Em visita oficial a diversos países que incluiu uma passagem por Portugal, o ministro do Comércio Exterior e Investimento Internacional da República Bolivariana da Venezuela falou com o Avante! sobre a situação política e económica naquele país, sublinhando a dura batalha que o povo e a direcção revolucionária estão a travar para manter o caminho do progresso social, independência e soberania nacionais.
Qual é o objectivo da sua visita à Europa e a Portugal em particular?
Na Venezuela iniciámos um processo de reformas económicas com o objectivo de responder aos embates da actual crise. Nesse sentido, apontamos a diplomacia económica como instrumento para ganhar mercados para as nossas exportações, e, simultaneamente, atrair empresas que queiram investir no nosso país.
O périplo começou em Berlim, passou por Paris e finaliza aqui em Lisboa com o propósito de dar um impulso maior às nossas potencialidades não tradicionais, isto é, as não petrolíferas. Por outro lado, procurámos também apresentar a realidade do nosso país, afectado por uma guerra económica e mediática, ao mundo político e empresarial.
A necessidade de superar a crise económica reclama um enorme esforço por parte do povo venezuelano, dos dirigentes políticos e do governo bolivariano. Estamos, por isso, a trabalhar em diferentes frentes, considerando que é fundamental a incorporação de investimento estrangeiro para que possamos desenvolver as nossas forças produtivas, sem com isso colocar em causa os princípios da Revolução Bolivariana – justiça e inclusão social, soberania nacional, progresso económico.
As empresas têm aqui um importante papel a desempenhar, sobretudo na diversificação do nosso aparelho produtivo. Uma das razões para que a crise tenha tido tanto efeito na Venezuela foi a queda abrupta do preço do barril de petróleo. Dependemos 97 por cento dos dividendos petrolíferos. Esses recursos caíram 75 por cento, colocando-nos numa situação de grande vulnerabilidade. Ficámos encostados à parede e a saída imediata que pretendemos é justamente aumentar as exportações não tradicionais.
A longo prazo, apontamos ao desenvolvimento de um poderoso músculo industrial que nos permita substituir importações e gerar um tecido produtivo capaz de sustentar a nossa soberania económica. Sem investimento, tal não é possível.
São desafios que sabemos comportarem componentes económicas e políticas.
Falou em guerra económica, como é que ela se traduz?
Guerra económica enfrentamos desde que o comandante [Hugo] Chávez venceu as primeiras eleições no país. De forma aberta, sem subterfúgios nem biombos, ocorre há cerca de dois anos. Neste período, multiplicaram as frentes dessa guerra através da especulação [com os preços dos bens e serviços], o açambarcamento, a ofensiva mediática e o ataque à moeda nacional. São estes os pontos fundamentais dessa guerra económica que provocou muitos danos, mas os quais estamos a começar a superar.
O aparente consenso dos países produtores de petróleo para a estabilização dos preços do crude pode ajudar a Venezuela a superar essa guerra económica?
Dentro da OPEP, a Venezuela protagonizou um papel preponderante na defesa de uma política de preços justa, sustentável e aceitável para quem produz e para quem compra. Agora estão a ser dados os primeiros passos.
Preços muito baixos não são bons para ninguém, desde logo porque o investimento necessário para extrair e refinar hidrocarbonetos é muito elevado. A médio e longo prazo, sucederia um estancamento da produção por ausência de capacidade de investimento.
Mas há outros elementos de optimismo quanto à situação económica da Venezuela no contexto de uma recuperação lenta, progressiva, mas, a nosso ver, constante. Os inimigos da Revolução Bolivariana previam um tombo económico na Venezuela de tal maneira grande que nos retirariam facilmente do poder. Ora, a verdade é que estamos a conseguir aumentar as exportações, fazer crescer o investimento e a rentabilidade na agro-indústria.
Ultrapassámos a crise eléctrica, que foi muito séria e nos pôs verdadeiramente à prova, com a convergência de factores naturais e da sabotagem.
Os estímulos económicos implementados pelo governo também estão a obter bons resultados. Adicionalmente, a situação política encontra-se crescentemente favorável à Revolução Bolivariana. Temos uma política de cabaz básico e uma perspectiva de colheitas para o terceiro semestre muito boas.
Resistir
Qual é o objectivo dessa guerra económica?
A guerra económica é um guião que conhecemos na Venezuela e noutros países da América Latina. Não esqueçamos que os empresários derrubaram, por 48 horas, o presidente Chávez [em Abril de 2002]. A questão é justamente o objectivo, que se mantém como antes.
Quem a promove [à guerra económica] e apoia procura criar uma situação de ingovernabilidade, de mal-estar e descontentamento popular que se traduza politicamente. De certa forma, a reacção e o imperialismo tiveram sucesso nesse fomento do caos económico e social com consequências políticas.
Os bolivarianos sofreram uma derrota dolorosa nas últimas eleições para a Assembleia Nacional, cujos resultados, a nosso ver, expressaram não o apoio a um projecto político distinto daquele que defendemos, mas uma manifestação de descontentamento para com a situação económica e social. Em todo o caso, foi uma derrota da Revolução Bolivariana.
Ora, a nossa resposta só podia ser a de impedir que os grandes grupos económicos mantivessem a guerra através da especulação dos preços, da desvalorização da nossa moeda, do açambarcamento de produtos essenciais.
A Venezuela é neste momento alvo de um autêntico bloqueio financeiro. Qualquer país, para realizar transacções financeiras correntes necessita de parceiros internacionais. O Citibank decidiu de forma abrupta cortar a relação que mantinha connosco. E isso visava dar a estocada final, colocando-nos num contexto de incumprimento das nossas obrigações soberanas. Podes ter dinheiro, podes ter grandes reservas monetárias, mas se não tens quem te preste o serviço de intermediação nas operações...
Posso relatar-vos que não foi um, mas vários os banqueiros que nos disseram que as autoridades dos EUA lhes pediram explicações sobre transacções nas quais funcionaram como banco operador da Venezuela. Pressionaram para que o deixassem de fazer, isso é seguro.
Apesar de tudo isto, neste momento podemos garantir que pelo menos detivemos essa guerra económica. No entanto, daqui decorre que os adversários da Revolução Bolivariana também mudaram a forma de luta pelo poder. Ou seja: antes a guerra económica servia para promover uma crise política. Agora, a aposta é a promoção de uma crise política que tenha reflexos sérios do ponto de vista económico.
Eles valem-se de uma fachada pseudo-democrática na exigência de um referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro. Nenhum destes planos e estratégias encontra porém eco maioritário entre o povo venezuelano. Mas, igualmente, nenhum se desenrola sem o apoio do imperialismo norte-americano.
É possível ganhar essa guerra?
Resistimos e neste momento estamos a vencer. Há poucos meses, ninguém entregava um euro numa casa de apostas a favor da Revolução Bolivariana. A ideia propagandeada era a de que a derrota da Revolução Bolivariana seria inevitável, que o chavismo não teria capacidade de resposta e que o presidente Nicolás Maduro não durava seis meses.
Neste momento temos o chavismo nas ruas, mobilizado, reivindicando e defendendo as suas conquistas e a sua revolução. É uma maioria esmagadora em relação à contra-revolução. Este é um elemento fundamental e foi um importante escudo contra acções violentas da oposição.
Por outro lado, no plano internacional, a Venezuela goza de autoridade – entre os Países Não-Alinhados, na Assembleia Geral das Nações Unidas, no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. O país sofreu perdas nas suas alianças estratégicas, caso do sucedido no Brasil e na Argentina, mas no entanto conserva grande prestígio.
Para essa autoridade e prestígio contribuiu a perspectiva da Venezuela no plano da cooperação multilateral, casos da criação da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) ou da União das Nações Sul-Americanas (UNASUR)?
Sim, e nesse aspecto percebemos a importância do presidente Hugo Chávez, da sua política de cooperação fraterna e solidária, mas também do impulso dado a alianças contrárias ao poder hegemónico dos imperialistas, por exemplo com a China e a Rússia.
