Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, As opções políticas dos sucessivos governos têm sido, em matéria de economia e do sector empresarial do Estado, subordinados a um supremo objectivo: privatizar. Assim se tem vindo a entregar aos interesses privados sectores fundamentais para o País, como as telecomunicações, a energia eléctrica, os transportes, os combustíveis, a água ou a gestão de resíduos.Aquilo a que ao longo de anos temos vindo a assistir – e pela nossa parte, a denunciar – é a degradação da qualidade do serviço público, é o aumento dos preços, são as populações penalizadas a favor da busca do lucro máximo.É este o quadro que tem vindo a colocar-se perante nós, quando o Estado se demite da sua responsabilidade, privatiza sectores estratégicos e nem sequer intervém na efectiva fiscalização e controlo da prestação dos serviços públicos. Aliás, é a própria lógica de serviço público que tem vindo a dar lugar à lógica do máximo lucro privado, quando a suposta “livre concorrência” entre serviço público e interesses privados assenta em pontos de partida e objectivos intrinsecamente contraditórios.É justamente neste quadro de opções liberalizadoras e privatizadoras – e não noutro – que se coloca a questão da regulação dos mercados. É a regulação como componente, como meio, para a liberalização. No fundo, trata-se de liberalizar com mais “eficácia”.Ora, para o PCP, a questão de fundo é a de serem estas opções políticas pela privatização da economia a raiz mais profunda do problema maior do ataque ao serviço público. Enquanto não questionarmos a raiz do problema, não será certamente pela via da regulação que a questão estrutural terá resposta.Entretanto, temos agora em discussão um projecto de Lei-Quadro sobre “autoridades reguladoras independentes”, apresentado pelo Partido Socialista – o mesmo Partido Socialista, diga-se, que pede meças à direita no seu currículo de privatizações!Estamos perante um diploma que no essencial consagra as linhas orientadoras para a criação e intervenção destas autoridades, procurando no fundo reunir numa Lei-Quadro as bases do que hoje se encontra em legislação específica, como é o caso da que criou entidades reguladoras como a Autoridade Nacional de Comunicações, ou a Entidade Reguladora do Sistema Energético, entre outras.Quanto a este aspecto, e como questão prévia, é de lamentar que esta produção legislativa em matéria de regulação, por exemplo no sector da distribuição de energia eléctrica, não se tenha traduzido na efectiva defesa dos direitos e interesses da população. É por isso que fica a dúvida quanto à real eficácia de se legislar mais sobre esta matéria, se depois na prática a mantemos isolada ou descontextualizada.Por outro lado, surgem desde logo três interrogações na discussão deste diploma: quanto à independência, quanto à representatividade e quanto às atribuições destas entidades.Em primeiro lugar, os principais defensores deste modelo de regulação, no âmbito deste enquadramento económico, apontam como uma das grandes preocupações um afastamento formal, institucional, de funcionamento, face ao estado e ao poder político. Veja-se a esse propósito a Declaração resultante do Fórum de Condeixa, no passado mês de Outubro.Esta preocupação, e a forma como ela surge, é reveladora da consideração em que se baseia: de que o estado é um empresário que é preciso arredar da intervenção no mercado pela via política.Aliás, veja-se a este propósito a recente polémica que envolveu a EDP, a ERSE e o Governo: quando a entidade reguladora procurou travar os propósitos da EDP, de aumentar de forma pouco razoável os preços da electricidade, o interesse accionista acabou por prevalecer, com o Governo a pressionar a ERSE para que os preços acabassem por subir.O que este diploma do PS nos vem propor (aliás, na senda do que na prática tem vindo a acontecer) é que o Governo designe as pessoas que vão dirigir estas autoridades, e depois se afaste formalmente da fiscalização e do controlo dos serviços públicos em causa.Mas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a questão de fundo que nós colocamos, e que não é cabalmente respondida neste projecto, tem a ver com a independência real e efectiva destas entidades reguladoras, face ao poder económico e aos interesses privados.O que a actual situação nos demonstra é que essa indispensável independência não é garantida efectivamente. E levantam-se legítimas preocupações quanto à transparência e à defesa do interesse público quando, por exemplo, o presidente do organismo de supervisão que fiscaliza a actividade das seguradoras e dos fundos de pensões é, simultaneamente, o presidente de uma associação que defende os interesses económicos das seguradoras e dos bancos!É tendo em conta situações como esta que consideramos naturalmente importante a definição e o cumprimento de um regime de incompatibilidades, que inclusivamente se prolongue para além do estrito exercício de funções. Mas não é menos importante definir e verificar quem fiscaliza, que limitações estão subjacentes, qual é a eficácia e as consequências da determinação de incompatibilidades. Um intervalo de dois anos entre a actividade de regulador e de regulado, só por si, acaba por não resolver o problema essencial.Em segundo lugar, uma autoridade reguladora tem que ter uma estrutura participada e representativa. E não pode deixar de contar, designadamente, com a participação das organizações dos utentes e dos trabalhadores. Ora, se o projecto do PS prevê a representação dos consumidores, já quanto aos trabalhadores nem uma palavra é dita. Mantém-se a porta (já hoje) fechada à sua participação.Não existe uma referência explícita, aliás, à própria questão da proporcionalidade na composição dos conselhos consultivos. Pelo que fica a dúvida quanto às maiorias que se possam formar nos processos de decisão naquele órgão.Terceira e última questão: sendo a fixação de preços e tarifas uma importantíssima atribuição destas entidades reguladoras, como será desenvolvido este processo? Qual será o órgão competente para se pronunciar sobre esta matéria? Não existindo um conselho tarifário, não estando esta competência especificamente atribuída a qualquer dos órgãos das autoridades reguladoras, subsiste a dúvida sobre quem irá ter a última palavra na definição dos tarifários.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Para o PCP, é fundamental concretizar uma rigorosa fiscalização no controlo e regulação dos serviços públicos actualmente geridos ou concessionados a entidades privadas. E estes mecanismos de regulação têm que garantir independência face aos poderes económicos das empresas.Só assim se poderá propiciar uma adequada fiscalização; assegurar uma gestão transparente, de acordo com as necessidades dos utentes e das populações; e assegurar o respeito pelos direitos dos trabalhadores, as suas carreiras profissionais, a sua formação, as suas condições de trabalho.Esta é para nós uma questão essencial. Mas não podemos, repito, ignorar o problema de fundo que é o das consequências das opções políticas pela privatização dos sectores estratégicos fundamentais do nosso País.Enquanto se mantiver essa linha de rumo, Portugal continuará a remeter para segundo plano o interesse público, e a subordinar-se ao poder económico. E aí não há regulação que nos valha.