Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
As iniciativas que hoje debatemos que visam eliminar o prazo internupcial previsto no Código Civil laboram num equívoco e em vez de resolver qualquer problema realmente existente viriam, a ser aprovadas, a criar problemas que hoje não existem e que só viriam gerar demoras, complicações e despesas.
Senão vejamos:
Será o prazo internupcial baseado em razões moralistas? Tê-lo-á sido para o legislador de 1966, mas já não nos parece que o tenha sido para o legislador de 1977, que procedeu à revisão do Direito da Família e o manteve.
Será o prazo de 300 dias para as mulheres baseado em razões discriminatórias ou funcionará como a base fática necessária para fazer funcionar a presunção de paternidade estabelecida no Código Civil?
As razões do prazo internupcial são muito bem explicadas por Pereira Coelho e Guilherme Oliveira no seu Curso de Direito da Família:
“Se um 2.º casamento imediato fosse possível, o filho que nascesse dentro dos 300 dias subsequentes à dissolução do 1.º casamento seria havido como pai do 1.º e do 2.º marido. É certo que a lei prevê a possibilidade de semelhante conflito de presunções de paternidade e define um critério para a sua resolução, mas há interesse em evitar que o conflito surja e a exigência de um prazo internupcial serve esse interesse.”
Quaisquer razões de caráter moral que possam ser invocadas para a existência de um prazo internupcial para as mulheres são para nós irrelevantes. O único facto que releva é que esse prazo serve para tornar possível a existência de uma presunção de paternidade a favor do marido da mãe.
E haverá alguma vantagem em acabar com essa presunção? Não estamos a ver qual seja. Não vemos vantagem nenhuma em obrigar uma mãe casada a ter de declarar quem é o pai do seu filho, quando isso hoje está resolvido com uma presunção legal.
Acresce ainda que o prazo internupcial de 300 dias pode ser afastado com uma simples declaração da mulher de que não está grávida e que a única sanção prevista no Código Civil para quem contrair novo casamento sem respeitar o prazo internupcial é a perda de bens que tenham sido recebidos por doação ou testamento do 1.º cônjuge.
Tudo isto para dizer que acabar com o prazo internupcial ou acabar com a presunção de paternidade do marido da mãe, como propõe o PS, não só não teria nenhuma vantagem relevante para ninguém, como viria criar problemas que não existem. Aquilo que a lei hoje resolve sem problemas, passaria a ter de ser resolvido com testes obrigatórios de ADN, com demoras e com despesas nos tribunais.
Mas não há necessidade.
A lei deve servir para resolver problemas e não para criar problemas que não existem. E a alteração de uma legislação estruturante em termos sociais como é o Direito da Família não deve ser feita de ânimo leve e com ligeireza, sem uma discussão profunda de todas as suas implicações para além dos soundbites e da espuma dos dias.
Estas iniciativas não terão a nossa aprovação.
Disse.