Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"O ano de 2014 só será diferente se diferente for quem governa"

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Os poucos dias deste início de 2014 confirmam já os perigos com que o povo português e a democracia estão confrontados, colocando exigências redobradas à luta contra o Governo e a sua política.
O Governo e a maioria já confirmaram que estão apostados em acelerar ao máximo o ritmo das medidas do programa político de exploração e saque aos trabalhadores e ao povo português, levando tão longe quanto possível a destruição de direitos e a mutilação da democracia.
Querem, rapidamente, transformar em definitivo tudo aquilo que diziam ser apenas temporário.
Querem tornar definitivos, antes da saída da troica, os cortes salariais, o saque das pensões, a facilitação dos despedimentos e a precarização das relações laborais.
Querem tornar irreversíveis os cortes nos direitos à educação, à saúde, à segurança social, procurando que sejam irreparáveis as medidas de desmantelamento do SNS, da escola pública, da segurança social, de privatização de empresas públicas e outras medidas que entretanto foram tomando.
Ao mesmo tempo que aceleram as medidas estruturais para tornar definitivo este programa de concentração da riqueza, empobrecimento do povo e exploração dos trabalhadores, o Governo e a maioria estão apostados em fazer esquecer que interesses servem estas políticas e quem são os seus responsáveis.
Não há uma palavra do Governo ou dos Deputados do PSD e do CDS sobre o aumento do número de milionários e das suas fortunas, ao mesmo tempo que entre o povo alastra a pobreza, a miséria e a emigração.
O Governo e a maioria anunciam o final do pacto e a saída da troica como o momento em que se iriam embora todos os nossos problemas, em que nos libertaríamos do protetorado para recuperar a nossa soberania e os nossos direitos.
Tentam vender a ilusão de que tudo aquilo que foi imposto aos trabalhadores e ao povo nos últimos três anos foi obra exclusiva da troica estrangeira e que a partir da sua saída, lá para meados do ano, tudo será diferente.
Falam das medidas e das imposições da troica como se as assinaturas de PS, do PSD e do CDS naquele pacto não fossem a sua própria aceitação da ocupação estrangeira. Como se não tivesse havido um Governo PSD/CDS de Passos e Portas a executar fielmente todas as medidas desse pacto contra o povo e o País, sem oposição do PS. Como se esse Governo de Passos e Portas não tivesse mesmo assumido querer ir mais longe que a troica no roubo de direitos e de futuro a quem trabalha.
Este pacto foi assinado para servir os interesses da banca e dos grandes grupos económicos e foi executado contra os interesses do povo e do País. Os seus responsáveis são os três partidos que o assinaram, o Governo que o executou e a maioria parlamentar de geometria variável que o apoia e, por isso, terão de responder perante o povo.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
As notícias deste início de 2014 dão conta de um País arrasado e da intenção do Governo em prosseguir a sua obra destruidora.
O final de 2013 trouxe mais um chumbo do Tribunal Constitucional — agora à designada «convergência de pensões» —, confirmando que temos um Governo que governa à margem e contra a Constituição e a democracia.
A resposta do Governo à declaração de inconstitucionalidade é a da que insistirá no roubo aos mesmos, aos pensionistas e reformados, ainda que por outra via.
Os tribunais administrativos proferiram decisões que travaram a prova de humilhação imposta pelo Governo aos professores, mas o Ministro Nuno Crato insiste que em 2014 o Governo vai fazer tudo para levar a prova por diante.
Os novos roubos nos salários previstos no Orçamento do Estado para 2014 foram promulgados pelo Presidente da República nos últimos dias de 2013, mas ficámos entretanto a saber — no rescaldo de mais uma recauchutagem governamental em que foram substituídos três Secretários de Estado —, que o ex-Secretário de Estado da Administração Pública Hélder Rosalino deixou em legado ao novo responsável a preparação de novas medidas de corte salarial na Administração Pública com a tabela remuneratória única e o corte de suplementos salariais.
E mantém-se a determinação do Governo para 2014 em rever novamente, para pior, a legislação laboral, correspondendo aos desejos da troica, que quer ver criados os mecanismos que permitam despedir trabalhadores com mais antiguidade por trabalhadores mais novos e mais qualificados, mas pagos com salários da década de 40 do século passado.
Confirmámos ainda, neste início de 2014, numa notícia divulgada hoje mesmo, que não é exagerada a acusação que o PCP tem feito ao Governo de que as suas políticas estão a conduzir muitos portugueses à morte antecipada.
A notícia que dá conta da situação de uma cidadã portuguesa, utente do SNS, a quem foi diagnosticado um tumor inoperável, depois de ter estado dois anos à espera de uma colonoscopia por falta de recursos da unidade hospitalar que a devia realizar, é a dura confirmação das consequências da política de direita que ataca o direito dos portugueses à saúde e desmantela o SNS.
Esta política, Sr.as e Srs. Deputados, não é cega, é uma política com natureza de classe, que nega o direito à saúde aos trabalhadores e ao povo, transformando-a num bem ao alcance apenas de quem o possa pagar.
Quem tem meios para pagar serviços privados ou seguros de saúde não enfrenta filas de espera nem a negação de exames ou cuidados. Quem necessita do SNS vê diariamente ser-lhe negado o direito constitucional à saúde.
O Governo tem de ser responsabilizado pelo que está a fazer à vida e à saúde dos portugueses e o PCP entregará hoje mesmo um requerimento para que o Ministro da Saúde venha à Assembleia da República prestar contas pela política que está a executar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A política de direita executada por este Governo apoia-se em operações massivas de propaganda e da mais primária demagogia.
A propósito das estatísticas do desemprego, divulgadas hoje pelo Eurostat, assistimos a nova manobra de demagogia por parte da maioria, na qual, de resto, encaixa a declaração política do CDS que acabámos de ouvir.
Vangloriam-se PSD e CDS pela redução estatística da taxa de desemprego, constatada pelo Eurostat a partir de dados fornecidos pelo próprio Governo.
Vangloriam-se desta redução estatística, ignorando a destruição de postos de trabalho em Portugal e o facto de estarmos muito acima da média da União Europeia e da zona euro nos níveis de desemprego global e desemprego jovem.
PSD e CDS desconsideram o efeito da emigração dos desempregados e da desistência da inscrição nos centros de emprego de muitos daqueles que continuam desempregados.
Para o Governo e a maioria PSD/CDS, o problema do desemprego estaria resolvido se todos os desempregados emigrassem ou deixassem de estar inscritos nos centros de emprego.
Esta é a marca de um Governo pouco preocupado com o desemprego como problema social e económico e apostado em manter o desemprego em níveis estruturais elevados para garantir os objetivos de agravamento da exploração.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O ano de 2014 só será diferente se diferente for quem governa e diferentes forem as políticas seguidas.
A derrota deste Governo, a convocação de eleições antecipadas e a construção de uma política alternativa continuarão, por isso, a ser objetivos imediatos do PCP, pelos quais continuaremos a lutar, ao lado do povo e dos trabalhadores.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Junqueiro,
Agradeço-lhe as questões que colocou e queria começar por responder-lhe relativamente à primeira questão que levantou, sobre o Orçamento do Estado e sobre mais uma declaração de inconstitucionalidade, neste caso em relação à chamada «convergência das pensões», que tem, necessariamente, impactos orçamentais.
Há um problema de fundo, que é o de saber se este confronto com a Constituição que, reiteradamente, o Governo assume — sabendo qual é a Constituição que tem para cumprir e sabendo que tem de a cumprir para respeitar as regras de funcionamento das instituições democráticas —, é um confronto que acontece por acaso, por desleixo, por displicência do Governo, ou se é um confronto propositado. E a questão, Sr. Deputado José Junqueiro, tem, quanto a nós, uma resposta simples: o confronto é propositado.
É propositado por duas ordens de razão: por um lado, porque o Governo tem um programa político para cumprir, que é um programa político contrário à Constituição e à democracia e, para cumprir esse programa político, não pode cumprir a Constituição — daí as decisões inconstitucionais; por outro lado, é propositado também, porque este Governo está a procurar fazer o caminho para subverter a Constituição, para a desfigurar e, eventualmente, chegar ao ponto em que a ideia pública que cria da Constituição é a de que ela é um entrave ao desenvolvimento do País, quando neste momento, nesta situação em que atualmente vivemos, se confirma que é a Constituição o elemento de defesa do progresso do nosso País, porque é o elemento que se opõe a esta política de retrocesso que o Governo está a levar por diante. E é preciso que este alerta fique bem sublinhado nesta Assembleia da República: o Governo está a criar as condições para que, do ponto de vista da opinião pública, do ponto de vista geral, a Constituição possa ser apontada como um entrave ao caminho que o País tem para percorrer. E é precisamente o contrário! É a Constituição que aponta um caminho daquele que a política do Governo está a imprimir, porque é uma Constituição que aponta o caminho do progresso, do desenvolvimento, da justiça social no nosso País.
E, Sr. Deputado José Junqueiro, em relação ao Orçamento retificativo, ele será retificativo entre aspas, porque daquilo que já está anunciado pelo Governo e que, de resto, tem o apoio das bancadas da maioria, a retificação será apenas em relação ao caminho a fazer para penalizar os mesmos. Não há uma retificação às opções de fundo que este Governo e esta maioria sustentam em relação ao Orçamento do Estado. Aquilo que o Governo anunciou, e que as bancadas da maioria já anunciaram apoiar, é a penalização dos reformados, dos pensionistas, por uma outra via, procurando contornar a decisão do Tribunal Constitucional.
Para que houvesse um Orçamento verdadeiramente retificativo, ele teria que retificar, que alterar as opções de fundo que penalizam quem trabalha, quem trabalhou uma vida inteira, hipotecam o futuro dos jovens e o futuro do nosso País, para defender os interesses do capital e dos grupos económicos.
Por isso, Sr. Deputado José Junqueiro, termino, dizendo-lhe que a questão não é a do adiamento do Orçamento do Estado, não é a do adiamento destas medidas. A questão política que hoje se coloca como decisiva para o futuro do nosso País é a rutura com estas políticas e a construção de uma política alternativa e de esquerda.
Ficamos com pena de não ter ouvido, da parte do Partido Socialista, nada relativamente a isto.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Agradeço as questões que coloca e começo por responder às que levantou em relação à saúde.
De facto, já assistimos nesta Assembleia da República a reações, verdadeiramente abespinhadas, de membros do Governo, quando o PCP o confrontou com a acusação de que a política de saúde deste Governo está a conduzir portugueses à morte antecipada. E nós fizemos esta acusação pesando as palavras e tendo em conta o sentido que elas comportam. E dissemos isto quando o Governo impediu muitos milhares de portugueses neste País de terem acesso a exames e cuidados de saúde por falta de transporte, quando o Governo impede os portugueses de terem acesso aos cuidados de saúde de que necessitam, porque não têm condições para suportar os custos das deslocações, para suportar os custos dos medicamentos, para suportar os custos dos exames, para suportar os custos das taxas moderadoras. E este exemplo que hoje trouxemos aqui é o exemplo dramático, gritante na vida de uma cidadã, em que se traduzem estas opções políticas deste Governo que, de facto, conduzem à morte antecipada de muitos milhares de portugueses neste País.
E ao exemplo que demos podem associar-se esses que referiu do distrito de Aveiro, mas podem também associar-se outros. Nesta época natalícia, nos distritos de Évora e Portalegre, nós tivemos exemplos concretos do falhanço da estrutura de emergência, na resposta a situações de emergência, das quais decorreu a morte de vários cidadãos e em que tínhamos as VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) ou helicópteros com escalas em branco, porque não há profissionais nem meios para manter e assegurar escalas de 24 horas dos meios de emergência que são precisos para socorrer as pessoas nestes casos. E este é o retrato dramático de uma realidade em que, de facto, se confirma que a política de saúde deste Governo está a conduzir muitos portugueses à morte antecipada.
E o problema é que essa não é uma política cega. É uma política seletiva, que atinge aqueles que não têm meios para aceder à saúde, porque aqueles que os têm sempre conseguem recorrer aos cuidados privados e aos seguros de saúde. Quem não tem esses meios e precisa do Serviço Nacional de Saúde para a ela ter acesso é que vê esse direito negado e esse é o retrato destas opções políticas que este Governo toma.
Mas também em relação às outras questões que colocou, Sr. Deputado, não as queria deixar sem resposta, nomeadamente em relação a esta questão da inconstitucionalidade das medidas tomadas pelo Governo e da forma como ele procura sempre, por caminhos enviesados, atingir os mesmos objetivos, atingindo sempre os mesmos do costume. E nós, nesta fase, estamos confrontados, realmente, com um problema que tem de ser encarado de frente, que é o problema do discurso que o Governo vai procurando fazer, anunciando lá para meados deste ano, o desaparecimento de todos os nossos problemas porque a troica se vai embora, identificando a troica como a responsável pelas medidas que têm sido aplicadas nos últimos três anos. Não são as três instituições da troica as responsáveis pelas políticas; é este Governo e os três partidos que assinaram o pacto, com aquele programa político para executar.
E aquilo que este Governo se está agora a preparar para fazer é ter pronto, na altura em que a troica se for embora, todas as medidas que até agora eram anunciadas como provisórias, na sua configuração definitiva. Aquilo que este Governo se está a preparar para fazer é, antes da saída da troica, tornar definitivos os cortes nos salários, tornar definitivos os cortes nas pensões, tornar definitivo os ataques à saúde, à educação, à segurança social, para que, depois, se possa dizer: «Bem, foi-se embora a troica, estão resolvidas as medidas temporárias», quando, afinal, todas elas já se transformaram em definitivas.
E nós não podemos senão dar combate a estas opções, porque, se não o fizéssemos, isso significaria a perpetuação deste rumo de retrocesso, de empobrecimento generalizado do povo português e de agravamento da exploração dos trabalhadores, que este Governo levou por diante. E contra esse projeto, estes partidos, este Governo e quem mais apoia este caminho, estará sempre o PCP.

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