Intervenção

Autoridades metropolitanas de transportes - Intervenção de José Soeiro na AR

Alteração do regime jurídico das autoridades metropolitanas de transportes

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

As autoridades metropolitanas de transportes voltam hoje a esta Câmara, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, com a consciência da importância que as mesmas têm para o bem-estar de milhões e milhões de portugueses que, no dia-a-dia, sofrem o caos existente nos transportes, sobretudo nas grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Fazemo-lo com a consciência de que, com este projecto de lei, podemos contribuir para, mais uma vez, se registar alguma evolução num processo que se arrasta há 16 anos, desde a consagração das autoridades metropolitanas de transportes e da Lei de Bases de Transportes Terrestres, nos debates que tiveram lugar nesta Câmara e que conduziram a iniciativas legislativas que, em nosso entender, não correspondem àquilo que é hoje imperioso dar a estas mesmas autoridades metropolitanas de transportes.

Basta olhar para a realidade que temos para compreendermos, facilmente, que o caminho que estamos a percorrer não é aquele que vai ao encontro daquilo que todas as bancadas, de uma maneira geral, inserem no seu discurso político. Isto porque falar de autoridades metropolitanas de transportes é falar de várias vertentes.

Desde logo, é falar de um direito inalienável, o direito à mobilidade, que é visto não em termos do conceito de mobilidade do passado, em que se tinha como quase exclusiva preocupação a deslocação casa/trabalho e trabalho/casa, mas de uma forma mais ampla, de que a mobilidade não deve ser apenas pendular - para deslocações entre casa e trabalho ou escola -, deve garantir aos cidadãos o acesso a outros direitos, como sejam o direito à cultura ou ao desporto.

É também falar de questões sociais, pois tem a ver com a vida de milhões de portuguesas e portugueses que todos os dias são obrigados a recorrer ao transporte para chegar ao seu local de trabalho, levar os seus filhos à creche, ao infantário, ou mesmo, no exercício das suas funções, se deslocarem, várias vezes, nas áreas metropolitanas.

É ainda falar de um problema ambiental, que todos conhecemos e que, em nosso entender, claramente, não tem tido resposta positiva nas soluções até hoje apresentadas. Basta ver que os portugueses e as portuguesas recorrem cada vez mais à viatura própria e que os transportes públicos perdem peso em relação a esta opção. É um problema que, como todos reconhecemos, tem custos enormes para a nossa economia, pelos combustíveis que somos obrigados a gastar, que importamos e que, naturalmente, pesam, e muito, na nossa balança de pagamentos.

É também falar de um problema de saúde, não apenas pelos efeitos que resultam do stress acumulado nas horas em filas de espera para atingir os locais de destino mas, igualmente, pelos impactes das emissões de carbono na vida das pessoas.

É ainda falar dos inúmeros acidentes que, diariamente, se verificam, dado o tráfego intenso nas estradas de acesso às áreas metropolitanas.

É falar, igualmente, de um problema de economia, porque são milhares e milhares ou milhões de horas de trabalho que se perdem nestas intermináveis filas de espera.

Naturalmente, em termos de discurso geral, todos estamos de acordo. Todos somos capazes de invocar este conjunto de ideias e acrescentar-lhe, depois, aquilo que é necessário fazer: a intermodalidade, as interfaces, a frequência das carreiras, a melhoria dos transportes, a segurança, a comodidade.

Mas o que temos, Srs. Deputados, não é nada daquilo que no discurso vamos acumulando de ano para ano.

Pensamos que, 16 anos depois, se impõe uma reflexão aprofundada sobre esta matéria, sobre as autoridades metropolitanas de transportes que não temos e de que o País necessita, de que os portugueses necessitam.

Neste sentido, o projecto que apresentamos difere substantivamente daquilo que é a legislação até hoje aprovada. Desde logo, retomamos a figura de pessoa colectiva de direito público, pondo termo às tentativas de fazer passar as autoridades, primeiro, como institutos e, actualmente, como empresas públicas, com o resultado que está à vista: não temos autoridades metropolitanas de transportes!

Propomos uma alteração substantiva, no que diz respeito à estrutura da direcção: transformar o conselho geral num órgão que efectivamente decide em matéria de transportes, um órgão onde o poder local tenha o papel que deveria ter sempre, o de ser a força determinante nestas autoridades, porque ninguém melhor do que as autarquias está em condições de falar da mobilidade de que carecem os respectivos territórios.

Ninguém melhor do que as autarquias pode ter a consciência dos dramas que se vivem hoje para conseguir fugir ao recurso à viatura própria e ao problema dramático de encontrar onde colocá-la quando se atinge o destino. Neste sentido, propomos que o conselho geral seja de facto o órgão superior das autoridades metropolitanas de transportes e que as autarquias tenham um papel preponderante no mesmo.

Já conhecemos os argumentos contra: quem paga é que deve mandar. Mas quem paga o quê?!

Quem paga são os contribuintes! Quem paga são as portuguesas e os portugueses! Portanto, o Governo não faz favor algum se inserir no Orçamento do Estado as verbas necessárias para que estas autoridades cumpram as suas funções. É o dinheiro dos portugueses que está em jogo e as autarquias não são uma qualquer direcção-geral do Governo, como há tendência a tratá-las por vezes - e esta Assembleia tem particular responsabilidade no que diz respeito à forma como se distribuem os dinheiros dos nossos impostos.

Deixamos, portanto, avançada esta ideia: é preciso pôr cobro ao subfinanciamento que caracteriza hoje o investimento em transportes públicos. É preciso pôr cobro aos investimentos que são feitos não para melhorar os transportes públicos, não para resolver os problemas das portuguesas e dos portugueses, mas para criar centros de negócios, privatizando os segmentos mais rentáveis e deixando na posse do Estado, das empresas públicas de transportes, aqueles que têm custos acrescidos para os impostos de todos nós.

Se isto for alterado, ganharão os portugueses, ganhará o País. Neste sentido, pensamos que o projecto de lei que hoje apresentamos coloca a necessidade de um debate aprofundado nesta Câmara, um debate a que sempre se fugiu no passado a pretexto de autorizações legislativas, impedindo assim que houvesse esse espaço necessário na Assembleia da República, órgão que, por direito próprio, pode e deve discutir este problema que afecta a vida de tantos e tantos portuguesas e portugueses.

Por isso, colocamos também como centro deste debate a questão dos preços dos transportes públicos, porque eles também estão na origem do abandono crescente por parte das pessoas e do recurso cada vez maior ao transporte próprio.

Não é aumentando como se aumenta os transportes públicos (e estes já aumentaram cinco vezes, um aumento que atinge cerca de 13% desde a entrada em funções deste Governo) que vamos convencer os portugueses de que a melhor opção é o uso do autocarro, do metropolitano, do barco, como forma de se movimentarem. Por este caminho não vamos lá!

Por isso dizemos que é preciso retomar o passe social como instrumento essencial da mobilidade nos grandes centros urbanos. É preciso um passe que assegure efectivamente o acesso a todos os meios de transporte e, inclusivamente, o parqueamento dos automóveis dos utentes que não podem resolver o problema da proximidade e que por isso são obrigados a recorrer a eles.

Portanto, o tipo de políticas de que precisamos não está a ser praticado e entendemos que se impõe alterar radicalmente esta situação.

Daí que o desafio que fazemos seja sobretudo para a bancada da maioria socialista, porque o Partido Socialista, nesta matéria, tem fugido a apresentar projectos de lei próprios. Ouvimos dizer que o Sr. Ministro vai apresentar qualquer coisa à Assembleia. Mas o quê?! São novos modos de aumentar os preços dos transportes de forma automática, quando sobem os combustíveis, mas que, depois, não descem de forma automática quando os mesmos descem? É para continuar a privatizar os segmentos mais rentáveis dos transportes públicos, como já anunciou? É para continuar a degradar cada vez mais os transportes públicos, reduzindo carreiras, como aconteceu em Lisboa e no Porto? É para reduzir frequências e a retirar carreiras, isolando cada vez mais as populações?

É para continuar a manter o desordenamento do território com novas urbanizações que não assentam numa lógica territorial, mas fundamentalmente na especulação imobiliária?

Se é este o caminho, então daqui por uns tempos voltaremos a discutir este problema com um quadro ainda pior do que aquele que já hoje temos.

É para evitar isto que apresentámos este projecto de lei e que desafiamos o Partido Socialista a votar favoravelmente este diploma.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Quero apenas referir dois ou três aspectos que consideramos particularmente preocupantes no discurso do Partido Socialista.

Ouvindo o PS, o bem-estar dos portugueses deve ser medido exclusivamente pelos custos, e esta visão leva a que os serviços públicos, chamem-se eles transportes, saúde, educação ou cultura, sejam todos eles um custo.

Nesta medida, esquecemo-nos do aspecto essencial: os impostos dos portugueses servem precisamente para cobrir estes custos.

E esquecemo-nos de meter na balança de pagamentos os ganhos, que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações traz à colação quando quer justificar o investimento, na nossa opinião fora de tempo, num TGV Lisboa/Porto. Aí há ganhos ambientais; há ganhos em termos de emissão de CO2; há ganhos em vidas; há ganhos em tudo!... Aqui, que se trata de resolver o problema de milhões de cidadãos que vivem, no dia-a-dia, o inferno de chegar ao seu posto de trabalho, do retorno à sua casa, de levar os filhos ao infantário ou à escola, não há ganhos, é só prejuízo!

Esta visão, Sr.as e Srs. Deputados, conduz-nos, na verdade, por muitos maus caminhos, como a vida mostra. Não se trata de teorizar mas, sim, de olhar para a realidade, de olhar para os autocarros da Carris e ver as pessoas, nas horas de ponta, espalmadas contra os vidros, sem o mínimo de condições de comodidade, de segurança. Isto não conta?! Para o PS isto é o quê? O que é este modo de vida das pessoas nas cidades hoje? O que é olhar para o metropolitano atafulhado nas horas de ponta? Isto não conta?! O critério de avaliação é apenas os cifrões?! Nada mais conta para o Partido Socialista?!

Não, é a conclusão do discurso que os senhores fazem!

Falamos dos órgãos deliberativos. Os representantes dos trabalhadores não têm uma palavra a dizer nesta matéria? Os representantes dos utentes não têm uma palavra a dizer? As autarquias são apenas avaliadas pelo contributo que dão?

Façam-se as transferências do Orçamento do Estado, porque é daí que devem sair as verbas para garantir a mobilidade sustentável de que precisamos.

E assim teremos, na verdade, mais e melhor qualidade de vida para todos os portugueses.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua compreensão.

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