Interpelação n.º 3/X, sobre condições de prestação e de acesso aos serviços públicos essenciais
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Em 24 de Maio de 2001 afirmámos no encerramento de uma interpelação
ao Governo sobre o Estado dos serviços públicos em Portugal:
“O Governo falou hoje muito sobre o conceito de Estado moderno. Mas,
infelizmente, o conceito de Estado moderno subjacente às teses do
Governo é a de um Estado que assume e promove a desresponsabilização e
a diminuição das políticas públicas em matérias de interesse básico
para os cidadãos. E esse não é um Estado moderno. É um Estado que
assume o que de pior têm as teses neo-liberais de mercado.”
O Governo é hoje novamente do PS e curiosamente este discurso do
Estado moderno é recorrente nas grandes operações de propaganda que de
vez em quando são organizadas para anunciar chusmas de medidas que
prometem a imediata modernização do Estado e vida melhor e mais fácil
para todos.
Por isso julgamos ter sido acertada a marcação desta interpelação ao
Governo sobre a situação dos serviços públicos em Portugal. Sobre a
situação real e concreta. Sobre o país que não cabe nas salas de
propaganda do Governo mas que sente as consequências concretas da sua
política.
Quisemos fazer esta interpelação assente no contacto com os
problemas concretos, com as populações e seus representantes. E temos
de concluir que, 5 anos depois, os problemas que denunciámos em debate
semelhante se diversificaram e ampliaram.
As políticas de sucessivos governos e especialmente do actual
constituem uma verdadeira operação pública de aniquilação dos serviços
públicos, uma OPA aos serviços públicos em Portugal. A propaganda não
resiste à dura prova da realidade. Por todo o país estamos a assistir
como nunca ao desaparecimento, limitação e degradação profunda dos
serviços públicos a que a população tem direito.
Os serviços públicos foram sujeitos a severas linhas de ataque com
vista ao seu enfraquecimento, quer para deixarem de garantir direitos
essenciais às populações, quer para cada vez mais deixar o campo livre
ao sector privado criando e agravando desigualdades entre territórios e
populações.
Desde logo um severo processo de subfinanciamento e ausência de
recursos e de investimento, agravado com a absurda obsessão do défice,
que deixou muitos serviços na mais absoluta paralisia e degradação.
Depois um ataque aos trabalhadores da administração pública e aos
seus direitos, com consequências profundas na sua degradação, a par de
ataques semelhantes nas empresas que prestam serviços públicos. Com a
extrema precariedade dos trabalhadores degradam-se as condições de
prestação de serviços públicos.
Por outro lado uma política de forte concentração e encerramento de
serviços, sempre justificada como racionalização mas que mais não é do
que contenção forçada de recursos e afastamento dos serviços das
populações.
Finalmente uma forte linha de privatização, seja de empresas antes
públicas ou ainda públicas prestadoras de serviços essenciais, seja
agora com a própria privatização da administração pública,
eufemisticamente chamada de externalização.
A preparação desta interpelação reflecte bem como no PCP entendemos
o exercício do mandato de Deputados. Foi uma preparação de proximidade
com inúmeros encontros, visitas, contactos com populações e
instituições, na busca de uma visão o mais aproximada possível da
realidade concreta. Não precisamos de nenhuma lei eleitoral para a
aproximação dos eleitos aos eleitores; essa é a nossa prática corrente.
Trazemos hoje o país portas adentro do parlamento.
Uma das realidades concretas que encontrámos foi a das consequências
das privatizações de serviços públicos, as já feitas e as que estão em
preparação.
Vejamos o caso da EDP. Com a privatização a EDP passou a ter um
único objectivo. Garantir os lucros dos accionistas. Assim os
trabalhadores da empresa foram reduzidos a metade, com evidentes
consequências na qualidade e na segurança do serviço prestado. Há casos
de dois trabalhadores de piquete de urgência para 6 concelhos. Os
balcões comerciais e instalações técnicas da empresa foram praticamente
exterminados no território nacional. Hoje 216 concelhos, onde existem
mais de 2 300 000 consumidores não têm qualquer instalação da EDP,
estando na maioria dos distritos, a representação da empresa
circunscrita à capital de distrito. Entretanto a empresa teve no ano
passado o lucro recorde de 1071 milhões de euros e no entanto prevê
aplicar em 2006 um aumento de 15 ou 16% para os consumidores
domésticos, com o impulso do Governo que entendeu retirar o
condicionamento da inflação na formação dos preços. O Grupo EDP investe
hoje méis no estrangeiro do que em Portugal. Aliás a própria entidade
reguladora tem autorizado que inúmeros encargos da empresa sejam
reflectidos na factura dos consumidores. Chegámos ao cúmulo de as
indemnizações pelo despedimento e 1500 trabalhadores serem, com
autorização da ERSE, pagas pelos consumidores. Aliás a ERSE aplica um
regulamento de qualidade à empresa que, pasme-se é menos exigente do
que aquele que a própria empresa anteriormente tinha internamente.
