Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"Ao serviço de quem está este governo?"

O PCP apresentou uma Apreciação Parlamentar ao Decreto-Lei que aprova o processo de reprivatização da Empresa Geral do Fomento, S.A.. Miguel Tiago afirmou que não há uma unica justificação para a privatização desta empresa.
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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, gostava de saudar os autarcas e os trabalhadores das empresas envolvidas com a EGF.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português traz a debate o decreto-lei da privatização da EGF por diversos motivos.
Tal como o PCP vem denunciando há muito, o Governo PSD e CDS segue a estratégia iniciada pelo anterior Governo para a privatização do Grupo Águas de Portugal. A privatização da EGF, empresa exclusivamente pública, orientada para o tratamento e gestão dos resíduos sólidos urbanos, e parceira das autarquias nos sistemas multimunicipais, é uma peça da privatização desse Grupo e insere-se na linha de desmantelamento dos serviços públicos que este Governo pretende impor às populações. Por todos os motivos, urge travar este processo.
Em primeiro lugar, a privatização da EGF constitui uma ameaça para os direitos dos trabalhadores do setor, que aproveitamos para saudar novamente. A passagem destes trabalhadores para uma empresa privada, como se verificou em todas as privatizações, representará a gradual perda de direitos e significará para as próximas gerações de trabalhadores o sacrifício do conjunto dos direitos que atualmente se verificam nas empresas onde participa a EGF.
Em segundo lugar, a privatização da EGF representa uma traição da confiança das autarquias, que decidiram constituir empresas e sistemas com um parceiro inteiramente público e tutelado pelo Governo. Agora, constituídas as empresas, o Governo aliena a EGF, convertendo todas as empresas multimunicipais maioritária ou exclusivamente públicas em maioritariamente privadas.
Em terceiro lugar, a privatização da EGF representa uma degradação da qualidade do serviço prestado, o aumento das tarifas e o agravamento da exploração do trabalho.
A privatização da EGF é também um mau negócio, já que a empresa tem resultados positivos ao longo dos anos, o que constitui um proveito que é destinado ao investimento nos sistemas, melhorando gradualmente a qualidade.
Por último, a privatização representa uma degradação do papel do Estado nas políticas de ambiente e de saúde pública e o abandono de uma visão estratégica, num setor que é fundamental para a conceção e prática de várias políticas, desde a política do ordenamento à do ambiente.
As políticas de investimento, a estruturação do setor, a política de tratamento e gestão deixam de estar sujeitas ao controlo público e passam a estar sujeitas aos resultados operacionais dos privados.
Tal como nas outras privatizações, parte do processo de reconfiguração do Estado e de destruição dos serviços públicos, a privatização da EGF não tem um único motivo relacionado com o interesse público, com o interesse do País e das pessoas.
Tal como nas outras privatizações, só há um beneficiado: o privado que compra a empresa. Se o País é prejudicado, se as pessoas são prejudicadas e apenas uma empresa privada é beneficiada, se todos os envolvidos estão contra, se todos os que foram ouvidos se pronunciaram contra, ao serviço de quem está este Governo?
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Dirijo-me principalmente ao Sr. Deputado José Lino Ramos e ao Sr. Ministro do Ambiente, tendo em conta as suas intervenções.
É ideológico e preconceituoso defender que a EGF deve permanecer na esfera pública, deve manter-se uma empresa de capital público ao serviço das populações e não de um grupo restrito de acionistas.
Sr. Ministro, é curioso que seja tão ideológico e tão preconceituoso defender o interesse púbico mas já não seja ideológico defender o privado! Defender que o Estado se deve demitir de todas as suas tarefas, defender que os grupos privados devem predar o interesse público e lucrar à custa da destruição dos serviços não tem ideologia nenhuma por detrás, é mera racionalidade, Sr. Ministro!
Bem vemos o que está a presidir a este processo e o Sr. Ministro, na sua intervenção, comprovou uma coisa que é importante registar: não há um único elemento relacionado com o interesse público, uma única justificação para a privatização desta empresa.
Além do discurso redondo do preconceito e da ideologia, o Sr. Ministro trouxe zero ao debate para justificar esta privatização. E bem sabemos que, para justificar privatizações, o PSD e o CDS não hesitam em encontrar as maiores justificações, mas mesmo assim tiveram muita dificuldade.
A verdade, Sr. Ministro, é que é um mau negócio para o Estado. Aliás, o Sr. Ministro disse mesmo que vão aumentar a exigência da empresa. É curioso que com o Estado não assumam o total da exigência, que degradem o serviço, mas que digam que ao privado vão exigir.
Ao mesmo tempo, veio aqui dizer-nos que é uma chatice tão grande, tão grande, tão grande ser dono da EGF que os privados até vão fazer uma espécie de favor! É uma coisa que até lhes vais custar!… Sr. Ministro, este também é, no mínimo, um argumento de grande debilidade.
A verdade é que as tarifas vão aumentar, a qualidade do serviço vai degradar-se e o Estado vai perder a capacidade de determinar políticas fundamentais, nomeadamente no plano da organização dos sistemas de tratamento de resíduos, com as implicações que isso tem na definição da política do ordenamento.
É importante também relembrar que o Governo leva a cabo este processo não só nas costas das populações como numa perspetiva de traição das autarquias portuguesas. Não só não permite às autarquias que a opinião e a postura sobre este assunto tenha impacto na definição da política, como as impede de participarem, comprando a porção dos sistemas multimunicipais em que a EGF atualmente participa.

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