Apreciação Parlamentar

Apreciação Parlamentar n.º 83/X - Estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário

 

Do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e  secundário

(publicado em Diário da República, I Série, n.º 79, de 22 de Abril de 2008)

 

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A publicação do Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril, que "aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário", vem culminar um processo político promovido pelo Governo na sua senda contra a Escola Pública e materializar o já anunciado fim da Gestão Democrática nos estabelecimentos de Ensino.

O Governo faz aprovar um diploma que despreza a experiência do conjunto dos estabelecimentos de Ensino, bem como os diversos contributos de várias instituições, entre as quais muitas escolas, que em várias ocasiões se fizeram ouvir. O próprio Conselho Nacional de Educação, a Federação Nacional de Professores e muitas outras estruturas de dimensão assinalável, emitiram pareceres claramente desfavoráveis à implementação de um regime legal com a matriz que transporta o referido Decreto-Lei.

É um facto que, de todo o universo dos Estabelecimentos de Ensino, apenas uma minoria de 2% optou pela direcção unipessoal, o que revela bem a adequação das direcções colectivas às necessidades dos estabelecimentos de ensino. Mas revela, além disso, que o próprio regime legal em vigor até à data, o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio permitia já a opção pelo órgão de direcção unipessoal.

Este é um Decreto-Lei que atenta contra os princípios mais elementares da participação democrática de todos os corpos na gestão das escolas, concentrando o poder decisivo e executivo numa só pessoa, atribuindo à gestão da escola pública um pendor fortemente administrativo e empresarial, ultrapassando os critérios e orientações pedagógicos que devem, a todo o momento, presidir às estratégias organizativas dos estabelecimentos de Ensino Público.

Os problemas fundamentais com que as escolas se cruzam não são, de forma alguma, resolvidos ou atenuados com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 75/2008. Bem pelo contrário. Na verdade, o Governo recusa-se a reconhecer as sistemáticas falhas políticas que têm provocado a degradação da qualidade do ensino público e que, de forma cumulativa, lhe vão impondo cada vez mais dificuldades para a prossecução dos seus objectivos, tal como constam na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo.

O Governo opta claramente por introduzir limitações à autonomia dos estabelecimentos de ensino, por lhes limitar as opções e por lhes vedar o caminho da participação democrática, preferindo fazer estender os tentáculos das suas políticas até à figura do Director e transformar as Escolas em palcos de contendas políticas e de desfiles de interesses que lhe deviam ser alheios. A fúria anti-democrática patente nesta obsessão pela empresarialização revela bem como o Governo preconiza a autonomia dos estabelecimentos de ensino, colocando em causa a participação da comunidade escolar, privilegiando a participação de agentes externos.

A escola deixa de ter uma relação dialéctica com a sociedade para passar a ser a incubadora de formação do sacralizado mercado que tudo dita e tudo decide.

Este é um Decreto-Lei que se afirma frontalmente à margem dos pressupostos dessa Lei de Bases. Por isso podemos afirmar que o Governo legisla através de um Decreto-Lei uma matéria que não tem acolhimento numa Lei de Bases. Isto significa que, da mesma forma que o Governo se recusou a ouvir e acolher os contributos dos agentes educativos, se recusou a discutir esta estratégia com a própria Assembleia da República. Com esta prática, o Governo introduz significativas alterações às orientações da Lei de Bases, sem assumir no entanto, a responsabilidade política de lhe introduzir ou propor alterações. O Governo demonstra assim que tem bem presente a resistência que os professores, pais e estudantes, demonstrariam perante uma desfiguração da Lei de Bases do Sistema Educativo.

O presente Decreto-Lei não visa aprofundar experiências, nem tampouco, introduzir aperfeiçoamentos no actual quadro legal. Antes visa introduzir mudanças radicais e rupturas de grande dimensão. Por si sós, a dimensão e a significância das alterações agora vertidas no Decreto-Lei nº 75/2008, justificariam a apresentação de uma Proposta de Lei ao invés de um Decreto-Lei. Por isso mesmo, o PCP instou a Comissão de Educação a lançar esse desafio ao Governo e, também por isso, recolheu o apoio de todas as forças parlamentares com a excepção da maioria socialista que se manteve no seu pedestal de arrogância, defendendo a todo o custo o indefensável regime que este Governo apresentara, na altura como Projecto de Decreto-Lei.

Por considerar que esta é uma matéria de importância nuclear para todo o Sistema Educativo e por assumir como prioritária a necessidade de reforço da vertente democrática da gestão e a própria autonomia dos estabelecimentos de ensino, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentou um Projecto de Lei sobre "Gestão democrática dos estabelecimentos de ensino".

Ao longo de todo o processo, o Governo manteve o seu rumo inalterado. Mesmo quando confrontado com a luta massiva dos professores e a luta dos estudantes um pouco por todo o país, o Governo insistiu em implementar as suas soluções.

Importa, pois, que esta Assembleia chame a si aquilo que o Governo quis dela arredar. A gestão e os princípios de autonomia que devem estar presentes na organização e na administração dos estabelecimentos de ensino, enquanto elementos da sociedade e não enquanto delegações do Governo.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 189.º do Regimento da assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que "Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário".

 

 

Assembleia da República, em 14 de Maio de 2008

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