Intervenção de

Aumento intercalar do salário mínimo nacional<br />Intervenção de Jerónimo de Sousa

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados Recentemente teve grande impacto público o anúncio das estatísticas que revelam o facto de em Portugal haver centenas de milhares de pobres. Admito que a esmagadora maioria dos deputados desta Assembleia tivessem um sobressalto de consciência, incluindo os ardorosos defensores do sistema, as boas almas sempre prontas a estender a caridade aos que na sua opinião tiveram o azar de serem vítimas dos danos colaterais das leis do mercado, os democratas com consciência social sempre prontos a atender e a denunciar as consequências das políticas que estruturam a exploração mas que calam e fogem como o diabo da cruz em ir ao fundo das causas que engendram essa exploração e essa pobreza. Falamos hoje aqui, não do clássico pobre, miserável, excluído e marginalizado da sociedade. Do que falamos é dos que trabalham, empobrecendo. Dos que trabalham e ao fim do mês levam para casa 365,6 euros, menos os descontos obrigados por Lei, porventura compensados por algum biscate ou hora extra. Não se preocupem, Senhores Deputados. Esta iniciativa do PCP para recomendar ao Governo um aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional, este projecto de resolução, impedido de ser projecto de lei porque a vigilante maioria achou que podia bulir com a Lei travão e com os comandos constitucionais da Lei Orçamental, possivelmente não será notícia. Mas para nós, comunistas, achamos que vale a pena, não só por se tratar de um compromisso eleitoral , mas de uma medida política e juridicamente possível, economicamente sustentável e socialmente justa. O Salário Mínimo Nacional, criado e decretado em 1974 no valor de 3.300 escudos, beneficiou então cerca de 50 por cento da população activa. Tal valor equivale hoje a um poder de compra bastante superior a 500 euros, (ou 100 contos, se quisermos). No entanto, o Salário Mínimo Nacional é apenas de 365,6 euros ou, se quisermos, de 73 contos e duzentos escudos. No ano 2000, o Salário Mínimo Nacional constituía 51,8% do salário médio quando no ano de 1990 representava 59,4% numa clara demonstração de que as desigualdades salariais se têm vindo a agravar. Que grande oportunidade para lembrar as bancadas de maioria e do PS que na propaganda dos méritos de adesão e integração na União Europeia era referida até à exaustão não só a possibilidade mas a concretização dos salários dos trabalhadores portugueses serem aproximados à média dos salários dos restantes trabalhadores da União Europeia. O fosso existente, que tem vindo a ser acentuado ao nível do Salário Mínimo Nacional, devia obrigar-nos a pedir desculpa, se não digo pela mentira, pelo menos pelo engano induzido. Má sorte? Não! Os mais ricos aqui estão ao nível dos ricos da Europa. Encontramos na injusta repartição do rendimento nacional a causa mais funda. A evolução de riqueza material do país medida pelo PIB tem-se traduzido por uma apropriação predominantemente a favor dos lucros de empresas e do capital financeiro, dos ganhos de produtividade da economia, em prejuízo dos rendimentos do trabalho. Haverá exemplo mais eloquente do que aquele da zona do Vale do Ave que concentra a maior colecção de Ferraris da Europa (dos patrões, claro) e o maior número de trabalhadores com um rendimento mensal de 365,6 euros? Senhor Presidente Senhores Deputados Ao longo dos últimos anos, especialmente em 2003, a inflação e os preços dos bens essenciais aumentaram muito acima dos aumentos nominais dos salários o que se traduziu numa acentuada diminuição real dos salários. Este projecto de Resolução do PCP que se propõe que a Assembleia da República recomenda ao Governo para proceder a um aumento intercalar do valor da retribuição mínima mensal previsto no Decreto-Lei 19/2004 a aplicar a partir de 1 de Julho de 2004 e em que o valor de retribuição mínima resultante desse aumento não seja inferior ao limite máximo da previsão do Banco de Portugal para o índice de preços ao consumidor, acrescido de 3 pontos percentuais, tem uma grande actualidade mas nem sequer é um precedente. Em 1989 o Governo do PSD procedeu a uma actualização intercalar do Salário Mínimo Nacional através do Decreto-Lei 242/89, de 4 de Agosto, porque se entendeu, então, ser necessário salvaguardar o poder de compra dos trabalhadores numa situação de agravamento de crise. Se quisermos uma outra comparação, em Espanha onde o Salário Mínimo Nacional é de longe superior ao de Portugal, o Governo aprovou recentemente um aumento de 6,6% a vigorar desde 1 de Junho assumindo o compromisso de até ao fim da legislatura elevar o valor do Salário Mínimo até aos 600 euros. Senhor Presidente Senhores Deputados O Partido Comunista Português tem a exacta medida do alcance desta proposta. Mais importante será desbloquear a contratação colectiva em que salvo algumas excepções, há uma orientação geral das associações patronais para o seu bloqueamento valendo-se da sua interpretação do Código Laboral PSD/CDS-PP. Importante seria travar o insuportável aumento do custo de vida, particularmente dos bens e serviços essenciais, fundamental seria uma outra política na repartição do rendimento nacional. Mas o mérito desta iniciativa é fazer mais justiça social, é impedir que o Governo por detrás da propaganda de aproximação das reformas mínimas ao Salário Mínimo Nacional não vá aproximando o Salário Mínimo às reformas mínimas engrossando o número de pobres com aqueles que trabalham levando para a sua família um salário que não é comportável com uma vida mais digna. E tem, Senhor Presidente e Senhores Deputados, um outro significado! O Projecto de Resolução tem como objectivo inverter a tendência da desvalorização do Salário Mínimo Nacional, dignificá-lo. Quando nas campanhas eleitorais somos confrontados com os desabafos singelos e amargos do género “vivessem vocês uns meses com o salário mínimo e logo perceberiam”!, quando se fala tanto da necessidade de dignificar os deputados e o Parlamento ou aqui está uma possibilidade de fazer. Aceite esta Assembleia este Projecto e este desafio! Disse.

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