Exposição de motivos
O sistema público de segurança social visa proteger os trabalhadores num conjunto alargado de situações, como na doença, no desemprego, na situação de invalidez ou doença, na maternidade e na paternidade, desempenhando um papel fundamental e insubstituível na garantia dos direitos do povo.
Este sistema público, universal e solidário concretiza as suas finalidades de proteção através do regime contributivo, do regime não contributivo e da ação social, desempenhando estas diferentes modalidades uma função complementar entre si, que permite estender a proteção social a um conjunto mais vasto de eventualidades e de situações de risco.
No que toca ao regime contributivo este assume a natureza de “espinha dorsal” do sistema, visto que abrange, em princípio, todos os trabalhadores e permite, pelas receitas que arrecada com as contribuições destes e das correspondentes entidades patronais, fazer face às necessidades de proteção que estes venham a experienciar, correspondendo este funcionamento a um modelo de repartição assente na solidariedade intergeracional.
Por sua vez, o regime não contributivo, que recebe as suas receitas através das transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social, consubstancia uma forma de solidariedade que integra toda a sociedade e visa garantir a existência digna e condigna de todos aqueles que necessitam de apoios e prestações sociais, enquanto as situações que ditaram a sua atribuição subsistirem.
Como conquista de Abril, a segurança social universal e solidária merece consagração constitucional, através de duas vertentes essenciais: enquanto incumbência do Estado e enquanto complexo de direitos e deveres dos trabalhadores.
Quanto à primeira finalidade, estabelecida no art.º 63.º/2 da CRP, o Estado tem o dever de organizar um sistema de segurança social público, obrigatório, universal, unificado, descentralizado e participado.
No que respeita à segunda vertente, concretiza-se no direito que os indivíduos e as famílias têm à segurança económica que se concretiza fundamentalmente, no que toca ao regime contributivo, em prestações pecuniárias que visam garantir as necessidades de subsistência que derivam da interrupção ou diminuição de rendimentos do trabalho, tentando garantir rendimentos de substituição dos rendimentos de trabalho perdidos e, no que toca ao regime não contributivo, em prestações pecuniárias ou em espécie ou outro tipo de apoios que visam assegurar que todos os cidadãos conseguem aceder a um mínimo de subsistência, que lhes permita uma existência digna.
O PCP considera que este sistema público tem de ser defendido, sendo para tal necessário o aprofundamento do atual modelo de repartição, assente na solidariedade geracional entre os trabalhadores e na responsabilidade das entidades patronais e do Estado na realização destas finalidades.
Mas as forças da política de direita – PS, PSD e CDS – têm tido um entendimento diferente, como se tem demonstrado ao longo de décadas, procurando a coberto da pretensa insustentabilidade da segurança social, acabar com o seu caracter público, universal e solidário, colocando-a ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, nomeadamente da banca e das seguradoras.
Um conjunto de medidas têm sido adotadas pelos sucessivos Governos que prejudicam a sustentabilidade financeira da segurança social, com vista à sua destruição. Evocando o PAEF, o Pacto Orçamental e o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, afirmando a necessidade de redução de despesa, num programa mais amplo da dita “Reforma do Estado”, argumentando falaciosamente que com estas medidas se estava a promover a sustentabilidade do sistema público de pensões e assim a aprofundar a convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social do setor privado, os sucessivos Governos desferiram duros golpes quer no sistema de segurança social dos trabalhadores do setor privado, quer no sistema da CGA que abrange os trabalhadores da Função Pública, procurando torná-los insustentáveis.
A coberto deste discurso cortaram as reformas em pagamento, alteraram – para pior – as fórmulas de cálculo, aumentaram a idade de acesso à pensão de velhice, introduziram o dito fator de sustentabilidade, criaram contribuições especiais que na verdade são verdadeiros impostos, agravaram a “condição de recursos” de forma a excluir do acesso às prestações sociais milhares de portugueses que precisam delas para sobreviver, reduziram a atribuição do abono de família e das demais prestações sociais. Além do mais, erigiram verdadeiras muralhas burocráticas e promoveram atrasos imensos na concessão das prestações a quem mais precisa.
Os resultados destas políticas dos sucessivos governos em matéria de segurança social estão à vista: entre Dezembro de 2009 e Dezembro de 2014, 553.245 crianças perderam o acesso ao abono de família, 180.723 pessoas perderam o aceso ao rendimento social de inserção, 54.439 idosos perderam o complemento solidário para idosos – prestações orientadas exatamente para os estratos mais necessitados.
