Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Altera o Código de Processo Penal limitando a aplicação do processo sumário aos crimes de menor gravidade

(projeto de lei n.º 457/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
De facto, uma das marcas deste Governo é governar contra a Constituição, contra o Estado de direito democrático naquilo que é a sua expressão constitucional. E, se isto é assim em matéria de política social e económica, não deixa de o ser também em matéria de política de justiça.
Uma das reformas mais badaladas por este Governo em matéria de política de justiça foi precisamente a reforma penal, em que se fez uma revisão, apresentada como «cirúrgica», do Código de Processo Penal, do Código Penal e, em particular, também do Código de Execução das Penas.
Mas essa reforma, apesar de ter sido apresentada como «cirúrgica», de cirúrgica pouco tinha, porque a verdade é que foram alterados alguns do preceitos estruturantes do nosso ordenamento jurídico, em particular em matéria processual penal, e subvertidos alguns dos princípios, que se consideravam estabilizados e relativamente consensuais, no que concerne aos crimes e à forma que deveria seguir o processo para a sua punição.
E a verdade é que este Governo, cedendo ao fervor mais populista que se vai fazendo ouvir não só em Portugal mas no resto da Europa, procurou apresentar aos portugueses como uma peça central da reforma penal então apresentada na Assembleia da República o facto de os julgamentos passarem a ser efetuados mais rapidamente, portanto, sendo os arguidos condenados mais depressa, com tudo o que daí adviria em matéria de aumento da qualidade e de melhoria do funcionamento da nossa justiça.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, o que hoje comprovamos é que não só se confirmaram todas as preocupações que então o PCP deixou nesse debate relativamente à proposta apresentada pelo Governo em matéria de julgamentos em processo sumário como, mais cedo do que tarde, o Tribunal Constitucional veio dar razão ao PCP, quando dizemos que este Governo governa à margem da lei, nomeadamente da Constituição, e contra as regras fundamentais do Estado de direito democrático.
Sr.as e Srs. Deputados, não estamos a falar de aspetos que são de pouca monta: as duas declarações de inconstitucionalidade que sobre esta matéria foram pronunciadas por acórdãos do Tribunal Constitucional — os dois acórdãos do Tribunal Constitucional que sobre esta matéria já existem, que certamente, Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho, vão descambar numa declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral — referem tão-só a violação de princípios básicos, tal como o princípio do respeito pelas garantias de defesa dos arguidos.
Sr.as e Srs. Deputados, se em matéria processual penal há uma coisa que distingue os Estados de direito democráticos dos Estados não democráticos é precisamente o respeito pelas garantias de defesa dos arguidos, que este Governo não teve em conta e que o Tribunal Constitucional vem procurar repor na sua devida dimensão.
Sr.as e Srs. Deputados, o projeto de lei que o PCP aqui apresenta tem tão-só o objetivo de reconduzir o nosso processo penal, em particular as regras definidas para os julgamentos em processo sumário, de modo a que fique conforme à Constituição, às regras do Estado de direito democrático, impedindo a utilização dos julgamentos em processo sumário para crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos.
(…)
Sr. Presidente,
Este debate teve esta curiosidade de ouvirmos do CDS uma intervenção bem mais moderada e bem mais temperada do que a do PSD.
De facto, Sr.ª Deputada Andreia Neto, a intervenção do PSD é de puro sectarismo.
De puro sectarismo!
A Sr.ª Deputada parece que nem quer atender às evidências. Sr.ª Deputada, há dois acórdãos do Tribunal Constitucional a declararem, em concreto, a aplicação daquelas normas do processo sumário num determinado sentido e ele tem de declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral a partir do momento em que mais situações destas surgirem.
E mais, Sr.ª Deputada: dizer-se que a norma ainda não é inconstitucional e, portanto, quando essa questão se colocar logo ponderaremos, é até contraditório com a própria afirmação da Sr.ª Ministra, que já começou a «pôr as barbas de molho» e até já disse na Comissão que o Governo está a preparar uma alteração ao Código de Processo Penal em relação a esta matéria.
Mas, Sr.ª Deputada Andreia Neto, dizer-se que estas alterações vieram contribuir para a celeridade, para o descongestionamento dos tribunais, para a eficácia, apesar de, depois, tudo isto redundar em zero porque, com a declaração de inconstitucionalidade, lá estão os tribunais a terem que ver a ser postas em causa as suas decisões… Aliás, neste caso, nem se põe em causa as decisões dos tribunais. No caso do tribunal do Entroncamento foi o próprio tribunal que recusou a aplicação do processo sumário, quando ele era proposto pelo Ministério Público.
Em relação a este aspeto, vale a pena associar a resposta do PSD à resposta do CDS, quando o Sr. Deputado Telmo Correia disse que eram importantes os julgamentos rápidos. Sr. Deputado Telmo Correia, são importantes quando a justiça puder ser feita com rapidez. Isto porque há situações em que a justiça tem de ser feita com mais vagar para que haja ponderação, para que as garantias de defesa possam ser asseguradas, mas nestas circunstâncias o que acontece é exatamente o contrário.
Com as normas que os senhores aprovaram para que haja julgamentos rápidos, não pode haver a ponderação que a justiça impõe, não pode haver o respeito pelas garantias de defesa, tal qual aquilo que o Tribunal Constitucional vem dizer.
O Sr. Deputado Telmo Correia diz que a celeridade dos julgamentos é aquilo que as forças de segurança mais desejam e eu pergunto-lhe: as forças de segurança terão ficado satisfeitas com o resultado destes acórdãos do Tribunal Constitucional? As forças de segurança ficarão satisfeitas por saber que os juízes, hoje, vão julgar em processo sumário mas que, afinal de contas, depois, o processo tem de ser refeito porque o Tribunal Constitucional diz que a utilização daquele processo sumário, naquele caso concreto, afinal, não podia ser feita?
Concluo, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: os Srs. Deputados da maioria podem continuar a «enterrar a cabeça na areia» e a dizer aquilo que já nem a Ministra da Justiça diz, ou seja, podem continuar a defender as alterações que aqui aprovaram há uns meses, alterações, essas, inconstitucionais e incompatíveis com regras fundamentais do Estado de direito democrático.
Nós cá continuaremos a contribuir para que a conformação do processo penal com a Constituição, com as regras do Estado de direito democrático possa existir.

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