Projecto de Lei

Apoio aos estudantes do ensino superior

 

Estabelece um regime suplementar de apoio aos estudantes do ensino superior

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Preâmbulo

A actual situação económica e o consequente contexto social criados em torno de uma crise do sistema capitalista à escala global e com efeitos particularmente significativos no nosso país, fruto de uma política que não só não combate eficazmente a crise e seus efeitos como os tem objectivamente potenciado, merece da parte da Assembleia da República a convocação de todos os esforços e a convergência política necessária para a defesa dos direitos e do bem-estar da população, principalmente no que toca às camadas mais afectadas pela crise económica pela sua posição no contexto económico nacional e pela sua posição no quadro das forças de classe, ou seja, as camadas mais empobrecidas da população, as camadas laboriosas e as suas famílias.

A política de Ensino Superior praticada pelos sucessivos governos, particularmente desde o período que se inicia com o Governo PSD/CDS de Durão Barroso, e que se intensifica com o actual Governo do Partido Socialista, assentou na desresponsabilização do Estado perante a Educação Superior da população e na responsabilização directa do estudante e da sua família. Ao abrigo dos pretextos políticos mais retrógrados e à margem da Constituição da República Portuguesa, estes Governo promoveram conscientemente a ideia de que o acesso ao Ensino Superior e a formação superior são mais-valias de carácter estritamente pessoal e individual e que quem delas tira proveito é apenas o estudante e sua família. Ora, tal concepção, aproxima-se da visão de desfiguração do Estado que estes Governos têm subscrito e apoiado, mas afasta-se cada vez mais significativamente da orientação da República Portuguesa.

Na verdade, a despesa com Ensino Superior resulta num investimento de grande retorno, quer pela mais-valia criativa e produtiva que os futuros quadros superiores acrescem ao país, quer pelo retorno económico e financeiro propriamente dito que a valorização salarial dessa mão-de-obra mais qualificada significa, implicando dinamização do consumo interno e aumento do volume das suas contribuições fiscais.

A importância da formação de mão-de-obra cada vez mais qualificada é um desígnio anunciado deste Governo, aliás tem sido utilizada como pretexto para diversos atropelos à Lei de Bases do Sistema Educativo e para várias operações de propaganda. No entanto, nunca será demais relembrar que o défice estrutural de quadros superiores que o país apresenta o coloca numa situação de elevada fragilidade perante o cenário europeu em que se insere, sendo que a taxa de licenciados em Portugal é de cerca de 10%, a menor da União Europeia.

A carência de políticas de acção social escolar, a responsabilização do indivíduo pelo pagamento dos diversos custos associados à frequência do Ensino Superior (transportes, alojamento, alimentação, livros e material escolar, propinas) tem colocado muitos estudantes do Ensino Superior numa situação de ruptura eminente e muitos são os que se encontram em risco de abandonar o Sistema de Ensino Superior por motivos económicos. Aqueles que, sendo trabalhadores-estudantes, trabalham em regime de elevada precariedade (com recurso a recibo verde e contratos a termo certo) e que ficam durante longos períodos no desemprego, nesta altura particularmente grave da situação económica nacional ficam incapazes de concretizar o pagamento do milhar de euros anual devido em função da Lei do Financiamento do Ensino Superior e das propinas que contempla. Também os estudantes que, sendo emancipados economicamente, caem numa situação de desemprego, recebendo apenas porção do seu salário por via do subsídio de desemprego ou não tendo acesso de todo a esse subsídio, também ficam numa situação de eminente abandono. O mesmo se passa com aqueles que, vivendo ainda na dependência económica das suas famílias, vêem afectados os seus pais ou familiares próximos pelo desemprego galopante, perdendo parte significativa do rendimento familiar disponível.

Na actual fase, de queda desamparada dos indicadores sociais e económicos nacionais, todas estas situações podem passar a verificar-se de um dia para o outro, afectando assim muitos dos que não estão abrangidos pela Acção Social Escolar. Da mesma forma, afectam aqueles que, dispondo do subsídio de desemprego como único rendimento, não podem assumir os custos da totalidade da sua frequência do Ensino Superior.

