(proposta de lei n.º 204/XII/3.ª)
Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Justiça,
Sr.as e Srs. Deputados:
Relativamente à proposta de lei em discussão, gostaria de começar por dizer que, da parte do PCP, é reconhecida a necessidade de evitar ao máximo a instauração de ações inúteis ou, pelo menos, de difícil viabilidade. E sobretudo, quando se trata de ações executivas cujo desfecho acaba por ser o reconhecimento da sua inviabilidade — de facto, não há forma de executar um crédito que estava reconhecido —, obviamente que entendemos que é preciso encontrar os meios necessários para evitar que essas ações cheguem, do ponto de vista do funcionamento do sistema de justiça, a contribuir para a utilização de alguns meios perfeitamente desnecessários em termos da sua mobilização.
Portanto, na nossa perspetiva, julgamos até que será difícil de encontrar alguém que esteja em desacordo em relação a este objetivo.
Mas, Sr.ª Ministra, temos algumas preocupações em relação à proposta de lei, algumas das quais têm que ver com questões que já anteriormente discutimos e que são questões de fundo, relativamente às quais a diferença de opiniões não será possível ser ultrapassada.
Ainda assim, poder-se-á encontrar alguma forma de ultrapassar este problema, nomeadamente no que diz respeito ao modo como o regime está definido na proposta de lei do Governo.
Começava, talvez, por discutir estas questões cuja divergência será de menor intensidade, pelo que passo a expor o caso prático que iria referir no pedido de esclarecimento.
O caso prático é o seguinte, Sr.ª Ministra: por que razão é que, em relação a alguém que disponha de um título executivo, de uma dívida que já tenha sido satisfeita, esse título executivo acaba, no quadro deste procedimento extrajudicial, por desembocar no acesso aos dados constantes das bases de dados, sem que isso se possa evitar? Ou seja, um credor que disponha de um título executivo cuja dívida já tenha sido satisfeita e que mobilize este título executivo no âmbito deste processo extrajudicial acaba por ter acesso ao património do devedor por via da consulta às bases de dados, sem que tenha sido despistada a satisfação dessa dívida que determinaria a inexistência do título executivo, uma vez que a dívida já foi satisfeita. Esta situação poderá ser ultrapassada, eventualmente, com algum mecanismo que permita ao devedor pronunciar-se sobre a existência ou não dessa dívida, ainda antes de o próprio agente de execução poder ter acesso à consulta das bases de dados.
Mas, Sr.ª Ministra, temos uma divergência de fundo inultrapassável. E essa divergência tem a ver com o facto de, no âmbito da ação executiva, estarmos a lidar com aspetos muito sensíveis do ponto de vista da vida privada de cada um, que se manifestam não só na fase posterior das ações executivas, nomeadamente com a penhora dos bens, mas até numa fase inicial, e é esta a fase que estamos aqui a tratar. Ou seja, estamos a falar do acesso às bases de dados e da consulta de elementos pessoais, que, obviamente, comportam uma dimensão de necessidade de proteção e de reserva da vida e da intimidade de cada um. De resto, o que está mencionado no preâmbulo da própria proposta de lei acaba por identificar e reconhecer aspetos relativamente aos quais menciona estarem garantidas as necessidades de proteção da reserva de intimidade da vida privada.
Ora, no nosso entendimento, Sr.ª Ministra, há um problema central, uma discordância que já não é de agora, é uma discordância de fundo relativamente à desnecessidade de despacho judicial para acesso às bases de dados. Anteriormente, quando essa possibilidade foi consagrada, manifestámos discordância e esta proposta de lei presume essa circunstância da dispensa do despacho judicial.
Nós entendemos que este continua a ser um aspeto de fragilização do regime da nossa ação executiva. Tratando-se de aspetos que têm esta relevância — e são aspetos que até têm incidência constitucional —, continuamos a entender que a intervenção judicial não é uma intervenção excessiva. Portanto, quanto à autorização para a consulta destas bases de dados, continuamos a considerar que deveria ser da esfera judicial, deveria ser da competência judicial, apesar de poder, de alguma forma, entravar a celeridade do processo. Ainda assim, julgamos que é uma exigência compatível com a dignidade constitucional.
Portanto, essa discordância, que é uma discordância de fundo, acaba por não nos permitir acompanhar-vos nesta proposta de lei.