Apreciação parlamentar n.º 52/X do Decreto-Lei n.º 308/2007, de 3 de Setembro, que cria o programa Porta 65 - Arrendamento por Jovens, instrumento de apoio financeiro ao arrendamento por jovens, e revoga o Decreto-Lei n.º 162/92, de 5 de Agosto
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A Constituição da República Portuguesa consagra claramente as obrigações do Estado perante a juventude.
Além disso, também considera com destaque o direito à habitação. Este Governo demonstrou bem cedo a sua vontade de pôr fim ao Incentivo ao Arrendamento por Jovens (IAJ), começando por reduzir drasticamente as verbas inscritas no Orçamento do Estado para este apoio.
O Partido Comunista Português apresentou, nesta Assembleia, um projecto de lei que aperfeiçoava o Incentivo ao Arrendamento por Jovens, corrigindo algumas das suas insuficiências e actualizando os seus valores que haviam sido estabelecidos em 1992 e que, até hoje, não tinham sido objecto de qualquer actualização.
Assim, o PCP propôs, inclusivamente, a duplicação do valor, considerando que, nos últimos 15 anos, muitas rendas, particularmente nos centros urbanos, duplicaram os seus valores. No entanto, o Governo entendeu que extinguir o Incentivo ao Arrendamento por Jovens seria a resposta para estes problemas.
A necessidade de apoiar os jovens na concretização do direito à habitação prende-se também com o facto de a juventude ser um período particularmente instável das nossas vidas, principalmente numa altura em que a precariedade no emprego é acompanhada de um brutal encarecimento dos custos de vida.
O início da vida activa, coincidindo com a juventude, é um momento crítico na nossa vida: é nessa altura que se verifica a autonomização do jovem, a saída de casa dos pais e o início de uma vida independente; é também nessa altura que somos confrontados com os baixos salários, com o trabalho precário, com o trabalho temporário, trabalhando hoje sem saber se amanhã ainda temos emprego.
É exactamente por reconhecer a juventude como uma camada popular particularmente frágil que a Constituição da República Portuguesa estabelece a sua protecção.
O Decreto-Lei n.º 308/2007, que cria o programa Porta 65 - Jovem, não cria nenhum apoio aos jovens, antes vem destruir o que existia.
Daí os protestos de jovens que já se fazem sentir e que, certamente, crescerão. O Governo nunca quis sequer aperfeiçoar as insuficiências do Incentivo ao Arrendamento por Jovens, sempre esteve apostado em destruí-lo, como vem provar a Portaria n.º 1515-A/2007, que estabelece as regras para o acesso ao Porta 65.
O Governo pretende, objectivamente, dificultar o acesso ao apoio, diminuir os valores e a duração do apoio e tornar aquilo que era um incentivo à autonomização numa prestação social, caritativa e assistencial, com um número cada vez mais limitado de vagas para candidaturas, onde até os rendimentos dos pais entram para as hierarquizar!
O Incentivo ao Arrendamento por Jovens foi sendo sucessivamente tratado com displicência, sem fiscalização, sem um efectivo cálculo do valor e, agora, o Governo responsável por esse tratamento utiliza essa incompetência voluntária como forma de justificar o fim do apoio ao arrendamento.
O Porta 65 - Jovem pode ter a duração de 3 anos, quando o IAJ podia ter a de 5 anos. O Porta 65 - Jovem possibilita apenas a obtenção do valor máximo para jovens que vivam com um agregado familiar com mais de quatro membros e apenas durante um ano.
Por exemplo, um jovem para ter acesso ao apoio máximo do Estado tem de viver com um agregado familiar com mais de quatro membros num T4, na zona de Lisboa. E, ainda assim, o valor máximo não ultrapassa os 340 €.
Mas para ter acesso ao subsídio máximo, esse agregado não pode ter rendimentos mensais superiores a 1699 €. No terceiro ano, o valor desse apoio cai para 170 €.
Mas vejamos outros retrocessos em relação ao IAJ e que dificultam muito significativamente o acesso ao Porta 65 - Jovem.
Isto para além das burocracias e de as candidaturas só poderem ser feitas via Internet, por quem está inscrito nas Finanças via Internet.
Um jovem que viva sozinho numa casa com três assoalhadas não pode concorrer ao apoio; um jovem que queira arrendar um T1 no Porto ou em Setúbal não pode arrendar nenhuma casa por mais de 220 € para ser elegível.
Por exemplo, um jovem que viva sozinho na região do Porto ou Setúbal e que ganhe 770 €/mês, tinha um apoio de 250 € para pagar a renda, podendo ser mais baixo em função do valor da renda, durante cinco anos.
Agora, o mesmo jovem, ao fim de dois anos, pode receber, no máximo, a «magnífica» quantia de 22 € e, ao fim de três anos, perde todo e qualquer apoio. Um outro exemplo: um jovem que queira arrendar um T5 na área de Lisboa tem de viver com mais seis pessoas, ou seja, num agregado de sete, e o valor máximo do apoio é de 340 € no primeiro ano, para cair para 170 € no último ano do apoio - o terceiro.