A estratégia amplamente desenvolvida por este governo de opor trabalhadores a trabalhadores e trabalhadores a reformados, não encontra qualquer sustentação, pois não é o valor das reformas hoje a pagamento (fruto dos descontos dos trabalhadores e da solidariedade inerente ao próprio sistema) que faz com que os atuais trabalhadores vejam o seu acesso a prestações sociais atuais ou futuras limitado, nem são os fatores de ordem demográfica que determinam a quebra de receita contributiva e aumento da despesa mas sim as opções de natureza económica, que levam à recessão e ao aumento do desemprego, que determinam um problema de sustentabilidade da segurança social.
De todo o modo, desde que feita com seriedade – coisa que os sucessivos governos não têm feito - a discussão da sustentabilidade financeira da segurança social é bastante pertinente.
No que toca à Caixa Geral de Aposentações, cumpre esclarecer que a sua descapitalização foi levada a cabo durante anos pelos sucessivos governos PS e PSD, com ou sem CDS, juntamente com as baixas contribuições das entidades empregadoras públicas e com a não transferência das verbas devidas via Orçamento do Estado.
Além do mais, a transformação da CGA num sistema fechado a partir de 2006 levou a que tenha havido, entre 2006 e 2012, uma diminuição do número de subscritores em 204.408 e a uma perda anual de receita em 1.500 milhões de euros.
Será ainda de ter em conta que, face à grande instabilidade vivida pelos trabalhadores da Administração Pública promovida pelos sucessivos Governos, a que acresce o programa de rescisões proposto por este último Governo PSD/CDS, muitos trabalhadores da Administração Pública têm sido empurrados para uma aposentação precoce ou para o desemprego.
O próprio desemprego, flagelo social que atinge aproximadamente 1 milhão e 400 mil trabalhadores, juntamente com a desvalorização dos salários, tem impactos determinantes na sustentabilidade da Segurança Social, determinando, entre 2011 e 2012, uma quebra na receita das contribuições na ordem dos 672 milhões de euros.
Recentemente, o 1.º Ministro afirmou que iria abandonar os planos para a chamada “reforma estrutural” lançando no entanto este desafio ao PS, na procura de uma convergência de posições, que invariavelmente se traduzirá na penalização dos trabalhadores e dos seus rendimentos, como as últimas décadas têm demonstrado.
Mais recentemente, o PS assume o compromisso de baixar as contribuições para a segurança social, plafonamento vertical, para promover o consumo e os planos de reformas privados.
Na realidade, para os executores da política de direita a “sustentabilidade” da segurança social é prosseguida através do equilibrar das contas públicas com a redução de despesas com os apoios e prestações sociais, do avolumar de dívida e da facilitação da evasão contributiva por parte das entidades patronais (particularmente através da recorrente prescrição de dívidas que ditam anualmente uma avolumada perda de receita), da transferência de receitas da Segurança Social para fins que lhe são alheios e da subordinação das políticas de segurança social às políticas económicas e aos interesses do grande capital, especialmente através da desregulação das relações laborais e da desvalorização dos salários.
Tudo isto integrando num grande plano de transformar o sistema público e universal de segurança social num sistema residual, assistencialista, minimalista e assente na seletividade da atribuição do conjunto das prestações sociais.
Assim, o atual Governo, na senda dos anteriores, tem implementado essas medidas de caracter assistencialista e caritativo, afirmando-as como formas excecionais de apoio a quem mais precisa, ao mesmo tempo que reduz a atribuição das prestações sociais a que estas pessoas têm direito – o que aumenta em caridade, reduz em dignidade.
Por outro lado, como o PCP tem questionado por diversas vezes, limita o acesso dos beneficiários às informações e esclarecimentos devidos, fecha postos de atendimento, limitando em grande medida o acesso dos contribuintes/beneficiários à segurança social descentralizada e próxima das populações, ao mesmo tempo que despede trabalhadores da segurança social, recorrendo à precariedade para colmatar algumas dessas vagas.
A linha de chantagem e de “dar com uma mão para tirar com a outra” prosseguida por este Governo chega ao ponto de colocar os próprios trabalhadores a financiar o aumento do salário mínimo, comprometendo ao mesmo tempo a sustentabilidade da Segurança Social por via da redução da TSU para as entidades patronais.
