Senhor Presidente, Senhores Deputados,
No comunicado do Conselho de Ministros de 18 de Novembro passado, onde foram anunciados os novos valores do salário mínimo nacional, sublinhava-se a sua importância - e cito - "não tanto pelo número de trabalhadores cuja retribuição beneficia daquela garantia mínima mas, sobretudo, porque o valor do salário mínimo nacional continua a ser utilizado como critério de referência para muitas prestações, não só de ordem salarial mas também de natureza social".
Sendo verdadeira a segunda parte da frase já não o é a referência desvalorizadora ao número de trabalhadores abrangidos. De acordo com os próprios dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade é de 6,2% a percentagem de trabalhadores pagos com o SMN em relação ao total dos trabalhadores assalariados. Logo, cerca de 200.000. Contudo, este valor sobe para 10% na indústria de madeira e cortiça, 12,1% na indústria de mobiliário, 14,2% no vestuário, quase 20% na restauração. As mulheres representam quase 60% do total dos trabalhadores que recebem salário mínimo. Há mesmo sectores de actividade onde o número de trabalhadores pagos pelos mínimos tem vindo a aumentar. E importa lembrar que o índice 100 dos trabalhadores da administração pública ainda está abaixo do SMN. E que ainda há muitos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que são publicados com remunerações abaixo do salário mínimo.
È, pois, inegável a importância do SMN. E, sobretudo, porque este mínimo de retribuição deve corresponder - para citar a Carta Social Europeia - "ao direito dos trabalhadores a uma remuneração suficiente para lhes assegurar, assim como à sua família, um nível de vida decente". Além do mais a sua existência e o seu valor são imprescindíveis para evitar que o conjunto das grelhas salariais se degradem, constituem uma alavanca para uma maior inserção na vida activa, são um insubstituível instrumento do combate à pobreza e à exclusão social. Sendo o aumento do nível dos salários condição necessária à melhoria do nível de vida e ao combate às desigualdades ele é também, pelo alargamento da base dos rendimentos, o melhor instrumento para a dinamização da vida económica ao proporcionar um nível mais elevado de consumo.
Nós sabemos que há quem se oponha não somente a um aumento digno do SMN mas à sua própria existência. Ainda recentemente a CIP teve a ousadia de se pronunciar sobre a eliminação do salário mínimo. Veremos se alguém, neste debate, é capaz de se assumir como porta voz de posições tão fundamentalistas. Aliás as experiências dos EUA do Sr. Reagan e do Reino Unido da Sra. Tatcher são elucidativas do caminho a que conduziria a inexistência de um mínimo de retribuição. Degradação geral dos salários, mesmo ao nível dos salários de topo pelo efeito de abaixamento geral provocado pelo desaparecimento da base, aumento em flecha das situações de pobreza e exclusão social, diminuição dos níveis de produtividade da economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Os critérios que sucessivos Governos têm anunciado para a definição dos valores do SMN - aliás de acordo com as convenções da OIT - assentam no objectivo da sua progressão ser "superior à evolução média dos salários". Mas em Portugal não é isso que tem acontecido. Pelo contrário, o que se tem verificado é o alargamento do fosso. Se em 1981 o salário mínimo representava 67,7% do salário médio, em 1996 já representava tão somente 52%, desfasamento que prosseguiu nos anos seguintes. Em 1997 o aumento do SMN foi de 3,8% e o salário médio (em termos de ganhos médios efectivos) progrediu 5,1%. Em 1998 o aumento do salário mínimo foi de 3,9% e o incremento médio dos salários foi de 4,7%. Para 1999 a relação é, respectivamente, de 4,1% do aumento do SMN para 4,9% dos aumentos salariais médios previstos. Se se fizer a leitura comparada com a evolução da produtividade do trabalho a conclusão é idêntica: os aumentos reais do SMN são sempre inferiores às taxas de crescimento anuais da produtividade. O anúncio recente dos aumentos para 2000 mantém a tendência para uma desigual distribuição do rendimento, em proveito do capital. Para uma inflação prevista de 2,3% e uma produtividade esperada de 2,8% (ou de 3% se considerarmos o cenário do PDR), num total de 5,1% o Governo fica-se por um aumento de 4,1%.
A desvalorização que o salário mínimo tem sofrido atira os trabalhadores portugueses para o escalão mais baixo da União Europeia, para um escalão inaceitavelmente baixo. É a diferença que vai dos 61.300$00 (1999) em Portugal para os 83.465$00 em Espanha, os 90.636$00 na Grécia, os 83.465$00 em Espanha, os 192.011$00 na Irlanda, os 210.327$00 em França ou os 234.156$00 no Luxemburgo. É a diferença que vai entre os discursos cheios de palavras sobre a convergência com a Europa e a realidade da distância, em resultado de políticas que têm privilegiado em primeiro lugar os interesses do capital e que têm conduzido a um agravamento das desigualdades sociais em Portugal. Ontem com o PSD. Hoje com o PS.
A cumprirem-se as orientações do Conselho da Europa, decorrentes da Carta Social Europeia que Portugal ratificou e incorporou na sua ordem jurídica interna, e que aponta para uma relação entre o salário mínimo e o salário médio de 60%, então isso atirar-nos-ia para valores da ordem dos 66.840$00, considerando - de acordo com o Eurostat (dados de 1995) - um valor de salário médio da ordem dos 111.400$00.
Em suma, seja qual for o ângulo de apreciação, o valor do salário mínimo nacional é intoleravelmente baixo, em termos absolutos e relativos, sendo justa uma actualização do seu valor e dos critérios para o seu aumento, aumento que a economia portuguesa está em plenas condições de suportar. Portugal é o País da União Europeia onde a distribuição do rendimento é mais desequilibrada. Mas é também um País onde o Governo anuncia permanentes sintomas de boa saúde na economia. O PIB a crescer anualmente na ordem dos 3,5% até 2006 (de acordo com o PNDES). Os salário reais a crescerem 3,5% no mesmo período (considerando que o Governo afirma que o aumento dos salários reais devem acompanhar o incremento do nível geral de vida e este está previsto no PNDES para a ordem dos 3,5%). Acresce que não colhem argumentos visando limitar os aumentos por razões de competitividade visto que Portugal é também o País onde os custos unitários de trabalho mais têm diminuído em termos reais.
Neste quadro há toda a margem para a proposta, simples, que o PCP apresenta hoje, no Projecto de Lei que debatemos. Que o aumento anual do salário mínimo não possa "ser inferior à taxa de inflação prevista para esse ano acrescida, pelo menos, de três pontos percentuais". A ser adoptada a nossa proposta tal permitirá que no final de quatro anos da legislatura o valor do salário mínimo nacional atinja um valor não inferior a 75.000$00. Em boa verdade esta proposta está ainda abaixo de valores que se justificariam por razões de justiça social. Mas ninguém, seguramente, contestará que é uma proposta claramente sustentável e acomodável aos valores macro-económicos previstos para a economia portuguesa.
Alguns perguntarão porque avançamos com este projecto de lei antes de ser submetido a debate público, como determina a lei. É evidente que nós não abdicamos da apreciação pública do nosso projecto. Mas o facto do Governo já ter decidido sobre o valor do salário mínimo para 2000 justifica que, em matéria tão importante do ponto de vista social, a Assembleia desde já faça ouvir a sua voz mesmo que a votação na generalidade só se realize depois do período previsto para a audição das organizações interessadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
A instituição do SMN é, seguramente, uma das marcas da revolução do 25 de Abril que a história social do nosso País para sempre registará. Instituído em 27 de Maio de 1974 - um mês e dois dias depois do 25 de Abril - marcou uma ruptura com a marginalização e discriminação a que eram votados os direitos e a dignidade dos trabalhadores. A melhor forma de comemorarmos um quarto de século da instituição do Salário Mínimo em Portugal é definirmos novos critérios para a sua actualização que permitam que o mínimo salarial no nosso País progrida para níveis socialmente justos e aceitáveis. É o mínimo que se exige a esta Assembleia, que contribua para uma distribuição mais justa da riqueza em Portugal. E é a pedra de toque para aferir da coerência dos que afirmam governar com sensibilidade social. Veremos.