Intervenção

Associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e Porto - Intervenção de José Soeiro na AR

 

Associações de municípios de direito público e regime jurídico das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto

 

Sr. Presidente,

Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local,

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 236.º, diz-nos que nas grandes áreas  metropolitanas a lei poderá estabelecer outras formas de organização territorial autárquica, sendo nosso entendimento que isto significa criar autarquias locais nas áreas metropolitanas. Além disso, no seu artigo 253.º diz-nos que os municípios (repito: os municípios) podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns.

A nossa leitura é a de que as duas propostas de lei  (proposta de lei n.º 182/X e proposta de lei n.º 183/X) não têm cabimento nestes artigos da Constituição.

Gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado nos explicasse e fundamentasse o contrário.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

A Constituição da República é clara quando afirma no seu artigo 253.º que «Os municípios podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode conferir atribuições e competências próprias». Repito: «Os municípios podem» - não é «o Governo pode» ou «a Assembleia pode»!! Não!! São os municípios que podem, no quadro da sua autonomia constitucionalmente consagrada!

O artigo 6.º é igualmente claro: «O Estado (...) respeita na sua organização e funcionamento (...) os princípios (...) da autonomia das autarquias locais».

Se a estes imperativos juntarmos os princípios consagrados no artigo 46.º sobre a liberdade de associação, que aplicados aos cidadãos se devem com redobrada razão aplicar aos municípios, fica claro que só por manifesta cegueira política se podem admitir as iniciativas apresentadas pelo Governo como propostas constitucionais.

Os municípios não são uma coutada do Governo nem da maioria que o sustenta, como, infelizmente, atitudes antidemocráticas, autoritárias, prepotentes e autistas, como as verificadas com as regiões de turismo, com a farsa das NUTS III ou com as propostas do Governo que hoje discutimos, possam fazer crer.

Hoje discutimos projectos substantivamente diferentes - diria mesmo, diametralmente opostos.

De um lado, duas propostas do Governo, manifestamente inconstitucionais, violadoras da autonomia do poder local, que propõem um associativismo municipal imposto pela lei, que procuram simular uma pretensa descentralização, um associativismo assente em NUTS III talhadas a pedido de organizações locais do PS, como se pode verificar no Alentejo, com a arbitrária e vergonhosa exclusão do concelho de Mora do distrito de Évora, a que sempre pertenceu desde a sua criação em 1840, de forma a garantir uma maioria do PS na Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central, maioria artificial e forjada no Terreiro do Paço, em contraponto com a maioria democrática expressa nas urnas pelos cidadãos.

Uma verdadeira chapelada administrativa, Srs. Deputados! É o «fatinho» talhado à medida, um «fatinho» pelo qual VV. Ex.as serão co-responsáveis se vierem a aprovar esta pouca-vergonha.

Do outro lado, dois projectos de lei do PCP (projecto de lei n.º  506/X e projecto de lei n.º  507/X): um que, no respeito pela autonomia do poder local, restitui aos municípios a sua liberdade plena de constituir as associações de municípios que considerem mais adequadas à administração dos seus interesses comuns, tal como consta no artigo 253.º da Constituição da República; outro que, correspondendo às aspirações dos municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, expressas inclusive em deliberações aprovadas por unanimidade, consagra finalmente as áreas metropolitanas como verdadeiras autarquias, com os seus órgãos deliberativos eleitos por sufrágio dos cidadãos, com efectivas atribuições e competências, dotadas de finanças próprias, tal como admite o artigo 236.º da Lei Fundamental.

«As áreas metropolitanas têm de passar de uma figura de uma mera associação de municípios (...) para uma efectiva autarquia metropolitana. Isso exige legitimação, visibilidade democrática, antes de mais na eleição da própria assembleia metropolitana.» Esta não é uma afirmação do PCP. Não! Esta é uma afirmação do Deputado Eduardo Cabrita, hoje Secretário de Estado da Administração Local, aqui presente.

Como mudou o discurso!!... «Importa (...) passar de uma associação de municípios (...) para verdadeiras autarquias metropolitanas».

«Deverá ser reforçada a legitimidade democrática das áreas metropolitanas através da articulação no órgão deliberativo entre a representação de todos os municípios envolvidos e a eleição directa de Deputados metropolitanos, bem como a existência de um órgão executivo com carácter permanente e exercício de funções com legitimidade democrática».

Estas também não são afirmações do PCP, Srs. Deputados! São deliberações aprovadas por unanimidade na Assembleia Metropolitana de Lisboa.

É caso para reflectirem!

O PS andou cinco anos a dizer «cobras e lagartos» da chamada «reforma Relvas» para agora, à revelia da vontade expressa dos municípios, nos vir propor um associativismo municipal e umas ditas áreas metropolitanas que vão mais longe na violação da autonomia municipal do que aquelas que constavam do chamado «projecto Relvas»!

A maioria parlamentar do PS pode persistir na sua postura de submissão acrítica às decisões e propostas, que têm caracterizado a acção do actual Governo - estão no vosso pleno direito! -, mas não se iludam, porque se há coisas que a vida nos ensina todos os dias é que as maiorias não são eternas e podem tornar-se minorias mais rapidamente do que aquilo que é possível prever.

A vitoriosa «marcha da indignação» que trouxe a Lisboa mais de 100 000 professores e que levou o Ministério da Educação a um primeiro recuo, com a assinatura, ontem, do acordo com a plataforma sindical dos professores, o aviso geral que trouxe ontem à rua dezenas de milhares de trabalhadores em Lisboa, tal como se verificou antes de ontem no Porto, apesar do mau tempo, a derrota do projecto de alteração das leis eleitorais para as autarquias locais nesta mesma Casa, fruto da luta dos autarcas em todo o País, deveriam servir de aviso à maioria do PS.

O PS não pode ignorar e deixar de ter presente estas situações quando votar as propostas apresentadas pelo Governo e os projectos de lei apresentados pelo PCP.

O PS ainda está a tempo de corrigir o «tiro», ainda está a tempo de construir um amplo consenso na base dos projectos de lei do PCP, projectos que, alicerçados na Constituição, constituem um bom ponto de partida para a aprovação de duas boas leis ao serviço do poder local democrático.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Renato Sampaio,

Em relação a Mora, a resposta está dada: trata-se de um efectivo golpe dado em articulação com as organizações do PS de Évora e, infelizmente, também com o Governo.

Portanto, a resposta está dada, mas os senhores estão a tempo de emendá-la: emendem o decreto-lei, que é uma vergonha!

(...)

Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados:

«As áreas metropolitanas têm de passar de uma figura de uma mera associação de municípios para uma efectiva autarquia metropolitana».

«E isso exige legitimação e visibilidade democrática, antes de mais, da eleição da própria assembleia metropolitana».

Este é o PS na oposição!

«As áreas metropolitanas constituem uma forma específica de associação de municípios». Este é o PS no Governo!

De facto, o País tem a ganhar com o PS na oposição.

Isto é, este Governo já está a mais!

Quanto às NUTS e à «chapelada administrativa» dada a coberto das mesmas, não vamos, hoje, falar mais do assunto, porque vamos requerer a apreciação parlamentar do Decreto-Lei. Nessa altura, voltaremos a discutir este assunto com mais tempo e esperamos ouvir a bancada do PS sobre esta matéria.

 

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