Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Autoriza o Governo a alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais e a aprovar um novo Código Fiscal do Investimento

(proposta de lei n.º 229/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Um primeiro aspeto que queremos sublinhar resulta da constatação do destino dos apoios públicos que ao longo dos anos têm sido atribuídos a empresas multinacionais, estrangeiras e nacionais, para se estabelecerem em Portugal.
Neste sentido, a questão que colocamos é do relevo a dar à transparência destes processos de benefícios fiscais e outros, parafiscais, contributivos e em espécie, ao investimento.
Ao longo dos anos, o PCP questionou o Governo sobre as condições contratualizadas e a resposta do Governo foi sempre a mesma: as minutas, que não incluem os anexos, nem as condições concretas, nem os planos nem calendários de investimento.
E, depois, remete-nos o Sr. Secretário de Estado para o Portal das Finanças, para o «monte» indiferenciado dos apoios concedidos, que, aliás, de acordo com o próprio Tribunal de Contas, os números oficiais deixam de fora montantes substanciais (1045 milhões de euros para SGPS, omitidos da Conta Geral do Estado de 2012, por exemplo).
Ora, o certo é que, ao longo dos anos, várias empresas abandonaram estes investimentos, deslocaram-nos para outros países ou regiões, alargando o rasto do empobrecimento e do desemprego.
Este Governo anunciou diversos contratos de investimento com apoios e benefícios fiscais para grandes empresas, algumas das quais estão ligadas a processos de deslocalizações e encerramentos que no passado recente deixaram marcas profundas no desemprego e no empobrecimento das regiões.
Nós perguntamos: em que termos são feitos estes negócios? Quais as consequências para os grupos económicos que têm estas práticas?
O Governo aponta para a manutenção da norma segundo a qual as empresas poderão beneficiar de créditos e descontos fiscais por 10 anos, após a conclusão do investimento. No entanto, as empresas apenas têm a obrigação de manter a sua atividade por cinco anos, no caso de serem grandes empresas, ou por três anos, nos restantes casos (sendo esta última uma novidade desta proposta do Governo).
Por outro lado, no conjunto das obrigações para a elegibilidade dos investimentos a contratualizar, não existe qualquer condição que implique o cumprimento da contratação coletiva, da defesa do emprego estável e com direitos, que exclua práticas de salários em atraso, ou despedimentos coletivos, ou precarização de vínculos, assim como não existe qualquer condição sobre a pertença a grupo económico e financeiro que tenha sede ou delegação em offshore ou país do espaço europeu com regime fiscal mais favorável.
De resto, com esta proposta do Governo, o Código, na esmagadora maioria dos casos, continua a tratar de forma igual o que é manifestamente diferente.
Independentemente do que se possa negociar caso a caso, o que é inegável é que o poder negocial e a capacidade económica de uma grande empresa não é comparável com a realidade de uma micro ou pequena empresa.
Deve haver, portanto, um regime que considere, de forma correta e adequada, a especificidade e a diferença do universo destas micro e pequenas empresas.
Por fim, não podemos permitir que, estando o novo Código Fiscal do Investimento em discussão para ser aprovado nesta autorização legislativa ao Governo, não se inclua uma norma que obrigue à publicação dos termos, planos e calendários de investimento e de implementação do acordado e os benefícios e montantes totais, concretos, dos apoios públicos contratualizados nestes processos.
Estas são matérias muito concretas, Srs. Deputados. Queriam conteúdo? Aqui está ele.
Estas são matérias que devemos ter em conta no processo legislativo, com a dignidade do processo legislativo e não com uma conversa, um dia destes, com um membro do Governo ou uma caixa de sugestões que o Governo apresente à porta.
Srs. Deputados, o PCP apresenta um requerimento para que, durante uma semana — uma semana! —, esta proposta seja discutida na especialidade, no tal cheque que vamos preencher, no sentido e extensão da autorização legislativa. Pelo menos, isto, Srs. Deputados! E é evidente que, mesmo com a pressa que os senhores têm, uma semana não é demais para podermos trabalhar nas soluções concretas do cheque que vai ser preenchido.
Nós bem vemos que o parceiro preferencial da maioria e do Governo é o PS e que os senhores bem gostariam de fechar este debate com os partidos do «arco da dívida», mas democracia é não ter medo do debate, é não ter medo das propostas concretas, Srs. Deputados.
É este o desafio que o PCP vos apresenta.

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