(projeto de lei n.º 690/XII/4.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
É uma pena não poder dizer «Srs. Membros do Governo», porque era com o Governo, de facto, que este debate deveria ser feito, uma vez que foi ele o responsável pela proposta de lei que alterou o Código de Processo Penal e que gerou esta inconstitucionalidade. É certo que a alteração foi suportada pela maioria, mas é o Governo o grande responsável por esta alteração. É uma pena, de facto, não termos a presença da Sr.ª Ministra da Justiça para com ela podermos debater esta questão.
Confirma-se, agora, o que o PCP há muito vinha dizendo. Quer na discussão na generalidade da proposta de lei, quer na discussão na especialidade na 1.ª Comissão, quer no projeto de lei que apresentámos noutras sessões legislativas, nomeadamente na última sessão legislativa, para corrigir este problema, chamámos a atenção para o que estava em causa. Chamámos a atenção relativamente ao que constituiu aquelas alterações ao Código de Processo Penal, sobretudo em relação ao processo sumário, uma vez que cederam a conceções populistas, que puseram em causa princípios estruturantes do nosso processo penal, fazendo prevalecer conceções securitárias e retributivas da ação penal e contrariando aquelas que são conceções humanistas e também os objetivos de ressocialização do nosso processo penal.
E a verdade é que a maioria, particularmente o PSD, cedeu àquelas que vinham sendo as propostas apresentadas pelo CDS durante anos. Durante anos, o CDS insistiu na agilização dos processos sumários, querendo «meter o Rossio na rua Betesga», querendo sujeitar a julgamento sumário crimes de gravidade significativa, ou seja, crimes com molduras penais superiores a cinco anos.
Mas a verdade é que essa insistência do CDS sempre foi travada com a noção de que isso corresponderia a uma conceção securitária e retributiva da justiça penal que não devia ter consideração, que não devia ter encaixe nas conceções modernas do direito penal e, particularmente, não devia ser traduzida no nosso processo penal.
Porém, a verdade é que o PSD cedeu ao CDS. Nós chamámos a atenção, atempadamente, para o que aquilo significava, particularmente para o conflito que daí resultava com princípios estruturantes do nosso direito penal, que estão plasmados na nossa Constituição, e a verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que a discussão que hoje fazemos já não é a mesma que fizemos nessa altura; hoje, fazemos esta discussão com uma declaração de inconstitucionalidade sobre esta opção do Governo, com uma declaração de inconstitucionalidade que confirmou não só as nossas preocupações como também travou o que os senhores queriam que fosse aplicado nos nossos tribunais com crimes de maior gravidade a serem julgados em processo sumário, crimes esses que não podem estar sujeitos à justiça feita na hora, porque crimes de maior gravidade colocam não só maiores exigências do ponto de vista de recolha da prova, como, sobretudo, exigem um distanciamento temporal que seja compatível com as condições para se fazer o julgamento, envolvendo isto não só a preparação da acusação mas, obviamente, também as garantias de defesa.
O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a vossa opção e os senhores só têm um remédio: corrigi-la.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Srs. Deputados Carlos Abreu Amorim e Telmo Correia, obviamente que nós não esperamos convencer-vos que tenham outras convicções relativamente ao processo penal, nos não temos ilusões relativamente a isso. Esperamos é que reconheçam aquilo que fizeram, que foi aprovar uma alteração inconstitucional ao Código de Processo Penal.
O projeto que aqui apresentamos nem sequer é o projeto que reflete na integra as opções do PCP relativamente aos processos especiais, tal como dizemos no preâmbulo do nosso projeto. Na discussão que tivemos oportunidade de fazer aquando da revisão do Código de Processo Penal, apresentámos um conjunto de propostas relacionadas com os processos especiais — processo sumário, sumaríssimo e abreviado — e temos aí as nossas propostas relativamente aos processos especiais. Mas aquilo que temos neste projeto de lei é apenas a perspetiva de corrigir a inconstitucionalidade.
Não se trata, Sr. Deputado Telmo Correia, de voltar atrás, nem de repor o regime anterior, nem sequer de espelhar neste projeto as nossas opções de fundo relativamente aos processos especiais; isso está noutro projeto. O objetivo, agora, é apenas o de corrigir a inconstitucionalidade!
Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim, nós não tentámos retomar a discussão da reforma do Código de Processo Penal, porque muito mais havia para discutir sobre isto. O problema é outro. O Sr. Deputado diz que nós subalternizamos a celeridade da justiça, mas é ao contrário, Sr. Deputado. E se mais nada lhe serve, pelo menos pode ser que lhe sirva o adágio popular que diz que «Roma e Pavia não se fizeram num dia!» Os julgamentos dos crimes mais graves não podem ser feitos a quente, em cima do acontecimento, sob a pressão popular ou sob a pressão mediática que, por vezes, se faz em torno destas questões.
A justiça relativamente aos crimes mais graves precisa do seu tempo para ser justa, porque se não tiver tempo para ser justa será uma justiça injusta, feita no calor do acontecimento e em prejuízo das garantias, quer da segurança e da certeza da acusação, quer das garantias de defesa dos arguidos que estão a ser julgados.
Queria apenas dizer o seguinte: aplique-se o processo sumário a crimes com molduras penais inferiores. O processo sumário pode ser aplicado em muitos crimes de molduras penais inferiores que hoje não o utilizam; aplique-se onde ele pode ser aplicado, não se leve o processo sumário para o que não deve ser levado.
Portanto, os senhores, aprovando, hoje, a iniciativa do PCP, têm a possibilidade de corrigir a inconstitucionalidade e, pelo menos, em relação a este aspeto, podermos ter um Código de Processo Penal conforme com os princípios do nosso processo penal e conforme a orientação da Constituição.