Exposição de motivos
A situação gravosa que muitos agricultores e produtores florestais têm vindo a enfrentar em resultado do poder destrutivo da investida de javalis e outros animais selvagens sobre culturas agrícolas e plantações florestais, é uma questão que tem vindo a ter cada vez mais importância de norte a sul do País, face ao descontrolo das populações destes animais selvagens, aos muitos prejuízos causados e à falta de resposta no que concerne às indemnizações previstas nestas situações.
Tal situação é descrita, designadamente, na Petição n.º 333/XIV/3, entregue na Assembleia da República em outubro de 2021, e assinada por mais de mil subscritores, que defendem que os “Agricultores e outros Rurais devem ser ressarcidos dos prejuízos na Agricultura provocados por Javalis e outros animais selvagens”, reclamando de igual modo o necessário controlo sanitário e da densidade das populações destes animais.
Num momento em que se colocam dificuldades acrescidas à manutenção da actividade produtiva, fruto do aumento especulativo do custo dos fatores de produção, é fundamental e urgente que se criem os mecanismos que respondam às necessidades do justo e atempado ressarcimento destes agricultores e produtores florestais, em particular dos pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar, pelos prejuízos provocados por estes animais selvagens.
A insistência dos serviços do Estado em empurrar a resposta a esta questão, desde logo as indemnizações por danos e prejuízos, para as entidades gestoras de zonas de caça ou dos titulares de terrenos inscritos como zonas de não caça, significa deixar desprotegidos os pequenos e médios agricultores e produtores florestais, encaminhando-os para morosos processos, quase sempre com recurso aos tribunais, de apuramento quer de prejuízos e indemnizações, quer dos responsáveis, o que conduz certamente, como é referido em muitos testemunhos, ao abandono da atividade agrícola prejudicando o desenvolvimento local e os rendimentos destes produtores.
Assim, tendo em conta a prioridade da aposta na produção nacional e tendo presente a urgência na resposta adequada aos prejuízos provocados por animais selvagens, o PCP propõe a criação de um procedimento simplificado de ressarcimento dos prejuízos com o devido enquadramento, acompanhado de um plano para controlo destas populações e seu estado sanitário e de um estudo sobre as populações de javalis.
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aprova um regime simplificado para a indemnização a agricultores e produtores florestais pelos danos provocados em culturas por animais selvagens, suínos e cervídeos, independentemente do seu valor cinegético, e estabelece a elaboração de um plano de controlo da densidade das populações destes animais selvagens.
Artigo 2.º
Regime simplificado para a indemnização por danos provocados em culturas por animais selvagens
Beneficiam de um regime simplificado para ressarcimento de prejuízos causados por animais selvagens sobre culturas, os agricultores e produtores florestais cujas culturas tenham sido total ou parcialmente destruídas, tendo por base a participação de incidente a realizar pelos lesados junto do ICNF e a sua confirmação em auto de ocorrência.
Artigo 3.º
Procedimento simplificado
- Para acesso ao regime simplificado referido no artigo 1.º, é estabelecido um procedimento simplificado de candidatura.
- O procedimento referido no número anterior inclui:
- Preenchimento de formulário próprio de candidatura, disponível nos serviços descentralizados do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), das Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) territorialmente competentes, e do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P. (IFAP), e nos portais eletrónicos destas entidades, indicando a relação dos prejuízos sofridos, a data em que os prejuízos ocorreram e a estimativa dos valores a ressarcir.
- Inclusão do auto de ocorrência devidamente instruído junto das forças de segurança territorialmente competentes, constituindo elemento de confirmação do incidente.
- Submissão da candidatura junto dos serviços descentralizados do ICNF, de forma presencial, ou por via digital, na área reservada do portal IFAP, em domínio próprio criado para o efeito.
- O prazo para a submissão das candidaturas é de até 15 dias após o incidente que deu origem ao prejuízo sobre o qual se requer ressarcimento.
- No prazo de cinco dias úteis após a receção da candidatura, os serviços do ICNF procedem à vistoria dos prejuízos apresentados.
- A não realização da vistoria no prazo referido no número anterior tem como efeito o deferimento tácito da candidatura.
- O modelo de procedimento referido no presente artigo é devidamente publicitado nos sítios do ICNF, das DRAP e do IFAP na internet.
Artigo 4.º
Pagamento e financiamento
- O pagamento pelos prejuízos causados por animais selvagens ao abrigo do regime simplificado referido no artigo 2.º, é realizado pelo IFAP e suportado por verbas provenientes do Fundo Ambiental.
- O pagamento é concedido a 100% dos prejuízos apurados e não é reembolsável.
Artigo 5.º
Plano de controlo da densidade das populações de animais selvagens
- O Governo desenvolve, anualmente, um Plano de Controlo da densidade da população de animais selvagens, suínos e cervídeos, e do seu estado sanitário, a implementar sob a responsabilidade do ICNF, em articulação com as associações representativas dos agricultores.
- No âmbito do Plano de Controlo referido no número anterior, o ICNF apresenta, no prazo de 3 meses a contar da publicação da presente lei, um estudo sobre a dimensão e densidade da população de javalis em Portugal, incluindo informação detalhada sobre os seguintes aspetos:
- A distribuição espacial no território dos efetivos populacionais;
- A evolução temporal dos efetivos populacionais;
- A relação dos pedidos de controlo de densidade populacional de javalis e sua distribuição espacial por concelho;
- A identificação das medidas tomadas nos últimos cinco anos para assegurar o controlo das densidades de populações de javalis e sua distribuição espacial por concelho.
- A relação dos prejuízos causados aos agricultores, em particular na pequena agricultura, e das indemnizações concedidas pelo Estado, por entidades gestoras de zonas de caça e por outras entidades.
Artigo 6.º
Direito de regresso
O Estado tem direito de regresso sobre as entidades responsáveis pelos prejuízos, nas situações previstas no artigo 114.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 60 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
- A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos em 2023, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico.