Intervenção de

Animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Requisitos para a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Decreto-Lei n.º 312/2003 deu os primeiros passos no estabelecimento de um quadro legal que se vinha exigindo face à proliferação de situações de agressividade e violência com intervenção ou recurso a animais perigosos ou potencialmente perigosos.

Esta é apenas mais uma manifestação de violência provocada essencialmente pelos desequilíbrios sociais que se vivem, fruto das políticas que alargam franjas de marginalidade pela via da degradação da qualidade de vida, pela generalização da desorientação social e do desemprego. É mais uma das diversas expressões que a violência adquire, juntando-se a tantos outros comportamentos que acabam por virar ser humano contra ser humano, no âmbito de uma sociedade pejada de injustiças cada vez mais profundas, numa sociedade em que o conjunto de excluídos, de segregados e de pessoas que não encontram no Estado as respostas necessárias aos seus reais problemas, pelo contrário recebem diariamente do Estado o desprezo e a marginalização forçada, tendendo a violência a ser um recurso inevitável, quer para a sobrevivência quer para o enquadramento forçado do indivíduo, numa sociedade que sistematicamente o rejeita.

A posse de animais de companhia, por seu lado, é uma prática salutar e comum entre os cidadãos, devidamente enquadrada na lei, sendo, aliás, até de alguma forma promovida pela própria sociedade, sempre que existe em seu torno um conjunto de actividades que vão desde o comércio, passando pelo lazer e pelo associativismo.

Estas práticas, principalmente a cinofilia, a ailurofilia, não podem, no entanto, comportar mais riscos para saúde, segurança ou integridade das pessoas que o mínimo intrínseco inevitável a cada uma delas.

Assim sendo, tem todo o cabimento que a legislação vá dando resposta a novas situações ou ao agravamento de outras que se vão repetindo, salvaguardando a saudável convivência entre todos os cidadãos, praticantes ou não destas práticas.

Acresce que a legislação sobre esta matéria, sendo dedicada, como não poderia deixar de ser, em primeiro lugar, à salvaguarda dos direitos dos cidadãos à segurança, à saúde, à autodeterminação e à integridade física, acaba por ter um efeito colateral positivo, que é o da limitação da possibilidade da utilização do animal para a prossecução de fins que põem em causa também o respeito pela sua própria vida e pelo seu bem-estar. Garantindo o direito a conviver em paz com os animais, garante-se também o respeito pela forma de vida animal.

O PCP considera que o actual regime legal consagra mecanismos que são de facto ajustados à situação e às diversas expressões que adquire, o que não significa a ausência de concordância com as presentes iniciativas que hoje o CDS-PP e o Partido Socialista nos apresentam. No essencial, estas visam o aperfeiçoamento e ajuste da actual legislação à experiência da sua aplicação e às incapacidades que tem vindo a demonstrar ter.

De um ponto de vista global, manifestamos assim o nosso acordo, sendo que algumas dúvidas, nomeadamente no plano da exequibilidade, se levantam. Entre outras questões, importa também garantir que em posterior regulamentação se clarifiquem o que são distúrbios mentais e psicológicos a que se referem os projectos no âmbito do impedimento de obtenção de licença, sendo que devem ser exclusivamente aqueles que se prendam com patologias de comportamento social ou de agressividade ou comportamento violento, distinguindo de outros que podem não ter qualquer influência no comportamento do indivíduo perante a sociedade.

É neste sentido de generalizado acordo que o PCP, ainda assim, não quer deixar de vincar o seu empenho no combate a uma prática violenta que se vai verificando com recurso a animais perigosos, que os despreza na sua qualidade de seres vivos, que os utiliza como armas contra pessoas e que os utiliza como instrumento de poder e afirmação social, acarretando risco para a vida de cidadãos, entre os quais, os próprios detentores do animal ou seus familiares, como alguns recentes casos, infelizmente, nos têm vindo a provar.

No entanto, é importante colocar, neste momento, uma preocupação de muitos partilhada pelo PCP: a impunidade, a inoperância e a inexequibilidade que se verificam no cumprimento, ou, melhor dizendo, no incumprimento da actual legislação. Não raras vezes, cidadãos passeiam os seus animais potencialmente perigosos, geralmente de grande porte, de grande potência corporal e de grande potência de mandíbula sem qualquer trela ou açaime, e por vezes até mais do que um animal. Não são raras as vezes em que, às portas de estabelecimentos de ensino, em zonas de convívio ou em outros espaços públicos, como espaços verdes ou praças urbanas, estes animais, desprovidos de açaime ou trela, acompanham os seus donos à distância convivendo em espaços com outros animais, crianças e adultos que não são seus donos.

Impõe-se uma fiscalização mais consistente, capaz de ter um efeito, por um lado, dissuasor e, por outro, preventivo, como se impõe também uma aplicação rigorosa da lei nos casos de incumprimento verificado, nomeadamente nos casos de utilização dos referidos animais como forma de agressão física ou psicológica sobre outrem. O problema da legislação nesta matéria é, essencialmente, a fiscalização.

Ora, quando abordamos estas questões teremos necessariamente de abordar também a protecção dos próprios animais. Neste domínio, não faltam exemplos de leis que nunca foram regulamentadas, de leis que não são fiscalizadas, de incumprimentos que conduzem a casos de maus tratos de extrema violência a animais. E, muitas vezes, a violência desses animais resulta desses maus tratos que lhes são directa e reiteradamente infligidos. Não faltam no quotidiano casos de parques zoológicos sem as mínimas condições, de utilização de animais em actividades de espectáculos e circenses sujeitos a bárbaras condições de tratamento, em que nem a legislação existente - que é manifestamente insuficiente - é respeitada.

Por este motivo, é necessário reforçar a fiscalização como factor essencial de um verdadeiro combate a esta expressão da violência, o que é até mais adequado do que o método intrusivo de exigir um atestado de condição física e mental que, hoje, ambos os diplomas nos propõem.

Sobre outros aspectos mais específicos de ambos os diplomas (projectos de lei n.os 207/X e 375/X), que no essencial se propõem ao mesmo desígnio, o PCP manifesta toda a vontade e disponibilidade para, em trabalho conjunto, em sede de comissão, apresentar as suas propostas e dúvidas.

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