Porém, insisto, no contexto interno, na batalha de resistência em defesa da Revolução Bolivariana, conta e contou, sobretudo, a consciência e atitude do povo venezuelano.
Em todo este processo creio que, além do mais, aprendemos duas coisas. Uma é a confirmação do papel central das Forças Armadas na manutenção da aliança cívico-militar enquanto motor da Revolução Bolivariana. Outra, a importância da solidariedade internacional, que apoiou e apoia a nossa revolução. Neste campo, relevo o papel do Partido Comunista Português.
Progresso e paz
O processo de paz na Colômbia pode ajudar a superar a crispação na Venezuela?
Pode, na medida em que a guerra naquele país deixa de ser um pretexto para a intervenção imperialista em toda a região. Não nos esqueçamos de que o imperialismo norte-americano desenvolveu durante anos o Plano Colômbia, destinado a soterrar os colombianos no terror e a amedrontar e condicionar os povos e os processos soberanos e democráticos na América Latina.
Sentimos orgulho por o presidente Chávez ter sido um dos impulsionadores do processo de paz na Colômbia. Acreditamos que a paz será um importante factor para que o povo colombiano prospere.
No que diz respeito à Venezuela, não somos líricos e temos a consciência de que a pacificação da Colômbia não vai ser decalcada para a nossa realidade. Sabemos que a oposição e o imperialismo não vão desistir, e por conseguinte sabemos que a pacificação do nosso país ainda demorará. Temos eleições presidenciais em 2018. Até lá, esperamos mais e novos episódios de provocação e confrontação.
Sabemos, igualmente, que boa parte do futuro dos processos progressistas latino-americanos e caribenhos dependem do futuro da Revolução Bolivariana na Venezuela. Estamos a fazer os maiores esforços para que se mantenha e avance este processo de transformações democráticas e soberanas em prol do povo venezuelano e dos povos da América Latina.
O contrário também é verdade, isto é, os processos reaccionários que têm triunfado no Brasil ou na Argentina, por exemplo, também têm influência no destino da Venezuela?
É um facto. O imperialismo tem os seus peões em vários países. O conjunto destes – presidentes, ex-chefes de governo corridos pelos seus povos, unem-se e conspiram contra a Venezuela. Sabem da sua importância no plano regional.
O objectivo fundamental geopolítico do imperialismo norte-americano é derrotar a Revolução Bolivariana. Pelo seu simbolismo, pela solidariedade que pratica, pelo contrapeso político e económico que significa. Isto é muito claro.
Daí afirmarmos que a América Latina está claramente dividida em dois campos: as forças pró-imperialistas e os povos e governos cujo objectivo imediato é defender uma política contrária à ingerência e à subserviência ao imperialismo.
À margem da cerimónia de assinatura do acordo de paz para a Colômbia, o presidente Nicolás Maduro conversou com o secretário de Estado dos EUA. Podemos deduzir daí um desanuviamento?
Foi uma conversa cordial. Não mais que isso.
Os EUA e o presidente Barack Obama em particular, renovaram um decreto que titula a Venezuela como uma ameaça à segurança norte-americana, manipulam e instrumentalizam a Organização de Estados Americanos e a Carta Inter-americana dos Direitos Humanos contra a Venezuela, financiam e promovem de forma descarada actos terroristas contra o nosso povo. Tudo isso não deixamos de denunciar, bem como de sublinhar que os EUA não são já os donos do nosso povo, o qual, mesmo nos momentos recentes mais difíceis, esteve massivamente nas ruas.
O contexto era de guerra total – económica, mediática, psicológica. E apesar disso, prevaleceu a ligação e o cariz popular da Revolução Bolivariana, a cultura adquirida pelas massas, elementos de uma ética e uma moral avançadas. Isto é notável e mostra que quem julga que vai derrubar a Revolução Bolivariana com facilidade, engana-se.
O processo em que nos encontramos na Venezuela culmina séculos de luta pela emancipação nacional e social por parte dos povos da América Latina; resulta da audácia de líderes que ficarão na História. Não vamos entregar o poder. Não vamos arrear a bandeira de Simón Bolívar. Vamos lutar porque nos acompanha a razão e a força.