Há 63 anos, a 6 e 9 de Agosto de 1945, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki foram reduzidas a fogo e pó. Os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki com armas atómicas são um elucidativo exemplo de terrorismo de Estado perpetrado pelo governo e forças armadas dos Estados Unidos da América e configuram um crime contra a humanidade. Nunca é demais lembrar que tal crime não correspondeu a qualquer estratégia militar para a vitória dos aliados na II guerra mundial. A rendição da Alemanha Nazi estava já assinada e a derrota militar do Japão era já um dado adquirido. Por mais que se tente mitigar esta verdade com alterações da História é impossível ocultar que a decisão do uso da arma nuclear contra civis serviu essencialmente para os EUA afirmarem o seu poderio militar e capacidade destruidora e para sinalizar uma política de crescente confrontação com a União Soviética.
Jamais se conhecerá com exactidão o número das vítimas directas e indirectas desse hediondo crime, bem como jamais será possível conter nas palavras a verdadeira essência do horror vivido nesse e nos dias imediatos aos bombardeamentos, bem como nas décadas vindouras. Ao assinalar mais uma vez estas datas negras da História mundial pretendemos prestar uma sentida homenagem a esses milhares de homens, mulheres e crianças que pereceram sob a bomba atómica e aos que, 63 anos depois, enfrentam ainda, directa ou indirectamente, as consequências das radiações.
Mas não basta homenagear. O melhor tributo às vítimas de Hiroshima e Nagasaki é o prosseguimento e o reforço da luta contra o militarismo, a escalada armamentista, a proliferação nuclear e a agressão e ocupação imperialistas.
Segundo dados da ONU, presentemente permanecem nas mãos de oito países mais de 26.000 ogivas nucleares com capacidade destruidora incomensuravelmente superior às utilizadas em 1945. Destas, 10.200 estão completamente operacionais e na sua esmagadora maioria são detidas pelas potências da NATO. Associada a esta capacidade demolidora, a adopção de novos conceitos estratégicos - particularmente por parte dos EUA, da NATO e de várias potências europeias - abertamente ofensivos e em que o uso da arma nuclear em ataque militar é admitido - aumenta a inquietação em torno da possibilidade de o mundo vir novamente a testemunhar o terror nuclear.
Poderá parecer que Hiroshima e Nagasaki são meros horrores do passado. Mas quando a situação internacional, marcada por enormíssimas e crescentes desigualdades e por uma profunda crise económica mundial, aconselharia à aposta na diplomacia, na cooperação, no diálogo entre nações em condições de igualdade mútua e numa aposta séria no desarmamento, a retórica de paz das principais potências militares é desmentida pela profusão de conflitos militares e de guerras de ocupação e pelas permanentes ameaças de novas intervenções militares contra países e povos.
O facto de as despesas militares mundiais terem aumentado desde 1998 cerca de 45% e de os orçamentos militares do EUA e dos principais países da NATO atingirem valores recorde - com os EUA com um orçamento previsto para 2009 na ordem dos 711 mil milhões de Dólares, o maior orçamento militar dos EUA desde o fim da II guerra mundial - demonstram bem a aposta no militarismo feita pelos EUA e seus mais directos aliados e que está na origem de uma nova corrida armamentista mundial como o comprovam os dados que apontam para aumentos na ordem dos 8% das vendas das 100 maiores companhias produtoras de armamento no ano de 2007.
A situação internacional tem sido crescentemente marcada pelos atropelos constantes ao direito internacional, pela subversão do papel da ONU, pelo rasgar de tratados internacionais, pelo ataque cerrado á soberania dos países e pelo total desrespeito pelos inalienáveis direitos nacionais e sociais dos trabalhadores e dos povos. Constituem factores de grande inquietação os sinais que apontam para uma solução no Iraque que pode passar pela mitigação da ocupação estrangeira e pelo maior envolvimento da ONU e de potências europeias numa solução neo-colonial para este país; a concordância entre as elites políticas e militares norte-americanas e europeias de intensificar a guerra no Afeganistão; a convergência, expressa no seio da NATO, entre potências europeias e os EUA, em torno do projecto do sistema anti-míssil e de uma linha de progressiva confrontação com a Rússia e China; o "regresso a África" de várias potências militares com destaque para os EUA e a instalação do AFRICOM; a reactivação da IV Esquadra norte-americana na América Latina numa linha de crescente confrontação com países como a Venezuela, a Bolívia e Cuba, e de forma geral com as forças progressistas revolucionárias deste sub-continente. Sinais e decisões, que vistas no seu conjunto, constituem um poderoso libelo acusatório contra os EUA e seus mais directos aliados na NATO. NATO, que na sua reunião de Riga, em Novembro de 2006, consumou a sua transformação numa organização global de carácter ofensivo, sentindo-se "legitimada" para intervir em qualquer parte do mundo e sob qualquer pretexto e preparando-se para uma nova expansão que incluiu a zona ocidental dos Balcãs, o Cáucaso e a Ucrânia.
A União Europeia, não obstante a rejeição pelo povo irlandês do Tratado de Lisboa - com uma marcada vertente militarista que inclui a adopção do conceito de "guerra preventiva" como política oficial da UE - prossegue a formação de grupos de combate e prepara novos grupos navais de chamada intervenção rapida. Parte da estratégia militarista e securitária das principais potências imperialistas mundiais é justificada com um suposto combate ao terrorismo. Mas a realidade aí está a demonstrar que é essa mesma política de militarismo e mesmo de terrorismo de Estado, como é o caso gritante de Israel, que alimenta uma situação explosiva internacional, o caldo perfeito para o desenvolvimento do terrorismo.
