Audição sobre a Administração Pública

Áudio

Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
 
A Audição que aqui decorreu, inserida na Campanha Nacional “Com o PCP - lutar contra as injustiças, exigir uma vida melhor” e tendo como preocupação imediata a nossa intervenção no âmbito da discussão do Orçamento de Estado para 2010, foi um importante contributo para aferir da actual ofensiva contra os trabalhadores da Administração Pública e as funções sociais do Estado, mas também das medidas e formas de a contrariar.

Antes de mais, gostaria de agradecer a contribuição de todos os que aqui estiveram connosco e que, com a sua experiência e conhecimento concreto da realidade da Administração Pública portuguesa, vieram enriquecer o nosso conhecimento para uma melhor e mais exigente intervenção em sua defesa, dos seus trabalhadores e dos serviços públicos que uma Administração Democrática deve garantir para servir as populações.

Está hoje muito claro que a campanha de diabolização da Administração Pública, dos seus serviços e dos seus trabalhadores, que a direita há muito vem desenvolvendo e que conheceu com os governos do PS de José Sócrates uma nova dimensão, tem como principal objectivo a alienação das principais funções económicas e sociais do Estado e a sua reconfiguração num sentido neoliberal.

Trata-se de uma ofensiva global sem precedentes que continua em desenvolvimento e atinge todos os sectores da Administração Pública, da Saúde à Educação, da Segurança Social à Justiça, das Forças Armadas às Forças de Segurança e aos transportes. São, cada vez mais, partes da Administração e com ela dos respectivos serviços que estão a ser pensados e, alguns já transformados, em objecto de negócio do grande capital.

Uma ofensiva cujo ritmo e profundidade de implementação têm sido parcialmente contidos graças às grandes lutas que os trabalhadores da Administração Pública têm vindo a travar, mas também das próprias populações, muito particularmente em defesa dos serviços públicos de saúde.

Grandes lutas que ficarão como marcos da luta dos trabalhadores portugueses neste início do novo século, como foram as grandes manifestações conjuntas da Administração Pública Central e Local, dos professores, dos enfermeiros e de outros segmentos dos trabalhadores da Função Pública. Lutas que tiveram que responder a um poderoso e concertado ataque aos direitos mais elementares dos trabalhadores da Administração Pública, alguns dos quais foram postos em causa ou severamente fustigados.

Ataque apoiado pelos círculos nacionais e europeus do grande capital e seus arautos que, a pensar na privatização e liberalização dos serviços públicos, tem utilizado todos os seus poderosos recursos na manipulação da informação e da opinião pública para infamar não só o trabalho do funcionário público, como desacreditar as suas organizações, a sua luta e o seu quadro de direitos laborais e sociais, estigmatizados inadmissivelmente como abusivos direitos corporativos.

E hoje pode afirmar-se que, quando promoveu a divisão entre trabalhadores da Administração Pública e do sector privado, puxando para baixo os direitos dos trabalhadores da Administração Pública em nome dum equilíbrio mais justo, era uma manobra de diversão! Tanto puxa para baixo os direitos duns como doutros, seja por lei seja por medidas concretas!

Os governos do PS têm assumido um papel destacado nesse ataque. O primeiro com a sua chamada reforma da Administração Pública, agora o segundo, no seguimento das medidas anteriores, retoma a mesma direcção no ataque quer aos rendimentos dos trabalhadores, quer aos seus direitos.

Tem sido uma autêntica cruzada que prosseguiu não só o congelamento dos salários dos governos dos partidos da direita, como desencadeou sucessivas e articuladas iniciativas de fragilização dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, dos direitos dos trabalhadores. Foi assim com o PRACE que levou ao encerramento de um vasto número de serviços, a que se seguiu o chamado plano de “racionalização dos efectivos” e o “regime de mobilidade”, a antecâmara dos despedimentos. Foi assim também com o Sistema de Avaliação de Desempenho, pensado essencialmente para destruir as carreiras profissionais, impor o arbítrio do sistema de quotas e a arbitrariedade nas relações laborais, mais do que uma qualquer avaliação séria do trabalho e dos serviços.

Uma cruzada que teve na Lei de vínculos, carreiras e remunerações um novo instrumento de remate de uma ofensiva que culmina na fragilização e destruição do vínculo público do emprego da grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública, na desregulação do horário de trabalho, na estabilidade do emprego e num regime de aposentação que penaliza gravemente os trabalhadores, com o agravamento das condições de aposentação e com o aumento da idade da reforma e das penalizações que conduzem à degradação do valor das reformas.

Medidas que têm como único sentido impor mais sacrifícios, sempre mais sacrifícios aos trabalhadores da Administração Pública. 

A pretexto do saneamento das contas públicas e de uma suposta superior eficácia de gestão privada que a actual crise do capitalismo e a evolução do modelo de desenvolvimento português põem em causa e desmentem, assistimos ao desenvolvimento de uma ofensiva ideológica contra tudo o que é público, na base da também falaciosa tese de que há Estado a mais e funcionários a mais, que está a pôr em causa a capacidade da Administração Pública como entidade prestadora de serviços, os direitos laborais dos trabalhadores e os direitos sociais da população.

Esta ofensiva, assente numa indecorosa manipulação da realidade e das causas do atraso do país, recrudesceu nestes últimos tempos, agora também com o adicional argumento da crise, como se a crise e o défice não fossem o resultado de uma desastrosa política que levou à destruição e secundarização do nosso aparelho produtivo, à contínua desindustrialização do país, à crescente substituição da produção nacional pela estrangeira em todos os sectores, à estagnação prolongada e à recessão que têm levado ao agravamento dos nossos défices crónicos e à fragilização e crescente dependência do país.
Nestes últimos três meses, à medida que avançavam os preparativos de elaboração do Orçamento de Estado para 2010 e se aproximava a data da sua apresentação pelo Governo, aumentavam as pressões dos grandes interesses que apresentam como principal saída da crise a desvalorização, o rebaixamento e a degradação das condições e remunerações do trabalho.

Seguindo à risca as receitas da ortodoxia neoliberal que insiste em equilibrar as contas públicas pela via do corte dos salários, das pensões e do investimento público, o Governo do PS apresenta uma proposta que aprofunda as desigualdades e injustiças sociais, congela o crescimento e o desenvolvimento e desfere um particular ataque às condições de vida e de trabalho da Administração Pública.

As bonitas palavras de José Sócrates e do PS de demarcação do projecto neoliberal no auge dos escândalos do sistema financeiro, levaram-nas o vento. O que Sócrates dizia há dois meses atrás, garantindo o investimento público, foi desmentido há três dias pelo Ministro das Finanças.

Na verdade com esta proposta de Orçamento, o Governo e a direita desencadeiam novo e violento ataque à Administração Pública e aos seus trabalhadores. O que está proposto é uma baixa real dos salários por via do congelamento, face à inflação, e pelo aumento dos descontos dos trabalhadores para a ADSE. Para além disso, impõem-se sérias condicionantes à negociação das carreiras. Quanto às aposentações, o Governo agrava ainda as condições já impostas aos trabalhadores, porque em relação às antecipações o Governo, negando a palavra dada e violando o seu próprio compromisso, antecipa as penalizações acrescidas que estavam legalmente previstas só para 2015. Mas também porque em relação às reformas sem antecipação, o Governo impõe uma nova fórmula de cálculo, a que acresce o factor de sustentabilidade de aplicação geral, que levará também a uma diminuição real da pensão.

Aumenta também a pressão sobre os postos de trabalho. O Governo é um criador líquido de desemprego com a destruição de postos de trabalho na Administração Pública, designadamente através da regra das duas saídas por cada entrada.

O país precisa de uma Administração Pública forte para garantir bons serviços públicos ao serviço da população. Não precisa desta política de destruição da Administração Pública. O país precisa de uma política que promova o emprego e não de uma política que promova o desemprego, que continua a crescer batendo sucessivos recordes, como aconteceu neste último mês de Janeiro. Um novo salto para uma taxa de desemprego de 10,5% de acordo com a Eurostat e ontem divulgada.

Um Orçamento que trás de volta as privatizações. São quase mil milhões de euros a obter só em 2010, perspectivando-se novas privatizações e não apenas às já anteriormente “em carteira”, como a ANA, a REN e a TAP. Ao mesmo tempo dá-se um novo avanço a diversas formas mais ou menos encapotadas de privatização, como as parcerias público-privadas de hospitais, a privatização de serviços escolares e de funções do Estado em que o Governo, como acontece no Ministério da Agricultura, contrata empresas privadas para substituir os trabalhadores que colocou na mobilidade especial.

Prepara-se assim mais um pacote de privatizações, satisfazendo a gula do grande capital e vendendo ao desbarato empresas essenciais ao nosso desenvolvimento e à nossa soberania.

Mas o que aí está no Orçamento para 2010 é apenas a ponta, o inicio de uma mais vasta e avassaladora ofensiva, já anunciada pelo Ministro Teixeira dos Santos com o Programa dito de Estabilidade e Crescimento 2010/2013 e que o PS quer preparar novamente com a direita, com o objectivo de impor uma redução do défice para um valor inferior a 3% até 2013. Uma receita que a direita e os neoliberais de todos os matizes já aplaudem e que Teixeira dos Santos sintetizou, na passada sexta-feira na Assembleia da República, com a lapidar declaração: “temos que fazer um esforço de redução da despesa (...) da despesa corrente, de investimento, com salários, com prestações sociais”.

Não é preciso dizer mais para se perceber que preparam a passagem para os do costume, dos custos da crise e dos milhões desviados  para “salvar” os banqueiros e os que há muito se sentam à mesa do Orçamento para promover a concentração e centralização da riqueza nas mãos de uns poucos. Nada justifica esta redução drástica do défice até 2013.

É muito grave que, perante a perspectiva de um país que há anos está atolado na estagnação, a solução seja congelar o crescimento económico, o desenvolvimento,  o acentuar as desigualdades sociais e o degradar as condições de vida dos trabalhadores.

Temos consciência de que a inversão deste caminho e do sentido de marcha desta política injusta, mas também suicida tendo em conta os interesses do país, só é possível com a ampla e combativa luta e a unidade de todos os trabalhadores. Luta que tem já no próximo dia 4 mais um ponto alto na greve geral dos trabalhadores da Administração Pública.

Luta que tem a solidariedade e apoio do PCP. Da nossa parte, tal como já aqui foi referido, também não aceitaremos tais soluções e, por isso, apresentamos um conjunto de propostas com o objectivo de conter e minorar os impactos negativos deste Orçamento para os trabalhadores da Administração Pública.

São propostas que visam a recuperação, já em 2010, de uma parte do poder de compra perdido pelos trabalhadores; a retirada da inaceitável regra da admissão de um trabalhador por cada dois que saiam; a garantia à aposentação sem penalização para quem tem 40 de trabalho; e, entre outras, a reposição do regime actualmente em vigor para as reformas antecipadas, inviabilizando a proposta do governo de aplicação unilateral já em 2010 da legislação e penalizações previstas para 2015.

Tratam-se de propostas que exigem ser complementadas por outras iniciativas legislativas que iremos apresentar no futuro e, no seguimento de outras já apresentadas visando a solução de problemas de fundo, como seja o projecto-Lei de suspensão do SIADAP (Sistema de Avaliação e Desempenho da Administração Pública), propondo um regime transitório até uma solução definitiva que respeite as carreiras dos trabalhadores e a melhoria efectiva dos serviços, seja o Projecto-Lei que garante o vínculo público de nomeação a todos os trabalhadores, pondo fim a todas as formas de precarização, não apenas por questões de justiça social, mas para defesa do interesse público, só possível com a garantia  da autonomia e da independência do agente da função  pública.

Daqui reafirmamos, mais uma vez, que podem contar com o PCP na defesa de uma Administração Pública que prossiga uma política laboral que dignifique os trabalhadores e a Função Pública, com consagração de direitos essenciais e respeitadora do estatuto específico dos trabalhadores da Administração Pública, Central, Regional e Local e afirme os princípios da idoneidade, isenção e independência face aos poderes político-partidários e económicos, no exercício das funções de interesse público.

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