A dia 30 de Setembro de 2014 foi publicada em Diário da República a atualização do salário mínimo para 505€, até ao final de 2015, juntamente com a descida da TSU de 23.75% para 23%. Assim, a entidade empregadora apesar do aumento do salário mínimo, arrecada 3.79€ por trabalhador. De acordo com os dados governamentais, existem atualmente 350 mil trabalhadores que auferem o salário mínimo. Se fizermos as contas, com este aumento, a segurança social vai arrecadar mensalmente 0.96€ a mais por trabalhador, o que ao final do ano corresponderá a 4.7 milhões de euros.
No entanto, não fosse a descida da TSU, benesse indevidamente dada ao patronato, anualmente a segurança social arrecadaria mais 18.6 milhões de euros. Eis o caminho da pretensa sustentabilidade encetado por este Governo.
O Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, afirmou que esta medida seria assegurada pelo Orçamento do Estado, de forma a não comprometer a sustentabilidade da Segurança Social. No entanto, não deixa de ser uma situação em que, para salvaguardar as margens de apropriação e acumulação do patronato se penaliza novamente os trabalhadores, que através dos sucessivos Orçamentos do Estado e outra legislação têm sido espoliados dos seus rendimentos. Basta ver, ainda, o volume de transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social, cada vez mais diminuto.
O PCP rejeita este caminho de afundamento do sistema público de segurança social, afirmando que é urgente e necessário garantir a reposição dos rendimentos roubados nas pensões e salários e a sua valorização, a efetivação do conjunto de apoios e prestações sociais de forma suficiente e digna, bem como a promoção de uma efetiva convergência da proteção social dos sectores público e privado.
Como temos vindo a afirmar, um sistema público, universal e solidário é inseparável da garantia da proteção social de todos os portugueses, deve responder às duas vertentes do direito à segurança social, como constitucionalmente consagrado. Assim, a dimensão de direito subjetivo dos trabalhadores deverá efetivar-se através da garantia da proteção devida, nomeadamente através da atribuição das prestações sociais, com base em critérios de justiça e de solidariedade.
Quanto ao correspetivo dever do Estado, este materializa-se no dever de assegurar as suas fontes de financiamento e de garantir que a natureza e finalidades deste sistema correspondem aos direitos de proteção social das sucessivas gerações de trabalhadores e da população.
Por tudo isto, o PCP defende que as medidas necessárias ao reforço e fortalecimento do Sistema de Segurança Social, defendendo o seu caracter público, universal e solidário, deverão passar por:
• Uma política económica que coloque o pleno emprego como meta, que promova o desenvolvimento económico e social bem como valorize os salários.
• Uma correta gestão das receitas geradas no âmbito do regime previdencial dos trabalhadores e num efetivo combate à evasão e dívida contributiva;
• No aprofundamento da diversificação das suas fontes de financiamento, que conjugue parcelas relativas ao volume de emprego e ao Valor Acrescentado Líquido;
• No assegurar das adequadas transferências financeiras para garantir os direitos no âmbito do regime não contributivo da Segurança Social.
É neste quadro, e para dar resposta à necessidade de amplificação das fontes de financiamento do sistema de segurança social, que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta este Projeto de Lei, que prevê uma contribuição complementar das empresas que têm mais lucros mas que contribuem pouco para a Segurança Social tendo em conta a riqueza líquida refletida no Valor Acrescentado Líquido, o que permitirá incentivar a criação de emprego, reequilibrar as condições de desenvolvimento da atividade económica e assegurar a sustentabilidade dos sistema público de segurança social a curto, médio e longo prazo.
Desta forma, coloca-se a riqueza produzida a contribuir para o financiamento do regime contributivo e para a sustentabilidade do Sistema de Segurança Social.
De facto, a manutenção das contribuições das empresas calculadas com base nas remunerações pagas determina que uma parte do valor gerado pelas empresas escape ao pagamento de quaisquer contribuições para o regime contributivo da Segurança Social.
O Valor Acrescentado Líquido é calculado a partir do Valor Acrescentado Bruto a Preços Base, que exclui os impostos e subsídios. Será ainda necessário excluir o VAL das Administrações Públicas, visto que ainda resta uma parcela importante de trabalhadores que se encontra abrangido pela CGA.
