Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Apresentação do Programa do XIX Governo Constitucional

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. Primeiro-Ministro,
Lamento — se calhar, não vai gostar muito de ouvir isto —, mas o discurso que há pouco fez lembrar o do seu antecessor: os mesmos argumentos, a mesma ideia de que tudo é inevitável e de que os sacrifícios sempre para os mesmos têm de ser aplicados porque não há outra alternativa. Parecia que tínhamos voltado ao passado, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Primeiro-Ministro falou aqui da consolidação orçamental. É um aspecto importante do Programa do Governo. Há duas maneiras de olharmos para este problema.
Uma primeira através do crescimento económico. O Sr. Primeiro-Ministro disse-nos que consolidar é essencial para o crescimento económico, isto é, primeiro consolidar e, depois, o crescimento económico. No entanto, a realidade nos últimos anos dos governos anteriores prova exactamente o contrário: só há consolidação se houver crescimento económico e que, enquanto não houver crescimento económico, não há cortes que assegurem a consolidação das contas públicas. É por isso que é importante que o caminho seja o inverso daquele que os senhores estão a trilhar.
Mas ignoraremos esta parte e vamos para a outra questão, a da receita e da despesa. O Sr. Primeiro-Ministro apresentou aqui uma medida de aumento da receita para fazer face ao nível do défice que se verifica neste momento.
É claro que esta medida não estava no Programa, como já foi dito. O Sr. Primeiro-Ministro diz que abrange todos os rendimentos sujeitos a englobamento no IRS, mas há um conjunto muito grande de rendimentos, por exemplo, as mais-valias em IRS, que não são obrigatoriamente englobados porque estão sujeitos a taxas liberatórias. Por que é que não inclui esses nesta medida que aqui apresenta?! E por que é que não inclui, por exemplo, finalmente, a taxação das mais-valias das SGPS em IRC, que continuam a estar fora de qualquer tipo de tributação?!
O Sr. Primeiro-Ministro diz que isto vai trazer 800 milhões de euros de receita e eu quero dar-lhe outros valores. Por exemplo, se aplicar uma taxa de 0,2% sobre as transacções bolsistas — portanto, uma taxa muito baixa —, terá 250 milhões de euros de receita; se aplicar uma taxa de 20% nas transferências para as offshore, terá 2200 milhões de euros de receita; na zona franca da Madeira, há 2650 empresas praticamente sem qualquer trabalhador que pagam zero, repito, zero, de IRC e a despesa fiscal da zona franca da Madeira é de 1100 milhões de euros por ano;
e se aplicar a taxa efectiva de IRC à banca, podemos ter um acréscimo de 300 milhões de euros por ano.
Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, se tem de cortar o subsídio de Natal dos trabalhadores ou se o que não quer é cortar nos benefícios fiscais para a banca e para a especulação financeira.
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, vamos à questão da legislação laboral, à qual, há pouco, não teve tempo de responder. O Sr. Primeiro-Ministro é capaz de nos explicar o que é que tem a ver com a dívida obrigar os trabalhadores a trabalhar mais e a receber menos, permitir despedimentos mais rápidos e mais baratos, impor uma lógica de precariedade total às novas gerações?! Isto nada tem a ver com a dívida. Este é um programa de aumento da exploração, um programa para obrigar a diminuir os salários e as remunerações dos trabalhadores, para permitir que eles sejam despedidos de qualquer maneira quando interessar à entidade
patronal e para impor para todos aqueles que estão no mercado de trabalho uma indiscriminada precariedade, através dos falsos recibos verdes, do recurso indiscriminado ao trabalho temporário sem qualquer justificação e com a ideia central de que os trabalhadores continuarão a pagar a factura com mais precariedade, mais instabilidade nas suas vidas e menos salário.
Pergunto se estas medidas passarão no tal visto família que parece que vai haver no Conselho de Ministros!

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