Intervenção de Honório Novo, Encontro Nacional sobre os 20 anos de adesão de Portugal à CEE/UE

A Assembleia da República e a integração na agora designada União Europeia

Camaradas

Ao longo dos 20 anos de integração na agora designada União Europeia, pode afirmar-se que o PCP desempenhou um papel central e determinante para que a Assembleia da República tivesse exercido – mesmo que na maioria das vezes de forma bastante insatisfatória – as suas responsabilidades e obrigações institucionais no acompanhamento e no debate do processo legislativo comunitário e na fiscalização da actuação e das posições assumidas pelo Governo português nos órgãos da Comunidade Europeia, em particular nos Conselhos Europeus.

E bem pode dizer-se que, durante estes vinte anos, o PCP esteve muitas vezes – a maior parte delas – isolado ao reivindicar a necessidade do parlamento português ter um papel activo e eficaz no acompanhamento e fiscalização do processo de integração. Lutámos muitas vezes contra as sistemáticas tentativas do PS, do PSD e também do CDS/PP procurarem remeter para o Governo o papel quase único e exclusivo na integração, procurando impedir ou dificultar o acompanhamento e o debate aberto e público para assim poder furtar aos deputados, e sobretudo para assim melhor poder esconder e ocultar do Povo Português o conteúdo das negociações de gabinete, a subjugação quase permanente dos interesses económicos e sociais do País às conveniências das multinacionais e a alienação de aspectos determinantes da soberania nacional às imposições estratégicas dos países europeus mais fortes e poderosos.

Durante estes quase vinte anos, as sucessivas leis aprovadas para o acompanhamento pela Assembleia da República do processo de integração só permitiam, no essencial, realizar debates que não conduziam a tomadas de decisão, que não obrigavam em nada o Governo e que, na maioria dos casos, só permitiam uma avaliação política de factos consumados já completamente assumidos pelo Governo em nome do País e dos Portugueses.

Durante muitos anos, e em especial desde a parte final da década de noventa, o PCP defendeu permanentemente uma alteração profunda desta legislação. Apresentámos várias iniciativas legislativas e chegámos mesmo a incluir no nosso projecto de revisão constitucional de 2003 uma norma que fazia depender da adopção de um parecer prévio favorável emitido pela Assembleia da República a aprovação, por Portugal, de qualquer acto ou legislação comunitária que abrangesse matérias da competência legislativa reservada do Parlamento Português, como sejam, a título de exemplo, todas as questões relativas a direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos.

É verdade que as nossas iniciativas foram sendo adiadas ou rejeitadas pelo PS e PSD. Mas na actual legislatura, após o PCP ter mais uma vez tomado a iniciativa de apresentar um novo projecto, a Lei do Acompanhamento da Integração Europeia sofreu finalmente um conjunto de alterações positivas – mesmo que em alguns aspectos ainda bastante insuficientes - passando, por exemplo, a obrigar à realização de audições antes da presença de qualquer ministro ou secretário de Estado em reuniões de conselho e obrigando à emissão de pareceres – ainda que não vinculativos, como propusemos – sempre que esteja em debate legislação da competência reservada do Parlamento.

Esta é uma modificação legislativa positiva que em parte substancial resulta das posições, das propostas e da intervenção do PCP. Esta é também uma modificação que exige, para o futuro, o reforço da articulação e da fluidez de informação mútua entre os nossos eleitos no Parlamento Europeu e na Assembleia da República e que também vai exigir um reforço muito significativo do nível da capacidade de resposta técnica da própria Assembleia da República.

Camaradas

As posições políticas assumidas na Assembleia da República pelos diferentes partidos durante estes vinte anos confirmam por completo o apoio e a sustentação parlamentar permanente do PS, do PSD, e também do CDS/PP, ao papel e às posições dos sucessivos Governos nas negociações comunitárias.

Os exemplos são muitos e recorrentes.

É o caso das posições assumidas no momento das sucessivas reformas da PAC, em 1992, em 1999 e 2003. Apesar dos simulacros de antagonismo que, alternadamente, PS e PSD procuram encenar quando não estão no Governo, a verdade é que o conteúdo dos debates parlamentares e as posições consonantes que os dois partidos acabam por ter, quer no Conselho quer no Parlamento Europeu, (através dos Governos das respectivas famílias políticas ou dos seus eleitos em Bruxelas), mostram bem a permanente convergência de posições contrárias aos interesses de Portugal, em especial por parte do designado bloco central (PS e PSD).

A verdade é que as posições políticas no fundamental idênticas do PS e do PSD permitiram a utilização da agricultura portuguesa (e de forma idêntica o sector das pescas) como moedas de troca nas negociações comunitárias, sendo completamente responsáveis pelo desaparecimento ou pelo estrangulamento de parte muito significativa da agricultura familiar e das pequenas explorações agrícolas, ou da actividade e da indústria da pesca em Portugal ao longo destes 20 anos de adesão.

O apoio acéfalo mas empenhado do PS, do PSD e do CDS/PP à liberalização do comércio mundial – no âmbito do GATT ou da OMC – ficou bem patente em diversos debates de urgência ou de interesse relevante promovidos por iniciativa do PCP. Outro tanto se poderá dizer do apoio acrítico daqueles partidos à Estratégia de Lisboa e às suas orientações de liberalização e de destruição de serviços públicos. Mas todos estes debates e audições também têm permitido separar águas e evidenciar as posições alternativas apresentadas pelo PCP em defesa do papel do Estado, dos direitos dos trabalhadores e das obrigações constitucionais da existência de serviços públicos eficientes e com qualidade.

Também os debates e audições realizadas a propósito das negociações dos sucessivos quadros comunitários de apoio - tal como aqueles que foram realizados, sempre a contra gosto, para avaliar a respectiva execução – mostram bem as posições partidárias convergentes do PS e do PSD.

Por um lado, convergem numa posição permanente e sistemática de aceitação passiva e subserviente dos meios financeiros atribuídos a Portugal – incompatível com a situação global da União e inaceitável se tivermos em conta os atrasos relativos, as especificidades e necessidades próprias de investimento do país – e, por outro lado, confirmam uma vontade comum de centralizar e governamentalizar as decisões relativas à definição das prioridades de investimento bem como a gestão dos fundos, impedindo uma participação alargada e democrática de instituições regionais e do poder local, contribuindo, por esta via, para uma aplicação dos recursos financeiros disponíveis que se revela distorcida, injusta e muitas vezes contrária aos interesses globais do País, provocando mesmo, em muitos casos e situações, o agravamento de assimetrias regionais e comprometendo – em vez de resolver – os problemas de coesão nacional e territorial.

Camaradas

Uma palavra final para abordar as incidências e consequências das sucessivas alterações dos tratados da União Europeia no quadro constitucional português.

Desde 1992, a propósito do processo de ratificação do tratado de Maastricht, o PCP tem defendido a realização de um referendo para que os portugueses se possam pronunciar directamente e com carácter vinculativo sobre tratados assinados no âmbito do processo de integração e que têm implicado a transferência de importantes e significativas competências de soberania para instituições supranacionais.

Não obstante o PS e o PSD terem na altura rejeitado esta proposta do PCP, insistimos com propostas de idêntico sentido nos processos de revisão constitucional de 1994, 1997, 2001 e 2004. Sempre com a oposição do PS, do PSD e também do CDS-PP.

Voltamos a insistir em 2005, tendo finalmente ficado consagrada constitucionalmente a possibilidade de realização de referendo para ratificar a chamada “Constituição Europeia”, versão mais recente de sucessivas alterações do Tratado da União ocorridas em Amesterdão e em Nice.

Entretanto, e ao longo de vários dos processos de revisão constitucional ocorridos, o PS, o PSD e também o CDS-PP votaram alterações constitucionais absolutamente indignas e inaceitáveis – destinadas a consagrar de forma explícita a supremacia do direito comunitário sobre o direito nacional, dito de outra forma, consagrando a supremacia dos Tratados Europeus sobre a Constituição da República Portuguesa.

No próximo ano, Portugal vai de novo assumir a presidência da União Europeia.

É já claro que o Governo Português quer ressuscitar a chamada “Constituição Europeia” e promover a sua ratificação.

Pela nossa parte lutaremos contra a estratégia que pretende fazer entrar pela janela o que não entrou pela porta, ou seja, lutaremos contra a tentativa de ratificar um tratado cuja entrada em vigor é juridicamente impossível por ter sido já rejeitado.

Pela nossa parte lutaremos também contra um qualquer outro tratado que reforce o carácter federalista da União Europeia, que procure consagrar como constitucionais as orientações neoliberais ou que crie as bases para a institucionalização de um bloco político militar ao serviço da NATO e de estratégias de dominação mundial.

Pela nossa parte lutaremos por um novo rumo para a Europa. Que certamente resultará das orientações aprovadas neste nosso Encontro!

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