Mais um exemplo (e esta é uma situação bastante caricata): um jovem que ganhe abaixo dos 850 €/mês, em Lisboa, não pode ter acesso ao incentivo em nenhuma situação, não pode arrendar nenhuma casa, tendo em conta que a conjugação das taxas de esforço máximas e a renda máxima admitida levam a uma situação de conjunto vazio: a intercepção dos conjuntos é um conjunto vazio!
O Governo aplica, mais uma vez, a sua estratégia economicista, com ela favorecendo a especulação imobiliária e dificultando o acesso ao arrendamento. Com estas políticas de diminuição dos direitos dos jovens, o Governo favorece objectivamente os interesses das grandes construtoras e dos bancos.
Passa a ser cada vez menos exigente para um jovem a contratação de um crédito quando comparada com o arrendamento. Isto num País que tem um parque habitacional devoluto com mais de 600 000 casas e um sobreendividamento da população que cresce na medida do seu empobrecimento.
O Incentivo ao Arrendamento é um direito dos jovens, não é uma benesse que o Governo lhes deu! E embora o arrendamento não possa ser a única frente de apoio aos jovens na concretização do direito à habitação, ele deve ser, no mínimo, preservado, enquanto se definem outras políticas, nomeadamente no âmbito do controlo de custos de construção, aquisição e arrendamento.
O Grupo Parlamentar do PCP propõe, por isso mesmo, a cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 308/2007, com a consequente extinção do Porta 65 - Jovem, para que se inicie um verdadeiro processo de construção de um incentivo funcional e justo, que seja orientado pelo cumprimento por parte do Estado do artigo 65.º da Constituição da República: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.» E, ainda, do artigo 70.º da Constituição: «Os jovens gozam de protecção especial para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: (...)» - na alínea c) - «(...) No acesso à habitação;».
Estamos convictos de que esta ofensiva retrocederá aqui, nesta Assembleia, através deste apelo que agora o PCP faz, ou pela força dos milhares de jovens que, com esta medida, ficarão sem acesso a um apoio ao arrendamento e com quem, desde já, o PCP e a JCP se solidarizam.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Passo a ler um pequeno trecho. «O novo programa de subsídios ao arrendamento jovem, por ser mais restritivo no acesso, (...)» - para o Sr. Secretário de Estado, aumenta o número de jovens apoiados! - «(...) atribuído durante um período mais curto e mais difícil de conceder de um modo geral apresenta subsídios mais reduzidos do que o anterior incentivo ao arrendamento jovem e permitirá poupanças ao Estado que poderão chegar a 17 milhões de euros no próximo ano».
Isto, num ano em que o Governo já tinha cortado 50% no apoio ao IAJ, quando comparado com os anos anteriores.
O Sr. Secretário de Estado ainda há-de explicar-nos como consegue abranger mais pessoas, dar mais dinheiro, fortalecer e aperfeiçoar o incentivo e poupar 17 milhões de euros. Isso é um milagre que a maior parte dos portugueses certamente desconhece.
Em relação às insuficiências do incentivo ao arrendamento por jovens, nunca ouviu nem certamente ouvirá o PCP dizer que o anterior regime não tinha insuficiências.
De tal maneira assim é que o PCP até apresentou um projecto de lei na Assembleia da República que não propõe o que disse o Sr. Secretário de Estado. Esse projecto de lei do PCP aponta, sim, para uma taxa de esforço ideal de 20% e é com base na mesma que, obviamente, se tem em conta uma renda máxima que pode atingir 500€.
Portanto, não se trata, pura e simplesmente, de duplicar todos os subsídios, como quiseram fazer crer, numa manobra indigente de manipulação do que é o conteúdo do projecto de lei do PCP.
Quanto ao programa Porta 65, tudo é relativo, Sr. Secretário de Estado. Também podemos dizer, e é verdade, que este programa prevê um aumento de 10% no apoio concedido a quem for morar num centro histórico.
Então, vejamos. Ao abrigo da legislação anterior, se eu morasse num centro histórico, numa casa arrendada, tinha direito a um apoio no valor de 249,90€ durante cinco anos. Agora, ao fim do terceiro ano, tenho direito a 22€, se morar sozinho, em Setúbal, por exemplo. Ora, 10% de 22€, como é óbvio para todos, não chega aos 249€ a que eu tinha direito dantes. Portanto, é óbvio que esse incentivo é uma fantochada e nada tem a ver com o incentivo ao arrendamento por jovens. Foi uma «pitada» de mentira que aqui puseram para que isto parecesse mais bonito.
Sr. Secretário de Estado, o Governo é quem tem de explicar aos portugueses o conteúdo das suas propostas.
A portaria do Governo inclusivamente estabelece um primeiro escalão ao qual nem sequer há possibilidade de qualquer jovem ter acesso, porque o cruzamento das diversas imposições impede objectivamente a classificação no primeiro escalão.