É sabido que Partido Comunista Português e a Juventude Comunista Portuguesa sempre propuseram a gratuitidade do Ensino em todos os seus graus e que isso implica o fim das propinas para todos os efeitos, bem como o fim das taxas e emolumentos cobrados nas Instituições de Ensino Superior. Isso significa que o PCP preconiza um rumo político baseado na democratização do acesso ao Conhecimento e de qualificação significativa da população, assim alavancando o desenvolvimento económico e social do país. Também significa que o PCP entende que a única forma de assegurar justiça e equidade no acesso ao Ensino Superior é a determinação do acesso em função das capacidades do indivíduo e não em função da condição social, o que implica directamente a gratuitidade total da frequência. É na justiça fiscal que se determina a diferenciação entre os escalões de rendimento e não no acesso aos direitos.

No entanto, apresentando a isenção de pagamento de propinas como medida excepcional no actual quadro, o PCP propõe também que sejam reforçados os mecanismos de acção social escolar, nomeadamente o apoio às refeições, ao alojamento e à deslocação por transportes públicos. Tendo em conta a volatilidade, precariedade e instabilidade que os estudantes do ensino superior sentem como resultado da situação económica e social, o presente Projecto de Lei estabelece a abertura de novas fases de candidatura aos apoios sociais, e a possibilidade de requerimento de revisão dos processos, sempre que as condições do estudante ou sua família se alterem em relação à data do encerramento do seu processo de candidatura original.

Perante a situação complexa e exigente, o Estado deve assumir o seu papel na salvaguarda dos direitos da população, e ao mesmo tempo, proteger a estrutura científica e técnica nacional, como importante elemento da economia nacional e como garante da sua capacidade de recuperação presente e futura.

O que o PCP propõe é a criação de um sistema de apoio aos estudantes do ensino superior, público e privado, que ultrapasse os limites estreitos do Sistema de Acção Social e que contemple efectivamente todos aqueles que estejam em risco de abandonar a frequência do ensino superior e aqueles que sacrificam o seu sucesso escolar para trabalhar ou por não disporem dos meios económicos necessários para a garantia do desejado sucesso. A prova de que a Lei em vigor e os mecanismos de Acção Social Escolar não são suficientes é o reconhecimento por parte das Instituições de Ensino Superior da existência de abandono ou intenção de abandono por motivos financeiros e o facto de estas instituições recorrerem a métodos não previstos na lei para tentar impedir que se verifiquem e concretizem essas situações. O facto de existirem instituições de ensino superior que recorrem ao apoio do Banco Alimentar contra a Fome para suprir necessidades básicas de estudantes que as frequentam demonstra bem a necessidade urgente de despoletar medidas que humanizem a actual situação. É impensável que o Estado cobre propinas a um estudante que, assumidamente, passa fome.

Sem prejuízo de um projecto mais vasto que consiste numa nova Lei do Financiamento do Ensino Superior, que aposta no Ensino Superior Público como factor estruturante, quer da economia, quer da democracia portuguesa, e que responsabilize o Estado pelo financiamento e pela qualidade do ensino superior em Portugal. Tendo em conta que actualmente o Estado assume e reconhece o papel do Ensino Superior Privado (Particular, Cooperativo e Concordatário), no quadro não da desejada suplementariedade, mas de complementariedade, é importante que o apoio do Estado chegue aos estudantes do Ensino Privado, na medida em que muitos ali estudam, não por opção, mas por ali terem encontrado a única possibilidade de estudar no Ensino Superior.

Assim, nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei estabelece um regime suplementar de apoio aos estudantes do ensino superior, cuja insuficiência de recursos económicos comprometa o seu direito a frequentar esse grau de ensino, por via do reforço dos mecanismos de acção social escolar e da isenção do pagamento de propinas.

Artigo 2.º

Âmbito

A presente lei aplica-se a todos os estudantes matriculados num estabelecimento de ensino superior, público ou privado.

Artigo 3.º

Isenção do pagamento de propinas

1.Estão isentos do pagamento de propinas todos os estudantes que se encontrem numa das seguintes condições:

a) Pertençam a agregado familiar que aufira um rendimento mensal per capita igual ou inferior ao valor mínimo estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo 16º da Lei nº 37/2003, de 22 de Agosto, na redacção dada pela Lei nº 49/2005, de 30 Agosto;

b) se encontrem, em situação de desemprego ou pertençam a um agregado familiar onde exista, pelo menos, um membro em situação de desemprego devidamente comprovada;

c) todos os beneficiários de qualquer apoio da acção social escolar.