Assim se prova que a única regulação que dá garantias, não é a de
entidades independentes mas coniventes com as lógicas de mercado, mas
sim a da manutenção de uma forte capacidade de prestação pública.
Vejamos igualmente o que se passa já com a privatização da água,
disfarçada de concessão da distribuição, ou de forma mais atrevida,
privatização em sentido material. Por esse país fora multiplicam-se os
aumentos brutais, como os 134% em Alenquer ou os 146% na Figueira da
Foz, generalizando-se em todo o país o pagamento de taxas de
disponibilidade ou com qualquer outro nome que disfarçam cobranças
ilegais, mas que curiosamente o Peaasar II propõe que passem a
cobrar-se.
Nos transportes rodoviários, depois da promessa de que com a
privatização da Rodoviária Nacional as carreiras não seriam diminuídas,
o que vemos hoje é a redução da rede de transportes ao que é
garantidamente lucrativo, deixando milhares de localidades sem qualquer
transporte colectivo.
Nos Correios estão bem à vista os preparativos da privatização, com
uma redução absurda do pessoal, a concentração galopante dos postos e
estações e o abandono da prioridade ao serviço postal. No distrito da
Guarda a maioria dos concelhos estão reduzidos a ter estação de
correios apenas na sede de concelho. Por esse país for deixou em muitos
sítios de haver distribuição diária do correio como é obrigação do
serviço postal, passando a ser de dois em dois ou de três em três dias.
É o que acontece por exemplo nas freguesias do Piódão e de Vide em que
a redução dos carteiros de dois para um a isso obriga.
De tudo isto se conclui que as privatizações na área dos serviços
públicos tiveram como consequência a degradação, o encarecimento e a
diminuição dos serviços públicos. É o carácter público da prestação
destes serviços que garante que os direitos das populações e não o
lucro estão em primeiro lugar.
Na preparação desta interpelação encontrámos uma forte contestação
das populações às medidas anunciadas de encerramento de unidades de
saúde ou de limitação dos seus horários.
Recebemos por exemplo uma moção da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo que diz:
“ …. Encontramo-nos a 70 quilómetros da Sede do
Distrito, a cerca de 1 hora de distância do centro hospitalar mais
próximo, se tivermos como ponto de partida a sede do concelho, porque
se tivermos ao invés de partir um lugar no estremo norte do nossos
concelho, Barca de Alva, essa distância e esse tempo aumenta para 90
quilómetros e 1 hora e trinta minutos … levando a que a urgência nessa
povoação só pudesse ser socorrida dentro de, estimadamente, 2 horas,
caso o funcionamento do serviço fosse exemplar, com a respectiva
chamada para os meios de socorro apropriados e o respectivo
encaminhamento para o hospital em causa.”
Mas como sabemos que o Governo provavelmente desconfia das intenções
do poder local, temos também a resposta do próprio Governo a um
requerimento relativo ao encerramento da prisão de Odemira que diz
entre outras coisas o seguinte:
“A situação periférica de Odemira, os seus acessos difíceis e as
grandes distâncias dos tribunais a que as reclusas estão afectas
obrigam a demoradas deslocações, com a consequente afectação de
recursos humanos, sobrecarga de horários para o corpo da guarda
prisional, enorme desgaste das viaturas celulares e avultados gastos em
combustível. As necessidades de constante assistência hospitalar destas
populações e a inexistência de resposta em Odemira, que dispõe apenas
de um centro de saúde, obriga ainda a permanentes deslocações a Beja ,
que fica a cerca de uma centena de quilómetros, gastando-se em cada
viagem, de Odemira a Beja, cerca de 1 hora e 30 minutos. Em virtude
destas situações específicas de Odemira, cada uma das quatro viaturas
celulares existentes percorrem, em média e por mês, 7548 quilómetros .”
Ou podíamos ainda referir o caso relatado ontem pela comissão de
utentes de saúde de Odivelas. A construção de um novo Centro de Saúde
foi sendo prometida por sucessivos Governos tendo sucessivamente verba
no PIDDAC. Em 2001, na véspera das eleições autárquicas, o Governo do
PS assinou pomposamente com a Câmara Municipal um protocolo para a
concretização da construção. Realizadas as eleições eis se não quando a
verba desapareceu do PIDDAC. Até hoje.
Muito contestadas têm também sido as intenções do Governo em relação
às maternidades. O Ministro da Saúde teima em dizer que prefere a
distância segura à proximidade insegura. Só não explica porque é que
para o Governo não é opção a proximidade segura com mais investimento e
recursos humanos. No caso da Beira Interior atinge o cúmulo do cinismo
ao querer descartar-se da decisão de encerramento e ao falar
insistentemente na existência de uma auto-estrada entre a Guarda e
Castelo Branco, como se as populações estivessem todas junto aos
respectivos nós.
Mas também nas zonas urbanas a política economicista se faz sentir.
