São passados 20 anos após a adesão de Portugal à então Comunidade
Económica Europeia (CEE). No que respeita à agricultura não foi
necessário tanto tempo para que se desfizesse a feira de ilusões
montada pelo PS e a direita para justificar a decisão, de natureza
estritamente política, de salvaguarda do capitalismo, que a motivou.
Na altura, o PCP desde logo alertou, em trabalhos devidamente
fundamentados, para os riscos que a agricultura portuguesa iria correr
face a agriculturas mais desenvolvidas, e no quadro de uma Política
Agrícola Comum (PAC) essencialmente dirigida para sistemas produtivos
predominantes no Centro e Norte da Europa.
Os resultados aí estão à vista.
Diga-se, no entanto, que a situação da agricultura não resulta apenas
da PAC, do peso predominante dos sectores produtivos do Centro e Norte
da Europa face aos sectores característicos das agriculturas
mediterrânicas, das pressões da globalização e da Organização Mundial
do Comércio (OMC) e do desenvolvimento desigual das agriculturas dos
Estados-membros (EM).
Na situação actual da agricultura portuguesa tiveram, e têm, também um
peso determinante as políticas agrícolas nacionais dos governos do PS,
PSD, CDS, sozinhos ou em coligação, quer no que respeita à defesa dos
interesses nacionais no âmbito da União Europeia (UE), quer no que
respeita às políticas agrícolas prosseguidas no âmbito da sua própria
esfera de competências.
Estes últimos 20 anos, caracterizados por duas reformas e orientações
contraditórias da PAC, foram perpassados por uma política agrícola
nacional pautada por três vectores essenciais:
- a submissão em geral às orientações da PAC, chegando, em diversas
situações, a assumir posições de abdicação de instrumentos de
salvaguarda da produção interna; - a não definição de uma estratégia de desenvolvimento da
agricultura que permitisse adequar o perfil produtivo às condições
naturais e às exigências competitivas de um mercado aberto e dos
equilíbrios agro-ambientais; - uma afectação de recursos financeiros marcadamente de classe,
socialmente distorcida, centrada nos sectores produtivos predominantes
na região do latifúndio, rejeitando mesmo quaisquer medidas de
modulação (previstas na PAC), designadamente em matéria de ajudas
directas.
O balanço deste período, em que a agricultura dispôs certamente do
maior volume de meios financeiros da sua história, está longe de
corresponder às necessidades do seu desenvolvimento.
No plano estrutural desapareceram, entre 1989 – 1999, mais de 150 mil
explorações, mas prevalece uma acentuada assimetria, em que cerca de
50% das explorações tem uma área inferior a 2 hectares (ha), e cerca de
1%, com área superior a 100 ha, ocupa cerca de 55% da superfície
agrícola utilizada (SAU).
No mesmo período, acentuou-se o envelhecimento do tecido social, não
obstante toda a retórica do rejuvenescimento, tendo o peso dos
agricultores com menos de 45 anos passado de 20% para 15%, enquanto o
daqueles com mais de 65 anos passou de 29% para 38%.
O grau de profissionalização dos agricultores diminuiu tendo o peso dos
produtores cujo tempo de actividade na exploração é de 100% passado de
26% para 18%, entre 1989-1999, ao mesmo tempo que se constata que,
neste último ano, mais de 90% dos agricultores têm formação
exclusivamente prática.
No plano económico a situação não é mais animadora.
Em cerca de 45% da SAU, nas situações em que a relação das ajudas
directas com as ajudas totais foi superior a 50%, os agricultores
centraram as decisões de produção em função do volume de ajudas
directas, e não em opções de natureza económica, cuja actividade
precisava apenas de ser simulada para dimensionar os subsídios no
limite do possível, pois o montante das ajudas não dependia da produção
obtida, mas apenas da área e do efectivo pecuário existente. Foi uma
situação que se justificou apenas para rentabilizar os direitos legais
da propriedade da terra, ou seja, a captação de uma renda fundiária,
que foi particularmente gravosa para a agricultura portuguesa na região
do latifúndio. Com efeito, quer pela elevada concentração da terra e da
produção arvense – sector beneficiário das ajudas directas – na
agricultura do Sul, quer porque a dimensão fundiária permite
rentabilizar a pecuária extensiva, esta situação constituiu um factor
de bloqueamento do desenvolvimento agrícola da região pelo imobilismo
produtivo que incentivou.
Com a reforma de 2003 já se dispensa a simulação da produção e podem
criar-se condições para a reconversão dos sistemas produtivos numa
perspectiva mais consentânea com as condições naturais do País.
Passados estes 20 anos a agricultura portuguesa continua longe da
agricultura da UE. Dois indicadores, relativos ao triénio de
1998-99-00, são significativos: o rendimento das explorações é de cerca
de 32% relativamente à média da UE/15 e a competitividade é de cerca de
35%.
Mesmo no âmbito da UE alargada, Portugal não está condenado a ver
reduzida a sua agricultura a uma situação residual. Importa, porém, a
definição de uma outra política agrícola que tenha como eixos
essenciais uma estratégia de produção, com sistemas produtivos
inseridos no quadro das características edafo-climáticas do País e o
fomento tecnológico que tenha em conta as exigências da qualidade
alimentar e dos equilíbrios ambientais, no contexto de um mercado
tendencial e crescentemente aberto. Uma reestruturação fundiária que
permita racionalizar a estrutura produtiva agrícola.
O apoio decisivo ao multifuncionalismo dos agricultores.