É em nome desse suposto combate ao terrorismo que as nossas sociedades são cada vez mais empurradas para a banalização da violência e para a restrição das liberdades. A forma vergonhosa como vários governos, incluindo o português, assobiam para o lado relativamente ao envolvimento dos seus países em autênticos crimes como o transporte ilegal de prisioneiros é sintomático do ambiente de impunidade que as grandes potências - especialmente os EUA - gozam na actualidade. Facto aliás eloquentemente demonstrado na notícia veiculada ontem de que o Pentágono se sentiu livre para afirmar que a maioria dos prisioneiros de Guantanamo não serão nem julgados, nem libertados.
O tema nuclear tem ocupado a atenção da opinião pública internacional e dos Media. No dia de hoje são esperados novos desenvolvimentos em torno do chamado "dossier nuclear do Irão" e nos últimos dias têm-se multiplicado as expressões políticas da estratégia de "pau e da cenoura" dos EUA, de Israel e de várias potências europeias face a este país.
O PCP tem sobre o tema do armamento nuclear um património de posições políticas que não deixam margem para dúvidas. Defendemos, há muito, o desarmamento nuclear defendendo simultaneamente o inalienável direito de qualquer país e povo de decidir de forma soberana sobre a sua política energética, incluindo o direito de produção de energia nuclear. O braço de ferro com o Irão é um exemplo elucidativo da hipocrisia com que as principais potências imperialistas e mesmo a ONU olham o tema do militarismo e especialmente das armas nucleares. Quando se ameaça o Irão com o aprofundamento de sanções económicas e se adensam os perigos de um ataque militar dos EUA ou de Irsael ao Irão é necessário relembrar que aqueles que hipocritamente acusam este país de tentar produzir a arma nuclear são exactamente aqueles que mantêm intactas as suas ogivas nucleares operacionais. São exactamente aqueles que como Israel agem na ilegalidade e fora dos tratados internacionais para se armarem com arsenal nuclear e que, sem pejo, afirmam publicamente poder usar essa mesma arma. São exactamente aqueles que, como os EUA, a Grã Bretanha ou a França sob a capa de uma redução formal das suas ogivas nucleares investem milhares de milhões de dólares na manutenção e desenvolvimento tecnológico dos seus arsenais nucleares e não hesitam, como os EUA, em usar armas proibidas nas guerras que conduzem.
Às acusações de que o Irão estará a tentar ter acesso à arma nuclear há que contrapor, a bem da verdade, que ao mesmo tempo que o Irão - membro do Tratado de não proliferação - é sujeito a sucessivas e draconianas exigências de supervisão do seu programa nuclear civil, vários países como Israel, a Índia e o Paquistão - não membros do Tratado TNP e detentores de arsenal nuclear - beneficiam de apoio militar e de fornecimento de tecnologia nuclear, como o revelou recentemente o acordo nuclear entre EUA e Índia duramente criticado pelas forças comunistas e progressistas indianas e que desencadeou uma crise política no País. Aqueles que hoje acenam com o perigo nuclear iraniano para justificar novas manobras de ingerência e para tentar alterar o quadro altamente comprometedor para o imperialismo no Médio Oriente são os mesmos que com a instalação do sistema anti-míssil norte-americano rasgam o Tratado anti-mísseis balísticos (ABM), pedra angular do equilíbrio estratégico militar mundial.
Se a administração Bush e seus mais directos aliados quiserem contribuir para a paz no Médio Oriente e Ásia Central e se de facto estiverem interessados na não proliferação de armas nucleares só têm um caminho a percorrer. Deixar de injectar armas no Médio Oriente; terminar as guerras em curso no Iraque e no Afeganistão; terminar com o apoio, político e militar à política de terrorismo de Estado de Israel contra o povo palestiniano e abandonar a política de ameaça e de descarada ingerência contra países soberanos como o Líbano ou a Síria.
O risco de novos países do Médio Oriente se armarem com arsenal nuclear existe. Mas existe porque ao longo de décadas a intervenção e presença estrangeira transformou aquela zona do globo na zona mais violenta do mundo. Se se quiser criar no Médio Oriente uma zona livre de armas nucleares, proposta defendida pelas forças progressistas do Médio Oriente há muito tempo, só há um caminho. Pressionar pela negociação política para que aqueles que já têm a arma nuclear a deixem de ter. Ou seja pressionar a potência nuclear da região - Israel - a desarmar-se. O resto serão exercícios de táctica diplomática e militar e de hipocrisia.
O mundo conheceu progressivamente as mentiras que sustentaram a guerra de ocupação do Iraque. São lições que constituem património de reflexão em torno do que se está a passar com o chamado "dossier nuclear" do Irão. É dever de todos os amantes da paz afastar todo e qualquer perigo de um novo conflito militar no Médio Oriente.
Será essa a melhor forma de honrar a memória das vítimas de Hirsohima e Nagasaki. Por isso, ao assinalar os 63 anos do crime nuclear o PCP saúda simultaneamente todos aqueles que em Portugal e por todo o mundo prosseguem a luta pela paz, justa e duradoura, pelo desenvolvimento, a cooperação e o progresso social, contra o imperialismo e a sua política de guerra.