2. Os estudantes que se encontrem numa condições referidas no número anterior e que estudem numa instituição privada de ensino superior recebem, como apoio máximo, o valor da propina máxima cobrada nas instituições de ensino superior público, nos termos da lei.

Artigo 4.º

Requerimento de isenção

1. As isenções de propinas previstas na presente lei são requeridas junto:

a) dos serviços de acção social das respectivas instituições, no caso dos estudantes do ensino superior público;

b) dos  serviços do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no caso dos estudantes do ensino superior privado.

Artigo 5.º

Transferências do valor das propinas para as instituições públicas de Ensino Superior

1. O Estado transfere para cada instituição de ensino superior público o valor correspondente à propina aí fixada, multiplicada pelo número de estudantes matriculados que beneficiem de isenção nos termos da presente lei.

2. A transferência prevista no número anterior decorre nos prazos regulares de transferência do financiamento do Orçamento Geral do Estado para cada instituição, com a excepção do presente ano.

3. O apoio suplementar de isenção de propina destinado aos estudantes do ensino privado é feito directamente entre os serviços de acção social e o estudante.

Artigo 6.º

Refeições sociais

1. O preço máximo da refeição subsidiada no âmbito da acção social escolar para estudantes do ensino superior é fixado em € 1, sendo actualizado anualmente em valor correspondente à inflação verificada, por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

2. Aos estudantes que preencham os requisitos previstos no artigo 3.º são distribuídas senhas de refeição gratuita, sem prejuízo das distribuições gratuitas de senhas de refeição já levadas a cabo à data da entrada em vigor da presente lei.

Artigo 7.º

Transportes

1. Os estudantes do ensino superior beneficiam de uma redução do preço do título de transporte, a qual corresponde a um desconto de 50% no valor da tarifa inteira relativa aos passes mensais em vigor, designadamente os intermodais, os combinados e os passes de rede ou de linha, e bilhetes simples ou pré-comprados, correspondentes ao percurso efectuado.

2. As compensações financeiras a atribuir aos operadores de transportes em razão da obrigação tarifária decorrente da presente lei, são estabelecidas em termos a acordar entre o Governo e as empresas de transporte.

Artigo 8.º

Fase complementar de candidaturas a bolsas e apoios de acção social

1. O processo de candidatura a apoio no quadro da Acção Social Escolar decorre uma vez no início de cada semestre.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o estudante tem direito a requerer revisão do seu processo de candidatura a apoio de acção social escolar, sempre que se verifiquem alterações na sua situação económica, ou na do seu agregado familiar, relativamente à data da análise e decisão do seu processo pelos serviços competentes.

Artigo 9.º

Alojamento

1. O alojamento dos estudantes do Ensino Superior Público nas residências da Acção Social Escolar é totalmente gratuito.

2. Para efeitos do número anterior, têm prioridade na colocação em residências de acção social os estudantes bolseiros e os estudantes abrangidos pelo disposto no artigo 3.º, desde que considerados estudantes deslocados, seguindo-se-lhes os restantes estudantes de acordo com a sua condição social e ponderada a distância à área de residência.

Artigo 10.º

Matrícula na instituição de Ensino Superior

1. A matrícula e o ingresso nas instituições de ensino superior público não está dependente do pagamento de propina, independentemente da modalidade escolhida por cada instituição para esse pagamento.

Artigo 11.º

Normas transitórias

1. Até ao final do ano orçamental em curso, as instituições públicas de ensino superior comunicam em cada mês ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o número de estudantes abrangidos pelo disposto na presente lei, para efeitos de reembolso do montante das isenções de propinas concedidas.

2. O reembolso devido nos termos do número anterior é processado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no prazo de 30 dias após a comunicação.

3. Os estudantes do Ensino Superior Público que se encontrem em condições de beneficiar da isenção prevista na presente lei e que já tenham efectuado o pagamento, parcial ou integral, das respectivas propinas, podem requerer ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o reembolso dos montantes despendidos, o qual deve ser processado no prazo de 30 dias.

4. O Orçamento do Estado contempla a transferência dos montantes necessários para o cumprimento da presente lei, para os serviços de acção social escolar das instituições de ensino superior público.

Artigo 12.º

Disposição revogatória

É revogado o n.º 1 do Despacho n.º 22 434/2002.

Assembleia da República, em 24 de Março de 2009

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