É o caso do encerramento apressado do Hospital do Desterro,
supostamente justificado com a abertura do novo Hospital de todos os
Santos, que como é bom de ver, não está para abrir em breve, e sem que
estejam garantidas as condições para a continuação integral das
actividades deste hospital noutras unidades já sobrecarregadas e
igualmente com edifícios antigos e desajustados. A vida adiante
demonstrará o que de facto levou a esta pressa de encerramento, e se ao
interesse da saúde se sobrepôs ou não algum interesse de carácter
imobiliário.
Na Educação, bem pode o Primeiro-ministro continuar a falar do
encerramento de escolas só com 2 ou três alunos. A realidade é bem
diferente. Estivemos na escola primária e jardim-de-infância do
Baraçal. O Governo quer encerrar esta escola e enviar as crianças para
outra freguesia. A escola tem cerca de uma dúzia de alunos e terá mais
no próximo ano. Tem melhores condições do que a escola de destino.
Recebeu até um computador pelo mérito de um projecto apresentado pelas
suas crianças. Trata-se de uma freguesia que já perdeu o posto dos
correios, já não tem transporte rodoviário e apesar de ter um
apeadeiro, praticamente deixaram de ali parar os comboios. Ouvimos a
indignação justa das pessoas, o desencanto da Junta de Freguesia que
até tem terrenos a preço simbólico para fixar jovens casais mas que sem
serviços públicos estará condenada a definhar. Este é o efeito do
encerramento dos serviços públicos. Uma política de destruição do
interior do país, de incentivo à desertificação, de abandono das
populações e de agravamento das assimetrias regionais.
Também em serviços centrais se verificam situações insustentáveis.
Visitámos o IPA e o LNIV, deparando-nos com duas instituições que
desenvolvem um trabalho de alta qualidade e estratégico para o país e
que enfrentam, para além da incerteza dos efeitos do PRACE, situações
de carência de pessoal e de recursos cada vez mais gritantes.
Veja-se o que acontece com a falta de meios das comissões de
protecção de menores que leva a que existam em Portugal mais de 1400
crianças e menores em risco ilegalmente institucionalizados.
E se dúvidas tivéssemos sobre o estado do país em relação aos seus
serviços públicos, bastaria olhar para o levantamento que fizemos dos
requerimentos que neste ano fizemos, relacionados com questões de
serviços públicos, num total de 368 requerimentos.
Na verdade estamos perante a transformação do Estado social
consagrado na Constituição de Abril, num Estado liberal, assente na
filosofia, perfilhada pelo primeiro-ministro de que menos Estado é
melhor Estado. A Constituição consagra importantes princípios no que
diz respeito aos serviços da administração pública e determina a
aproximação dos serviços públicos às populações. Mas o Governo faz o
contrário.
É uma política desastrosa para o país, já que sem serviços públicos
de qualidade não há verdadeiro desenvolvimento e melhoria das condições
de vida dos portugueses.
O governo deve pois olhar para a realidade que hoje aqui trazemos
que mais não é do que uma parte da realidade que existe no país. Deve
saber que continuando esta política terá como resposta uma cada vez
maior indignação e luta das populações pelos seus direitos, pelo
desenvolvimento das suas regiões, pelos seus serviços públicos.
E pode ter a certeza que o PCP estará na primeira linha dessa luta.
Disse.
(…)
O Sr. Ministro acabou de afirmar, dando como exemplo, que o PCP
critica sempre o que está para trás em função do que aí vem. Isso
também qualifica aquela que tem sido a política do seu Governo — e dos
vossos governos —, o que quer dizer que vão sempre piorando as medidas
em relação ao presente.
Mas agora escolheu o exemplo errado. É que o Sr. Ministro, se
calhar, já não se lembra que, por acaso, quanto à Lei Quadro do
Pré-Escolar, o PCP votou a favor e que, sempre que há medidas que
avançam no sentido positivo, os governos do Partido Socialista sempre
contaram com o voto do PCP. A nossa lamentação é a de que elas são
muito poucas; a nossa lamentação é a de que, ainda agora, o Sr.
Ministro, na intervenção que fez há pouco, encontrou duas ou três
medidas em que tinha estado «de braço dado» com o CDS, e é muito mais
difícil encontrar aquelas em que teve acordo com o PCP.
E isso não é um problema do PCP mas da política que os senhores seguem.
Por isso, se as escolas que os senhores estão a encerrar encerram
porque não tinham giz, então, pergunte de quem é a culpa de não terem
giz: se é das pessoas que lá estavam, se é dos professores, se é dos
pais… De quem é a culpa e por que é que, em vez de fechar a escola, o
Sr. Ministro não manda para lá uma caixa de giz?! Não seria mais
barato, mesmo para o problema do défice?!
Portanto, Sr. Ministro, não vale a pena deturpar aquilo que está a
passar-se. Não encontrámos nestas visitas famílias que entendessem que
o encerramento das escolas onde os seus filhos têm condições para
estudar fosse positivo para a vida deles. Não acontece isso em relação
àqueles que vão passar a ter de sair de casa às 6 horas da manhã, não
acontece isso em relação àqueles que vão passar a ter de se deslocar a
pé, porque não há transportes públicos para os transportar. Isso não
acontece! O que está a dizer é uma demagogia, porque não corresponde à
realidade.