Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
(…) Apresentamos hoje em Aveiro, com a mesma naturalidade com o que vimos fazendo por todo o país, os candidatos da CDU à Câmara e Assembleia Municipal do concelho de Aveiro, respectivamente os camaradas António Salavessa e António Regala, que particularmente saudamos
Ao mesmo tempo que é necessário trabalhar para preparar e dinamizar todo o processo eleitoral é necessário também dar firme combate e denunciar a pretensão do PS e do PSD de perversão de características essenciais do poder local democrático, nomeadamente a alteração proposta que impede que seja o povo a eleger directamente as câmaras municipais. Problema que volta à ordem do dia com a recente aprovação na generalidade na Assembleia da República dos projectos-lei do PS e do PSD da lei eleitoral para as autarquias.
Mais uma vez PS e PSD se apresentam juntos, dispostos a subverter mais uma conquista de Abril com claros propósitos de afirmarem o seu poder absoluto e a sua hegemonia e a mais sectária partidarização da gestão autárquica.
As propostas do PS e do PSD a concretizarem-se constituiriam um golpe profundo na legitimação directa das populações, na democraticidade do poder local, nos mecanismos de fiscalização e controlo democrático do poder.
Propostas que PS e PSD vêm justificar com os falsos argumentos dos bloqueios sistemáticos à gestão municipal e em nome da garantia da estabilidade e da governabilidade dos órgãos autárquicos, a que juntam agora também o cínico pretexto da necessidade de valorização das Assembleias Municipais.
Como é que se pode argumentar com a estabilidade, quando se sabe que nos oito mandatos autárquicos realizados em Portugal desde 1976, correspondendo a mais de 2400 órgãos eleitos, apenas em duas dezenas foi necessário recorrer a eleições intercalares e naquelas onde tal aconteceu a maioria que detinha e presidência detinha também a maioria absoluta? Para ser mais preciso: o PS e o PSD não sabem que nos últimos vinte anos, apenas se realizaram quatro eleições intercalares para municípios e sempre em resultado não de qualquer bloqueio das forças políticas que estavam em minoria, mas sim em resultado de irregularidades ou desavenças no seio da força maioritária? Sabem muito bem quanto falsas são as suas justificações e fundamentações.
A falsidade do argumento da estabilidade torna-se ainda mais evidente quando se sabe que na larguíssima maioria dos municípios a força política que detém a presidência assegura também a maioria absoluta de mandatos.
Só a cegueira pelo poder hegemónico pode argumentar com a existência de bloqueios à gestão municipal e com a necessidade de elevar a eficácia e governabilidade das câmaras, quando também se sabe que na sua esmagadora maioria as deliberações dos executivos municipais são tomadas por unanimidade.
Não há nada que no funcionamento dos municípios justifique esta mudança da lei eleitoral para as autarquias. Não há um único bloqueio sistemático que o PS e PSD possam dar como exemplo e que tenha levado à dissolução de uma câmara municipal.
É também um argumento pouco sério vir falar da necessidade da valorização das Assembleias Municipais para se justificar a necessidade da alteração da lei. Não só porque não há qualquer incompatibilidade ou contradição entre o reforço do poder das Assembleias Municipais e a eleição directa pelo povo das câmaras municipais, mas essencialmente porque PSD e PS não têm feito outra coisa senão desvalorizar e esvaziar o poder das Assembleias Municipais nas sucessivas alterações que promoveram à Lei das Atribuições e Competências.
Se há algum sentido nas sucessivas alterações produzidas pelo PS e pelo PSD no funcionamento do poder local nos últimos anos, esse tem sido o da sua presidencialização ao qual se junta o da retirada de poderes e competências das Assembleias Municipais, em nome também da necessidade de dar mais eficácia à acção dos executivos.
É uma hipocrisia e uma falsidade falar em reforço das Assembleias Municipais quando estão a pensar em novos e mais concentrados poderes no presidente da câmara que passa nas suas propostas de alteração à lei a escolher livremente a sua equipa e por essa via a impor no executivo, totalmente dependente de si, a sua própria opinião sem debate, nem o contraditório que o actual funcionamento permite.
Mas também só na aparência se pode falar em reforço do poder das Assembleias Municipais. O mais emblemático poder que seria a moção de censura ao executivo municipal prevista no projecto do PS, cuja aprovação por dois terços dos membros eleitos forçaria a uma remodelação do executivo não tem qualquer aplicação prática e o PS sabe disso. Nos 308 municípios existentes só em quatro municípios o total dos eleitos em listas não maioritárias consegue obter a maioria de dois terços.
PS e PSD não estão preocupados hoje, como nunca estiveram com o reforço do funcionamento democrático dos órgãos do poder local, mas apenas interessados em garantir e perpetuar a sua hegemonia num empobrecido sistema de eleição rotativa de dois partidos que se revezam à vez no poder.
Somos uma força que valoriza e se identifica com a inovadora e singular matriz de poder autárquico nascido da Revolução de Abril que enaltece e procura a participação de todos, eleitos e populações, na defesa dos problemas concretos das respectivas comunidades e, por isso, tais propostas só podem ter da nossa parte uma firme recusa e um decidido combate para impedir a sua concretização.
São estas mesmas forças que, em prejuízo da pluralidade, da colegialidade no funcionamento dos órgãos e da transparência e rigor dos actos de gestão, que querem impor um presidencialismo municipal que como alguém afirmava não tarda se transformará em despotismo municipal, vêm agora também propor a limitação dos mandatos a pensar principalmente nos presidentes de câmara.
