Intervenção de

Alteração do Código de Processo Penal

 

Alteração do Código de Processo Penal

Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

As semelhanças entre a discussão que agora iniciamos e uma catarse colectiva são mais que evidentes.

Na filosofia de Aristóteles, a catarse traduz o processo de purificação das emoções que se dá em resultado de um intenso drama vivido pelo herói da tragédia e exige dois elementos essenciais.

Por um lado, é necessário que o herói em êxtase caia em desgraça. Por outro lado, exige-se que tal aconteça em resultado de uma opção errada deliberadamente assumida por aquele protagonista.

Se reconduzirmos o elemento espiritual daquela perspectiva filosófica à matéria concreta de que se faz o mundo, neste caso à matéria bem concreta do Código de Processo Penal, encontramos nesta discussão todos os elementos da catarse aristotélica.

Quase três anos depois do êxtase governamental propagandeado aos quatros cantos do país a propósito da revisão do Código de Processo Penal, eis agora o Governo e a maioria do PS caídos em desgraça a constatarem o resultado das opções erradas que deliberadamente assumiram naquela mesma revisão.

Mas é importante relembrar que, na tragédia que foi aquela revisão do processo penal, o PS não esteve só. PSD e CDS, votando a favor e abstendo-se, respectivamente, contribuíram para que o herói caísse em desgraça.

O problema, senhoras e senhores Deputados e senhores membros do Governo, é que o drama desta catarse é vivido diariamente no nosso sistema de justiça pelos magistrados, advogados, órgãos de polícia criminal e funcionários judiciais que todos os dias têm que se confrontar com uma lei processual penal que não contribui para a celeridade da justiça nem para a eficácia do combate ao crime.

Hoje que fazemos esta discussão, procurando corrigir os erros cometidos em 2007, importa que tenhamos bem presente a memória do que foi essa revisão legislativa para que as decisões possam desta vez ser mais acertadas.

E importa relembrar que precisamente no dia 20 de Julho de 2007, aquando da votação final global da alteração ao Código de Processo Penal, o PCP avocou para Plenário da Assembleia da República a discussão em torno das alterações do segredo de justiça. Na altura denunciámos o erro que essas alterações significavam e alertámos para os problemas que infelizmente as mesmas vieram a criar nos nossos tribunais e que tanta tinta fizeram já correr.

Não temos no PCP nenhum poder especial de adivinhação mas acabámos por cumprir o papel do coro que na tragédia grega alerta para o desfecho dramático da história.

Tal como acontece com os heróis das tragédias gregas, também o PS não nos quis dar ouvidos e, por isso, aqui estamos hoje a tentar recuperar o tempo perdido.

As propostas que o PCP hoje apresenta à discussão visam, no essencial, dois objectivos centrais.

Por um lado, apresentamos no Projecto de Lei n.º 38/XI medidas que visam a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime. Nesta iniciativa propomos alterações ao regime do segredo de justiça, às regras relativas aos prazos de duração máxima dos inquéritos e à detenção fora de flagrante delito, bem como à aplicação da prisão preventiva.

No essencial, estas propostas visam garantir a defesa da investigação criminal e a eficácia da acção penal, assumindo que o sistema processual penal deve estar de facto ao serviço da investigação criminal e não centrado em questões que, apesar de relevantes, são questões secundárias.

A defesa do bom nome dos suspeitos ou dos arguidos, por muito que deva ser preocupação a considerar pelo sistema de justiça, não pode ser transformada no objectivo central do regime de segredo de justiça. O segredo de justiça deve visar a eficácia da investigação criminal e por isso se deve recuperar o princípio do segredo do processo nas fases de inquérito e instrução.

Pela mesma razão devem ser alteradas as regras relativas aos prazos máximos de duração do inquérito. A celeridade na administração da justiça não se pode tornar um objectivo a atingir a todo o custo, particularmente se desconsidera a complexidade da criminalidade mais grave e organizada e vota ao insucesso a acção das autoridades que lhe procuram dar combate.

Quanto à alteração das regras de aplicação da prisão preventiva e da detenção fora de flagrante delito, as propostas que apresentamos procuram responder às dificuldades com que hoje as autoridades judiciárias se confrontam na sujeição dos agentes do crime à justiça, dificuldades essas que geram algum sentimento de impunidade e de ineficácia da justiça.

No Projecto de Lei n.º 178/XI prevemos um conjunto de alterações que visam a garantia da celeridade no julgamento dos processos crime, particularmente na criminalidade menos grave e em que houve detenção em flagrante delito ou a prova é de mais fácil obtenção.

