Não há volta a dar-lhes! PS e PSD aí estão de novo a tentar tapar o sol com uma peneira. Pouco dados a enfrentarem os reais problemas do país e dos cidadãos, reincidem em colocar a sua «reforma do sistema político» no top da agenda do debate e da acção políticas em Portugal. Com motivação convergente, a da satisfação dos seus sectários interesses partidários. O PS iludido de que com um sistema eleitoral manipulado a seu gosto, talvez não tivesse sofrido a derrota eleitoral de 17 de Março. O PSD convencido de que com o sistema manipulado teria obtido, sozinho, a maioria absoluta no Parlamento. O pretexto é velho: a maior aproximação dos eleitos aos eleitores e uma maior independência partidária dos deputados. Argumentos que deveriam ter pudor em utilizar partidos que de há muito, e de forma extremada em Março último, reduzem a campanha eleitoral para a eleição de deputados a uma campanha exclusiva para a eleição do Primeiro-Ministro. Desvalorizando, por vontade própria, as candidaturas dos deputados. O cerne da questão é que os projectos de alteração do sistema eleitoral do PS e do PSD, na sequência da negociata da revisão constitucional de 1997, sobrepõem à indispensável democraticidade e representatividade do sistema eleitoral o seu desejo de imporem uma bipartidarização administrativa dos sistemas político e eleitoral. Põem em causa a proporcionalidade, a representatividade e o pluralismo da Assembleia da República enquanto reflexo da diversidade de opções da sociedade portuguesa expressos no sufrágio eleitoral. Através da criação de círculos uninominais, visando a instalação de um sistema bipartidarizado. Através de uma nova e abrupta redução do número de deputados, impossibilitando a adequada representação plural e regional no Parlamento. Vamos por partes. Não há razões sérias para reduzir o número de deputados. A racio do número de habitantes por deputado em Portugal está, já, no quadrante das mais elevadas na Europa e no mundo. Soa como absurdo fazer crer que, ao mesmo tempo que se propõe o aumento do número de eleitores por deputado, se pretende aproximar o eleito dos eleitores. Fundamentalmente, a redução do número de deputados afectaria a representação política de sectores e camadas sociais e de regiões, assim como o pluralismo no trabalho parlamentar, em especial nas comissões especializadas. Mesmo que se mantivesse a proporcionalidade, os grupos parlamentares de menor dimensão veriam fortemente diminuída a sua capacidade de trabalho e intervenção, a sua capacidade de representação efectiva dos que dos seus eleitores. No que concerne à criação de círculos uninominais, querem fazer crer que não seria afectada a proporcionalidade, devido à manutenção de círculos regionais e à criação de um círculo nacional, onde se realizariam as «compensações». Escamoteiam que os círculos uninominais afectariam a dinâmica de funcionamento do sistema e dos comportamentos eleitorais. Que eles próprios, os partidos maioritários, se encarregariam de potenciar com o apelo ao «voto útil» nos dois candidatos com maiores possibilidades de virem a ser o eleito local. Tal como afectariam negativamente a representatividade dos «deputados locais», que e tenderiam a representar apenas uma minoria (embora maioria relativa) dos eleitores do círculo, deixando sem representação a maioria. Afastando, a final, o eleito dos eleitores! O inverso do que dizem pretender. Por acréscimo, a criação de círculos uninominais conduziria ao desenvolvimento de dezenas de campanhas eleitorais locais, personalizadas, que se somariam às campanhas regionais e nacional, fazendo disparar as despesas eleitorais. O que nos conduz à segunda peça das propostas dos partidos do bloco central de reforma do sistema político, o financiamento exclusivamente público dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Mais uma falsa questão, tendente a escamotear o essencial. Os partidos políticos são essenciais ao sistema político e são insubstituíveis enquanto elementos fundamentais do exercício da democracia política. Por isso o Estado deve contribuir financeiramente para que desenvolvam a sua actividade visando, basicamente, assegurar um mínimo de igualdade de oportunidades aos diversos partidos políticos e candidaturas. Mas não me restam dúvidas de que o essencial do financiamento dos partidos políticos deve assentar nas contribuições voluntárias dos seus militantes e simpatizantes singulares, bem como dos eleitos em sua representação. O actual volume dos financiamentos estatais pode ser discutido, pode debater-se se devem ou não ser aumentados. O que seria de todo inadequado é que o Estado viesse a financiar integralmente as actividades dos partidos. Como que os transmutando, pela dependência financeira, em apêndices do próprio Estado. Ora, essa separação de águas, a separação entre os partidos e o Estado, em qualquer regime, é absolutamente indispensável. O problema das finanças partidárias é a necessidade de (alguns) partidos políticos limitarem as suas despesas eleitorais (porque são estas que fundamentalmente estão em jogo). Admito que a legislação existente sobre transparência e fiscalização da, e responsabilização pela, vida financeira dos partidos possa ser aperfeiçoada. Com a consciência de que não há nem haverá lei, por mais perfeita, que possa substituir-se ao comportamento ético dos partidos políticos. Este é o nó górdio da questão. Que não desapareceria pelo simples decretar do financiamento exclusivo pelo Estado. Tal como não é no sistema eleitoral que residem as razões do distanciamento dos cidadãos face aos deputados, aos políticos, à política. É no desrespeito dos compromissos eleitorais, na promiscuidade entre políticos e políticas e interesses económicos, futebolísticos ou corporativos, no desfasamento entre políticas concretas e a resposta necessária às aspirações e dificuldades dos eleitores. Haja o bom senso de perceber que a demagogia é perigosa para a democracia. Basta querer ver.