Tudo fizeram e continuam a fazer para colocar nas mãos do presidente da câmara um ilimitado poder pessoal e um quase poder absoluto se forem aprovadas em definitivo as suas propostas de alteração à lei das autarquias e depois vêm com a proposta de lei dos mandatos deitar poeira para olhos das populações criando a ilusão de que com tal medida se porá fim à corrupção e aos abusos de poder. Como se a vida não mostrasse que, nesta matéria de ilegalidades, compadrio e corrupção, onde elas lá existem, o problema não estivesse tanto no presidente, como na força política que o suporta e nos grandes interesses que tantas vezes determinam a escolha das listas e, por assim ser, as opções de gestão municipal.
O que determina na verdade esta iniciativa do PS e do PSD não são como fazem crer objectivos de moralização da vida política, mas apenas razões de natureza partidária com o intuito de resolver por via administrativa os seus próprios problemas, as suas próprias contradições e incapacidades, agora também à custa da limitação dos direitos individuais dos cidadãos e dos partidos em geral.
Sabemos que não é difícil fazer demagogia em torno desta matéria, mas também aqui não contem connosco neste criar de falsas expectativas e grandes ilusões, mesmo quando para disfarçar o seu principal objectivo vêm agora também propor a limitação dos mandatos ao primeiro-ministro, aos presidentes dos governos regionais e, pasme-se, aos presidentes de junta, cujos poderes e competências, como se sabe, são praticamente nulos.
É ridículo tal disfarce e tão mais caricato quando se deixam de fora ministros, governadores civis e até deputados que até parece que têm menos poderes que um qualquer presidente de junta e estão também muito mais ao abrigo das redes de influência dos grandes interesses e até da sua dependência.
Mas a falta de seriedade das presentes propostas salta à vista quando se admite que um autarca presidente de câmara ou de junta terminando o seu período de três mandatos possa concorrer no município ao lado colocando o conta-quilómetros no zero.
Certamente acompanharam a evolução das negociações que, por iniciativa e insistência do PCP, decorreram com o PS com vista ao estudo da possibilidade de reedição de uma coligação em Lisboa para o próximo mandato autárquico. Uma coligação aberta, como nas experiências passadas, também à participação de outras forças políticas que manifestem interesse e disponibilidade para a integrar. Permitam-me, duas palavras ainda sobre esta matéria, porque depois do muito que se tem dito, o Bloco de Esquerda, que nas últimas eleições claramente combateu esta nossa coligação em Lisboa, dando com a sua candidatura autónoma a vitória à direita na Câmara, veio à praça pública chorar lágrimas de crocodilo pelo fim das negociações e responsabilizando-nos pelo seu fracasso. Mais uma vez gostaríamos de clarificar o seguinte: o desfecho verificado resulta da carta-resposta do PS em que após duas reuniões voltou à primeira forma com exigências hegemónicas e de comando, deixando cair a questão da necessidade de corrigir as malfeitorias feitas pela direita neste mandato.
Não sabemos porque carga de água ou encomenda veio Francisco Louçã acusar o PCP de ser responsável pelo não acordo, segundo ele porque nós só nos preocupámos com a distribuição de lugares, teríamos exigido a paridade e não reconhecíamos a força eleitoral do BE.
O responsável do BE já nos habituou que quando não sabe, explica. Desta vez explicou mal e de forma pouco séria.
Primeiro, nos encontros havidos, abordaram-se e discutiram-se critérios, parâmetros, princípios programáticos e compromissos de correcção de algumas malfeitorias feitas pelo actual executivo camarário, algumas das quais abençoadas pelo PS. Para apanhar a contradição do doutor Louçã, como é que nós defendemos a paridade se, por exemplo, como base de partida nunca esteve em causa que a Presidência da Câmara seria para o PS?
Segundo, que paridade, se nós nos encontros havidos sempre considerámos a possibilidade da inclusão do BE na coligação?
Terceiro, como podem o PS e o BE tentar aplicar à régua e esquadro o resultado das legislativas para as eleições autárquicas? Se o PS e o BE acreditam mesmo nisso, então o PS sozinho praticamente alcança a maioria absoluta e com o BE maioria absolutíssima!
Porquê então esta birra do BE em relação ao PCP que reconhecendo o legítimo direito do PS querer o comando e hegemonia na Câmara, na Assembleia Municipal e nas freguesias, não abdica da sua legitimidade de não ser força instrumental e de suporte do PS para que este ganhe autarquias?
Por muito que o doutor Louça fale e explique é um facto que nada pode apagar e sua responsabilidade e o contributo do Bloco para a derrota da candidatura da esquerda na Câmara de Lisboa. O resto é conversa para confundir.
A mesma conversa da treta que agora ouvimos depois da decisão do Presidente da República de não convocar o referendo ao aborto e de devolver a responsabilidade à Assembleia da República.
O PS e o BE julgaram que era possível, com a manobra dilatória do referendo atirar para o Presidente da República a sua responsabilidade de convocação.
Só que o Presidente da República, e a propósito da questão veio dizer “quem o fez que o desmanche”, devolvendo o problema às origens, ou seja, devolvendo a responsabilidade a quem pode legislar sobre a matéria. Há um projecto de lei aprovado na Assembleia da República. Há uma larguíssima maioria para o aprovar.
O BE, a par de algumas fontes mais ou menos oficiosas do PS, veio a terreno usar argumentos e acusações que colidem com a verdade dos factos e com um mínimo de ética que deve haver nestes processos.
O que veio a verificar-se confirma as apreensões manifestadas pelo PCP em relação à errada opção imposta pelo PS e BE de fazer depender a alteração da lei da interrupção voluntária da gravidez da realização de um referendo, quando na Assembleia da República existe uma maioria confortável para a sua aprovação.
Esperemos que finalmente PS e BE reconheçam o erro e se disponibilizem para dar seguimento ao processo legislativo aprovando finalmente uma nova lei que despenalize o aborto. (…)