diplomas, nomeadamente nos Dec.-Lei 427/89 e 407/91.

Quanto ao pessoal com vínculo no âmbito da Administração Local queremos desde já alertar que se tornará difícil aplicar ali estas matérias, na medida em que os encargos com o pessoal, cujo valor não pode ultrapassar 60% das despesas correntes, é obstáculo suficiente ao seu enquadramento.

Para isso, será necessário proceder à alteração do Decreto-Lei nº116/84, criando eventualmente uma norma transitória, que permita que os trabalhadores da Administração Local com vínculo precário, sejam integrados no quadro de pessoal, mesmo que as defesas com pessoal ultrapassem os 60% das despesas correntes, até que tais limites possam ser conseguidos pela saída de pessoal para a reforma.

Para além destas matérias, cujo teor e de oportunidade legislativa, carecem de uma séria abertura por parte do Governo para que sejam solucionadas, outras há que merecem idêntica reflexão e igual tratamento, pelo que o Grupo Parlamentar do PCP fez entrega na Mesa da Assembleia da República de propostas de alteração que consubstanciam aquilo que acabamos de afirmar, e esperamos que elas sejam aprovadas, no sentido de melhorar o conteúdo da proposta de lei e dar cumprimento às justas aspirações dos trabalhadores em situação precária.

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

A proposta de lei que debatemos no Plenário da Assembleia da República não deve ser, nem é, o terminus de um processo legislativo, sobre esta matéria.

É um passo significativo, mas o emprego público em Portugal, e as causas que têm conduzido à sua precarização, é uma matéria que deve merecer uma maior e mais profunda reflexão, em especial por parte do Governo, envolvendo as estruturas representativas dos trabalhadores e naturalmente a Assembleia da República.

 

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções