Pergunta ao Governo N.º 1315/XII/3.ª

Atraso, critérios e objectivos, transparência e clareza nos concursos de apoio às artes

Atraso, critérios e objectivos, transparência e clareza nos concursos de apoio às artes

A Arte e a Cultura são, mais do que factores críticos para o desenvolvimento, direitos. Direitos que se concretizam em duas vertentes indissociáveis: a da criação e a da fruição. A aplicação dos sucessivos cortes nos apoios directos às artes é a fórmula financeira que o Governo utiliza para uma censura política: uma censura que tenta silenciar a produção artística que não se enquadre nos parâmetros da mercantilização da produção cultural e no entretenimento de massas muitas vezes entorpecedor. A censura financeira que o Governo aplica à produção cultural e artística não cala a criação, mas destrói paulatinamente um tecido profissionalizado, um tecido criativo e uma rede de públicos que, gradualmente, desde a revolução de Abril vinha tendo contacto com a criação artística livre e independente.
Nenhum Governo cala a criatividade artística, mas a política de desmantelamento do Serviço Público de Arte e Cultura impõe retrocessos e uma gritante perda de direitos num sector já de si débil. Os trabalhadores das artes e do espectáculo são os primeiros penalizados com a asfixia financeira das estruturas, sentindo o desemprego, o agravamento da precariedade, os baixos salários ou a ausência dessas remunerações. Ao mesmo tempo, as companhias e estruturas encerram ou aproximam-se ruptura, diminuindo a produção e programação, os corpos de bailarinos, de actores, de músicos, de técnicos, enfim, do conjunto dos profissionais do sector.
A abertura do concurso para atribuição de apoios pontuais em Março não apaga o atraso de três meses, nem a ausência de concurso de atribuição de apoios anuais. Mas além dessas questões, a abertura do concurso levanta ainda outras: a do apoio reduzido em valor, a da
indiscriminação das áreas disciplinares e a da introdução de critério político na selecção. Se é grave que a DGArtes não salvaguarde as diversas áreas disciplinares, podendo vir a implicar a total supressão do apoio a algumas delas, igualmente grave é o apoio residual que é afecto a este concurso e mais grave é a introdução de um critério político para a selecção de projectos.
Se o Governo pretende obter trabalhos para ilustrar o seu compromisso com o descrito na subalínea b) da alínea ii) do disposto em H) do aviso nº 3400-B/2014, deve contratar os trabalhos artísticos correspondentes, através de encomenda pública. A introdução daquele
critério, independentemente do que possamos julgar sobre a sua justeza enquanto desígniopolítico de um Governo, constitui um claro condicionamento da liberdade artística e criativa das estruturas. Não é de todo aceitável que o Governo utilize os programas de apoio directo às artes para promover um ou outro objectivo político próprio.
Em última análise, qual a fronteira para a imposição política ou ideológica aceitável?
O Grupo Parlamentar do PCP entende que os limites políticos e ideológicos para a expressão artística apoiada pelo Estado não existem além dos limites constitucionais estabelecidos.
Quaisquer outras imposições constituem uma limitação ao direito de livre criação artística e, da mesma forma, uma limitação ao direito de livre fruição.
O PCP entende que o princípio fundamental igualdade, consagrado na Constituição, o combate às desigualdades; a erradicação da discriminação em função do sexo ou da orientação sexual exige intervenção directa do Estado. Todavia, o Governo diminui o financiamento, impos reduções drásticas às subvenções ordinárias das associações e organizações que agem no terreno, e coloca-as na dependência de financiamento comunitário, o que limita a sua autonomia política e determina a adopção de linhas de intervenção política da União Europeia.
O apoio às artes não pode impor aos artistas portugueses a abordagem de um determinado tema e muito menos, como no caso presente, servir de propaganda de medidas que o Governo não toma. A liberdade artística e de criação não pode subordinar-se a qualquer objectivo de
propaganda ou campanha de sensibilização promovida pelo Governo. Os artistas são livres de se expressar sobre os problemas do mundo contemporâneo, sobre os problemas sociais, mas são livres de o não fazer. A limitação do acesso ao financiamento em função de um tema
específico limita, pois, a liberdade de criação e fruição cultural de forma inaceitável. Além disso, alivia o Governo dos gastos associados a uma campanha de sensibilização ou de propaganda que, podendo ser feita, deve ser com recurso à contratação e não aproveitando o trabalho
regular dos artistas.
Acresce que às limitações descritas surge a valorização da itinerância e da cobertura territorial dos projectos. Essa valorização é compreensível e, num contexto de financiamento justo e adequado, é positiva. Todavia, para os valores residuais do apoio – que varia entre 7500€ e 25000€ - tal imposição pode resultar na exclusão de inúmeras estruturas, particularmente daquelas que não têm vocação disciplinar para a itinerância (Artes Plásticas, por exemplo) ou que não têm meios para a itinerância que não são claramente satisfeitos pelos apoios em causa.
Ou seja, como se pode dizer que se condiciona um apoio de 7500 euros à itinerância se 7500 euros não são suficientes para garantir sequer o funcionamento regular de muitas estruturas durante o período apoiado (1 de Julho a 31 de Dezembro de 2014)?
Da mesma forma, no manual do candidato fica claro que a capacidade de “captação e fidelização de público” é aplicado transversalmente a todas as disciplinas, tal como os restantes critérios. Ora, pelas suas características próprias, algumas disciplinas serão penalizadas por não
terem a capacidade de igualar em público outras. Por exemplo, não é expectável que um projecto de Artes Plásticas possa apresentar uma previsão de público semelhante a uma estrutura de teatro. A não separação dos apoios por disciplinas agrava estas assimetrias.
A leitura do manual do candidato também não esclarece se a fronteira entre as chamadas “indústrias criativas” e as linguagens artísticas propriamente ditas está suficientemente distinta no âmbito destes concursos. O apoio às artes não pode ser utilizado como o alimento para
outras actividades que, apesar de relacionadas com a Arte, não se inserem claramente nacriação livre e autónoma. Tais indústrias têm o seu espaço, a sua pertinência e importância, mas a sua inclusão na mesma fonte de financiamento das Artes pode constituir um verdadeiro desvio
de recursos da produção artística para a indústria. São ambas importantes e é importante salvaguardar ambas as linguagens referidas. Para essa salvaguarda é fundamental que exista uma fronteira clara, na definição dos critérios e nas fontes de financiamento.
É ainda importante referir que o atraso na abertura do concurso tem custos e impactos fundos nas estruturas. O apoio pontual deveria abranger a actividade de um ano inteiro, no caso, de Janeiro de 2014 a Dezembro de 2014. O atraso de 3 meses na abertura dos concursos implica o financiamento de apenas seis meses. Embora nada indique que isso terá implicações no montante dos apoios, a realidade demonstra que as estruturas que dependem de apoios pontuais terão de superar mais uma “travessia do deserto” entre Janeiro e Julho, na melhor das hipóteses.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, requeiro a V. Exa se digne solicitar ao Governo, através do Secretário de Estado da Cultura, as respostas às seguintes questões:
1.Que medidas vai o Governo tomar para determinar a abertura imediata dos apoios anuais para 2014?
2.Que medidas vai o Governo tomar para incrementar o valor total dos apoios pontuais e para definir o montante discriminado por área disciplinar, para salvaguardar todas as existentes e elegíveis?
3.Que medidas tomará o Governo para assegurar a distinção clara entre “indústria” e produção artística no quadro da definição dos critérios e da fonte de financiamento, para garantir que nem uma, nem outra, sejam prejudicadas pela consideração em comum de naturezas que
são na realidade distintas?
4.Que medidas vai o Governo tomar para corrigir a clara manipulação dos critérios do concurso para proceder a uma programação cultural encapotada a fim de satisfazer os seus próprios objectivos políticos?
5.Que medidas vai o Governo tomar para garantir, além da desagregação dos montantes por área disciplinar, a adequação dos objectivos e critérios às características próprias de cada uma dessas áreas, nomeadamente no que diz respeito à “captação e fidelização de público”?
6.Que medidas vai o Governo tomar para assegurar a compensação das estruturas pelo atraso na realização dos concursos de apoios pontuais, e que suporte existe para as companhias que terão de suportar meio ano sem quaisquer apoios?
7.Que medidas vai o Governo tomar para que, no âmbito do concurso de apoio pontual, seja valorizada a itinerância de acordo com as características de cada disciplina e com o valor do apoio concreto?

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