Estamos em crer que as alterações que propomos às formas de processo especiais - sumário, abreviado e sumaríssimo - permitirão a sua utilização de forma generalizada nos tribunais portugueses, criando condições para o julgamento rápido da criminalidade de menor gravidade e libertando os próprios magistrados para tarefas de maior complexidade ou que exijam maior disponibilidade.

Importa a este respeito referir que, no âmbito do processo sumário, considerámos devidamente uma sugestão do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público no sentido de alargar a possibilidade de utilização desta forma de processo para julgamento de crimes de maior gravidade, puníveis com penas de prisão de máximo superior a cinco anos e com intervenção do tribunal colectivo.

Esta sugestão, que acabou por ser incluída no Projecto de Lei apresentado pelo CDS, não mereceu acolhimento por parte do PCP, não por se tratar de uma proposta errada ou sem fundamento mas sim porque julgamos que se deve primeiro procurar generalizar a utilização do processo sumário e só depois considerar a possibilidade do seu alargamento a crimes de maior gravidade.

Para lá das propostas concretas de alteração ao Código de Processo Penal em matéria de processos especiais, o PCP entende que é fundamental que o Governo disponibilize os meios necessários à concretização deste objectivo de maior celeridade na justiça.

Não podemos esperar que a simples alteração da lei determine melhorias significativas no funcionamento dos tribunais se esta não for acompanhada da disponibilização dos meios necessários.

Por isso propomos que a entrada em vigor das referidas alterações legislativas seja acompanhada dos respectivos meios necessários à sua concretização, ouvidos os conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público.

Por último, importa fazer alguma apreciação das várias iniciativas em discussão no que são os seus aspectos fundamentais.

Apesar de as várias iniciativas preverem soluções divergentes das defendidas pelo PCP, particularmente no que se refere aos processos especiais, entendemos que o processo legislativo só terá a ganhar se todas puderem ser confrontadas na discussão na especialidade.

Iremos por isso contribuir com a nossa abstenção para a viabilização das várias iniciativas, à excepção do Projecto de Lei n.º 174/XI do CDS. Tendo em conta que esta iniciativa prevê medidas que dificultam o acesso à liberdade condicional com as quais não estivemos de acordo anteriormente, votaremos contra o referido Projecto de Lei.

Quanto à Proposta de Lei do Governo, importa lamentar que o Governo tenha identificado alguns dos problemas centrais das alterações introduzidas em 2007 mas teime em não efectuar as correcções necessárias.

Com esta proposta de Lei, o Governo insiste teimosamente na manutenção das normas que têm sido fonte de problemas, procurando minimizar os seus danos introduzindo alterações a outras normas que, certamente, criarão novas dificuldades.

Vejam-se, a título de exemplo, as alterações propostas pelo Governo ao artigo 1.º do Código de Processo Penal. Estas alterações apenas se justificam porque o Governo teima em manter a regra de aplicação da prisão preventiva apenas a crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos e vão certamente conduzir a novas dificuldades, particularmente quanto à aferição da sua constitucionalidade.

No que se refere ao segredo de justiça o problema é ainda mais profundo.

A Comissão nomeada pelo Governo para preparar esta Proposta de Lei apontou duas soluções para o segredo de justiça, uma mantendo a regra da publicidade do processo e outra recuperando a regra do segredo. Das duas soluções, a primeira recolheu a preferência da maioria dos membros da Comissão.

Ora, perante isto o que fez o Governo? Escolheu precisamente a solução que menos apoio recolheu.

A este respeito, aliás, apenas o Projecto de Lei do PCP apresentado há mais de quatro meses - antes mesmo de estar constituída a referida Comissão - aponta no sentido que veio a ser reconhecido como o mais correcto.

Senhora Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

Agora que se inicia um novo processo de alteração ao Código de Processo Penal, esperamos que se reúnam as condições necessárias para que essas alterações possam ser devidamente discutidas e preparadas, considerando opiniões e pareceres de todos quantos possam contribuir para o seu sucesso, particularmente daqueles que todos os dias nos tribunais aplicam essas regras.

Temos igualmente a expectativa de que com este processo legislativo se possam eliminar regimes paralelos ao do Código de Processo Penal, como o

que foi introduzido na Lei das Armas, que não só não resolveram os problemas das alterações de 2007 como ainda criaram novas dificuldades.

Da parte do PCP, contribuiremos de forma séria e empenhada para que, desta catarse que agora fazemos, possa resultar um processo legislativo que evite a continuação da tragédia grega em que o Governo enredou o combate ao crime em Portugal.

Disse.

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