Na sequência do estranho processo de alienação de uma colecção de 85 obras de Joan Miró pelo Estado Português, através de entidades empresariais controladas pelo Estado, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tentou compreender o percurso dessas obras no período que antece a titularidade estatal. Compreender o seu percurso é fundamental para decifrar que interesses podem ter estado ou estar ainda associados às obras, na totalidade ou em parte da colecção.
É sabido que o conjunto tem origem no processo de "nacionalização" do BPN e que o Estado veio a ser titular de parte destas obras por força da sua intervenção que resultou na manutenção privada do benefício e na socialização dos prejuízos do referido Banco. Uma parte do património do BPN corresponderia a obras de arte, entre as quais as que integram a colecção. No entanto,
num contexto de indefinição e alguma disputa sobre a titularidade de algumas obras, nomeadamente entre BPN e SLN, há uma parcela de obras que, até à data da elaboração do último relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito, não tem titularidade absolutamente definida e concretizada.
No entanto, no esforço de detecção da origem que este Grupo Parlamentar levou a cabo, identificou a indicação de um conjunto de obras de arte, nomeadamente da autoria de Joan Miró, numa transacção entre uma entidade bancária e uma entidade controlada pelo Estado. De acordo com o "Relatório e Contas - Banco BIC" correspondente ao exercício de 2012 surge "No
exercício de 2012, estes bens foram alienados a uma entidade controlada pelo Estado, pelo correspondente valor contabílístico (Nota 22). Em 31 de Janeiro de 2011, a rubrica "Bens recebidos em dação de crédito - Obras de Arte" incluíao montante de 15.350 mEuros referentes a obras de arte do pintor Joan Miró recebidas em dação por recuperações de créditos concedidos pelo Banco. O Banco dispunha de uma imparidade de 1.535 mEuros para estes activos."
Ora, da leitura desse documento depreende-se que há um conjunto de obras de arte da autoria de Joan Miró que passam a integrar o património de uma entidade controlada pelo Estado. Nãoé, portanto, despropositado, assumir que essas obras adquiridas pelo Estado são agora integradas na colecção de 85 obras que a Parvalorem e a PARUPS pretendem alienar em leilão.
Todavia, várias questões se colocam tendo em conta o desenvolvimento do processo que é hoje conhecido.
Sem pretender agora aprofundar a já clara situação de ilegalidade que constituiu a expedição da obra para fora do país, importa no entanto, compreender o processo político e financeiro e quais os objectivos políticos que presidiram à actuação do Estado. Tais objectivos não aparentam coincidir com o interesse público.
Vejamos: o Estado Português adquire ao BIC um conjunto de obras de Joan Miró por mais de 15 milhões de Euros para depois ficar o próprio Estado responsável pela sua venda em leilão.
Essa aquisição verificou-se durante 2012. Nesse mesmo ano, o BIC adquire ao Estado Português, num processo de privatização ruinoso para o interesse nacional, o BPN. Ao que tudo indica, o BPN é a origem da dação de crédito referida no relatório e contas do BIC.
Assim, ao abrigo dos termos constitucionais e regimentais em vigor, requeiro a V. Exa se digne solicitar ao Governo, através do Ministério das Finanças, resposta às seguintes perguntas:
1. A aquisição por entidade controlada pelo Estado, de obras de Joan Miró, ao BIC ocorreu em que dia de 2012?
2. Que entidade realizou essa aquisição?
3. Quantas obras compunham o conjunto adquirido pela entidade ao BIC?
4. Que motivos levaram a entidade controlada pelo Estado a adquirir as referidas obras e por que exacto valor foi realizada a aquisição?
5. Qual o interesse político da compra, na medida em que fica provado que a tal entidade e o Estado não tinham intenção de a valorizar no contexto da política cultural?
6. Tinha a entidade o objectivo de comprar as obras para as alienar posteriormente? Qual é o interesse público em operações de transacção de obras de arte?
7. Que medidas tomou o Governo para inventariar e eventualmente proceder à classificação das obras adquiridas?
8. Sendo que é possível, apesar de improvável, que as obras de arte de Joan Miró a que se refere o Relatório e Contas do Banco BIC de 2012 não integrem o conjunto das 85 obras de arte que estão agora envolvidas num processo ilegal de expedição e alienação, qual o paradeiro e quais os objectivos do Governo para essas obras?