O regime agora proposto pelo PCP traduz-se em benefícios óbvios, quer para os trabalhadores beneficiários, quer para o financiamento e sustentabilidade da Segurança Social, introduzindo elementos acrescidos de justiça social pela afetação de parte da riqueza criada ao financiamento da Segurança Social.
Assim, no cumprimento destes objetivos, o presente projeto de lei considera as seguintes opções:
• Mantém-se o atual sistema contributivo com base na taxa social única sobre as remunerações a par com uma taxa de 10,5% sobre o VAL de cada empresa contribuinte, a calcular no final de cada exercício a partir dos dados constantes da declaração anual de rendimentos em IRC;
• O produto desta taxa sobre o VAL será comparado com o somatório dos valores pagos mensalmente pela entidade empregadora calculada com base nas remunerações pagas, ou seja, de acordo com as regras atuais para o cálculo da contribuição das empresas. Se o valor obtido com base em 10,5% do VAL for superior às contribuições liquidadas durante o ano a partir das remunerações dos trabalhadores, a empresa em causa entregará a diferença ao Sistema de Segurança Social até ao final do primeiro semestre do ano seguinte àquele a que respeitam as contribuições; caso contrário, o montante a pagar pela empresa será o calculado com base nas remunerações e pago mensalmente;
• Este regime só é aplicável às empresas que no exercício anterior ao da aplicação do novo regime tenham apresentado um volume total de proveitos superior a € 500.000,00, considerando que é este o valor determinado para as empresas obrigadas a apresentar mensalmente as declarações de IVA (deixando de fora as pequenas e médias empresas).
Desta forma, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei que “Amplia as fontes de financiamento do Sistema de Segurança Social”:
Artigo 1.º
Objeto
Os montantes das contribuições das entidades empregadoras para os regimes de Segurança Social são determinadas simultaneamente pela aplicação das taxas legalmente previstas para as contribuições das entidades empregadoras com base nas remunerações auferidas pelos trabalhadores ao seu serviço que constituam base de incidência contributiva, e pela aplicação de uma taxa sobre o Valor Acrescentado Líquido (VAL) descontando o VAL das Administrações Públicas.
Artigo 2.º
Determinação do valor das contribuições
1 - O VAL de cada empresa será determinado, anualmente, com base nos dados constantes da declaração anual de rendimentos apresentada à Administração Fiscal para efeitos de IRC.
2 - As contribuições para a segurança social em função do VAL incidirão sobre um valor correspondente a 10,5% do VAL determinado nos termos do número anterior.
Artigo 3.º
Cumprimento da obrigação contributiva
1 - As entidades empregadoras contribuintes dos regimes de Segurança Social continuarão a efetuar mensalmente, nos termos da legislação aplicável, o pagamento das respetivas contribuições com base na aplicação das taxas legalmente previstas às remunerações dos trabalhadores ao seu serviço que constituam base de incidência contributiva.
2 - No final de cada ano, o somatório dos valores pagos mensalmente por cada entidade contribuinte nos termos do número anterior será comparado com o valor da percentagem do VAL respetivo apurado nos termos do n.º 2 do artigo 2.º.
3 - Se o valor obtido com base no VAL for superior ao somatório anual das contribuições da entidade empregadora com base nos valores pagos mensalmente resultante da taxa aplicável sobre as remunerações dos trabalhadores, a entidade contribuinte deverá entregar ao Sistema de Segurança Social, até ao final do primeiro semestre do ano seguinte àquele a que respeitam as contribuições, a soma correspondente à diferença entre estes dois valores.
4 – Se o valor obtido com base no VAL for igual ou inferior ao somatório das contribuições da entidade empregadora com base nos valores pagos mensalmente resultante da taxa aplicável sobre as remunerações dos trabalhadores, não é devido mais nenhum pagamento por parte da entidade contribuinte.
Artigo 4.º
Exclusão da obrigação contributiva
Ficam excluídas da aplicação da nova forma de cálculo as entidades empregadoras que, no exercício anual anterior, tenham obtido um volume total de proveitos inferior a 500.000€.
Artigo 5.º
Contribuições dos Trabalhadores
As quotizações dos trabalhadores para a segurança social serão determinadas pela incidência das taxas constantes da lei sobre as remunerações efetivamente auferidas.
Artigo 6º
Entrada em vigor
Este diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação