Lisboa-Estrasburgo: uma aventura ferroviária no século XXI
No encerramento do Ano Europeu do Transporte Ferroviário, o deputado do PCP no Parlamento Europeu, João Pimenta Lopes, realizará a viagem Lisboa-Estrasburgo, para participar na sessão plenária de Dezembro do PE, não de avião, como habitualmente, mas de comboio, usando as ligações possíveis.
De Lisboa ao Entroncamento, daqui até Badajoz, seguindo depois para Madrid, com permutas em Barcelona e Paris antes de chegar a Estrasburgo, esta viagem será o espelho de uma realidade, quer no plano nacional quer no internacional, que está muito distante da retórica da aposta na ferrovia difundida ao longo dos últimos meses.
Pesem meses de propaganda, há uma realidade contraditória e sombria, que se caracteriza por um imenso retrocesso no plano da rede ferroviária em Portugal e das ligações internacionais à Europa. O aparato em torno da necessidade de uma maior utilização do comboio como meio de transporte (uma necessidade real), protagonizado pela Comissão Europeia e pelo Governo Português, não pode omitir que a situação actual é inseparável das orientações da UE para o sector, com os seus quatro “pacotes ferroviários”, transpostas nas opções políticas de PS/PSD/CDS, responsáveis por promover a liberalização, mercantilização e privatização do sector ferroviário, com consequente desinvestimento e degradação da ferrovia.
Desde 1988 que os portugueses perdem transporte ferroviário: 1200 km de linhas desactivadas, 20 mil postos de trabalho perdidos, capacidade produtiva encerrada e o desmembramento da CP.
A realidade demonstra que a concretização desta política tem agravado as condições do serviço público de transporte ferroviário prestado às populações, as suas condições de mobilidade e as tarifas de transporte; tem significado a supressão de centenas de quilómetros de rede ferroviária, o encerramento de estações, a redução do número de passageiros e da qualidade dos serviços, assim como a diminuição do número de trabalhadores no sector ferroviário e o ataque às suas remunerações e direitos laborais. A capacidade produtiva e operacional encerrou-se ou comprometeu-se, desmembrou-se a CP. Estas são algumas das consequências da política de liberalização do transporte ferroviário e de desagregação e debilitação deste importante serviço público.
Em Portugal, desde 2003 que não se compra um comboio, pesem os processos em andamento para a aquisição de material circulante (insuficientes face ao fim do tempo de vida útil de muito do material circulante e as necessidades que daí resultam, a par da ausência de incorporação nacional).
Já a Alemanha e a França – que impuseram a desintegração do sistema ferroviário em países periféricos como Portugal, optando eles próprios por não a fazer – são apontados como os países europeus mais bem-sucedidos na ferrovia. Países que não seguiram a receita que quiseram impor aos outros, receita essa que foi diligentemente aplicada pelos governos responsáveis pelo estado actual da ferrovia nacional.
As ligações internacionais do país estão hoje limitadas a Porto-Vigo e Entroncamento-Badajoz (numa automotora a diesel que não ultrapassa os 60km/h), após o encerramento da oferta das principais ligações ferroviárias internacionais de passageiros, particularmente as ligações a Paris por Hendaya com o Sud Express e a Madrid com o Lusitânia Expresso, no ano passado. A resposta à necessidade de descarbonização exige um outro olhar e investimento sério na ferrovia que, associando-se à redução da dependência energética nacional, permita reduzir o uso de transporte individual e do transporte rodoviário de mercadorias.
Portugal precisa de uma ferrovia que assegure o direito das populações à mobilidade, garantindo a ligação em rede de todas as suas principais cidades, mas também aos seus portos, aeroportos e centros logísticos, respondendo às necessidades de desenvolvimento soberano do país e potenciando melhorias ambientais e uma efectiva coesão económica, social e territorial. E que assegure a ligação desse todo com Espanha e o resto da Europa.
O país precisa da reunificação e reconstituição de todo o sector ferroviário nacional, agregando operação, infraestrutura e manutenção numa empresa única e pública – a CP, – e de investir a longo prazo na recuperação e desenvolvimento da capacidade produtiva nacional de material circulante – que o país já teve.
O país precisa de uma verdadeira prioridade ao desenvolvimento da ferrovia nacional, planificando e concretizando os investimentos públicos necessários à substituição da frota nacional de transporte ferroviário pesado de passageiros nos próximos 15 anos, e de reconstruir a resposta pública de transporte de mercadorias.
A iniciativa agora levada a cabo pelos deputados do PCP no PE visa denunciar esta realidade e afirmar a urgência das acções acima referidas. Além da viagem de comboio a realizar por João Pimenta Lopes - a mais rápida ligação possível, por comboio, entre Lisboa e Estrasburgo, três dias de viagem, quase 57 horas com 5 ligações distintas – serão levadas a cabo outras iniciativas, em Lisboa e Estrasburgo, além de uma campanha nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter dos deputados do PCP no PE).
Programa detalhado
10 Dezembro
- 10h - Reunião de João Pimenta Lopes, com a Administração da CP, em Lisboa;
- 12h - Reunião com as comissões de trabalhadores da CP, IP
11 Dezembro: partida de Lisboa, rumo a Estrasburgo
- 8h23 Lisboa Oriente - Entroncamento 09h23;
- 10h24 Entroncamento - Badajoz 14h14;
12 Dezembro:
- 8h45 Badajoz - Madrid Atocha 13h47;
- 14h25 Madrid Atocha - Barcelona Sants 17h21;
13 Dezembro: chegada a Estrasburgo
- 9h10 Barcelona Sants - Paris Gare de Lyon 15h46;
- 17h25 Paris Est - Estrasburgo 19h13;
14 Dezembro:
- 10h - Conferência de imprensa no Parlamento Europeu em Estrasburgo;
- 11h - Reunião com organizações internacionais de transporte ferroviário, “Railway for the future: a look on the reality and the needs ahead”, Parlamento Europeu;
16 Dezembro:
- 10h - Tribuna Pública “MUITA-TERRA PARA POUCOS COMBOIOS”. Da propaganda à realidade: a importância estratégica da ferrovia, com a presença de João Pimenta Lopes e vários convidados ligados ao sector ferroviário – junto à Gare do Oriente, em Lisboa.