Intervenção de

Acesso e ingresso no ensino superior - Intervenção de Miguel Tiago na AR

5.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro, que regula o regime de acesso e ingresso no ensino superior

 

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

"Governo valida despacho ilegal" dizia a imprensa no dia 2 de Agosto em referência à questão que hoje discutimos. Validou, com o aval supersónico de um Presidente da República que quis deixar a Ministra actuar.

Efectivamente, o Governo remendou mal a manta de retalhos em que já tinha transformado o ingresso no Ensino Superior e a política educativa para o Ensino Secundário.

O regime de ingresso no Ensino Superior constitui uma saga para os estudantes do Ensino Secundário. Os estudantes são, em função das opções políticas que têm vindo a afunilar o acesso ao Ensino Superior, cada vez mais formados num espírito de individualismo e competição tendo em vista especialmente os resultados nos exames nacionais.

Este sistema de acesso provoca profundos desequilíbrios no Ensino Secundário, no plano da aprendizagem, da formação integral do indivíduo, e principalmente, no plano económico e social. A existência de Exames Nacionais de carácter eliminatório iguais para todas as escolas independentemente de estas apresentarem entre elas assombrosas diferenças é um mecanismo de selecção social óbvio que distingue essencialmente aqueles que podem pagar explicações ou escolas privadas daqueles que não podem.

E, nesta opção política, tanto o Partido Socialista como o CDS e o PSD estão em sintonia: importa limitar a entrada dos pobres no ensino superior para garantir a estratificação social no médio e longo prazo. Importa garantir a limitação do conhecimento a uma esfera restrita da sociedade portuguesa.

O Decreto-lei 296-A/98 estabelece, portanto, estas ideias básicas que tanto agradam a toda a direita, embora contrarie princípios básicos da Constituição da República Portuguesa e dos ideais de Abril.

Mas hoje discutimos uma alteração específica a este decreto-lei. A alteração introduzida pelo decreto-lei nº 147-A/2006 de 31 de Julho vem agravar a injustiça já referida por lhe introduzir grande factor de arbitrariedade. Não é compreensível que, no plano político, o Governo tenha criado cada vez mais barreiras eliminatórias, que retire cada vez mais aos estudantes do Ensino Secundário as segundas oportunidades, retirando-lhe a possibilidade de efectuar melhorias depois da 1ª fase de exames nacionais e que, agora, venha introduzir o factor discricionário do (cito) "despacho fundamentado do membro do Governo com tutela sobre o ensino secundário" (fim de citação).

Esta alteração tem dois pilares: o primeiro, o pilar da desorganização e da incapacidade política e executiva dos governos em garantir a igualdade perante os exames nacionais por incompetência, mas também por opção. O segundo, o pilar da intocável sapiência do membro do governo que tutela o ensino secundário permitindo-se alterar regras discricionariamente. Com nenhum dos dois deve a lei compactuar e muito menos, dar abrigo e garantia.

Para o PCP, a própria existência dos Exames Nacionais como condição para o acesso ao Ensino Superior é uma das bases da injustiça social que tem provocado a crescente elitização do Ensino. Os exames nacionais são um degrau, uma clivagem que agudiza um crescendo de exigência social e não educativa ou de avaliação. A incapacidade de os Governos reconhecerem esta realidade tem conduzido milhares de estudantes a situações de esgotamento individual, a situações de injustiça e de distorção dos princípios da Educação como parte da formação integral e plena dos cidadãos enquanto seres humanos.

Agravar um regime deste tipo com a possibilidade de haver falhas no sistema que permitam a agudização da situação actual e com a gravíssima lógica de arbitrariedade atribuída a cada membro do Governo que tutele a área do ensino secundário não é a forma adequada de resolver os problemas dos estudantes do ensino secundário.

Como pode um Governo exigir aos estudantes do ensino secundário dedicação e total primor e rigor quando é o próprio Governo a assumir, através da sua acção, um comportamento aleatório, confuso e arbitrário? Como pode o Governo exigir aprumo aos estudantes sem lhes dar as mínimas condições de estudo e ainda por cima colocando-lhe a instabilidade do sistema de exames nacionais como norma legal.

"Hoje apetece-me que eles repitam exames..." pode bem ser a frase matinal de um qualquer Secretário de Estado futuro no cumprimento das disposições legais actuais. E isso teria cabimento. É essa arbitrariedade, que tanto pode estar sujeita à vontade do próprio como a compromissos políticos, que importa eliminar da lei.

O PCP proporá hoje, nesta apreciação parlamentar que o PSD suscitou e que saudamos, a cessação da vigência do decreto-lei nº 147-A/2006 de 31 de Julho, por entendermos que os estudantes do ensino superior merecem mais que política de remendos e de escolha arbitrária sobre a repetição dos exames nacionais.

É conhecido o impacto que teve, no passado ano lectivo, um despacho do Secretário de Estado da Educação que precedeu o decreto-lei que hoje apreciamos e é patente o conjunto de injustiças que gerou na suposta tentativa de suprir outras.

O Decreto-Lei nasceu apenas para dar cobertura a um atropelo à Lei levado a cabo pelo Ministério da Educação, que numa altura em que devia reconhecer erros, insistiu neles.

Aquela que foi apenas mais uma medida de flagrante populismo e de demissão de óbvias responsabilidades por parte do Governo, não merece, certamente, o apoio desta Assembleia.

Não podemos admitir que, a cada Secretário de Estado que vá passando pelos governos, naveguem, à deriva claro, os destinos dos estudantes do Ensino Secundário no fim de 12 anos de esforço e dedicação próprios e das suas famílias.

 

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