1. Os problemas causados pelos ataques de alcateias de lobos em algumas zonas serranas são bem conhecidos dos ministérios da Agricultura e do Ambiente. Mas as preocupações dos produtores pecuários em várias zonas serranas – Montemuro, Gralheira, Estrela, Alvão, Marão, Gerês, Padrela, Arga – têm crescido face à incapacidade de as entidades públicas, nomeadamente ICNF e Direções Regionais de Agricultura do Norte e Centro, lhes responder devidamente. O que acontece por falta de recursos humanos e meios financeiros suficientes na prevenção e no pagamento de indemnizações adequadas e atempadas. A que se acrescentam exigências colocadas à produção, manifestamente inaceitáveis e absurdas, quando não proibidas (nas áreas da Rede Natura 2000), como a imposição de vedação com malha ao solo (50 centímetros) das suas parcelas agrícolas.
2. Em 19 de janeiro realizou-se na sede da ANCRA, em Cinfães, promovida pela Comissão de Agricultores de Cinfães para Defesa da Produção Pecuária, uma reunião com cerca de 100 agricultores do concelho, dedicados à produção de bovinos da raça arouquesa, no sentido de fazer um ponto da situação sobre os prejuízos causados por alcateias de lobos, onde estavam presentes o presidente e vice-presidente da ANCRA e o vice-presidente da câmara municipal de Cinfães.
Os produtores assinalaram o agravamento dos problemas causados pelos ataques de alcateias. O Presidente da junta de freguesia de Alvarenga, e produtor, deu conta da transferência da sua vacada da região para o Alentejo, face aos prejuízos com animais mortos e à falta de garantias de que a situação ia ser resolvida. Mesmo se algumas indemnizações foram pagas, continuam os atrasos, a que se soma o facto de o ICNF dizer que não paga animais mortos fora de áreas confinadas – áreas não vedadas e baldios! Noutros casos não pagam porque consideram que os produtores não têm os cães suficientes. Acresce que os atrasos nos pagamentos significam que os produtores não podem repor com prontidão os seus efetivos, arriscando-se a perder os subsídios e ajudas do PDR a que têm direito, pois a legislação só permite esse vazio durante 15 dias. Já houve agricultores penalizados por estes factos. Há ainda prejuízos morais que não são considerados.
A situação, além de um exigente e atento pastoreio, criou já também receios de possíveis ataques a seres humanos. De forma muito séria, as agricultoras presentes na reunião afirmaram: «Hoje, eu tenho medo de levar as minhas ovelhas, as minhas vacas ao pasto!».
O Presidente da ANCRA deu conta da exposição circunstanciada dos problemas, referiu a Carta Manifesto que a ANCRA entregou aos técnicos do ICNF, a 11 de novembro passado, com um conjunto de nove reclamações para se «encontrar uma solução viável quer para a vida selvagem quer para a criação e manutenção da raça arouquesa e dos pequenos ruminantes».
3. Uma outra questão que merece ponderação e solução é a recolha dos animais mortos pelo SIRCA e o seu abate na base de dados SNIRA. Como o ICNF tem o período de cinco dias para proceder à vistoria, e não permite que o animal seja removido do local nem que haja alteração de quaisquer vestígios, sob pena de não ser reconhecido o direito à indemnização, quando o SIRCA faz a recolha dos despojos, muitas vezes só encontra partes da carcaça que, enquanto existirem, têm a utilidade de continuarem a alimentar os lobos, travando o ataque a outros animais. Pela sua localização nos ermos das serras e montes, não parece que esses despojos possam criar problemas de saúde pública. Por outro lado, o abate dos animais no SNIRA poderia ser realizado com base no documento modelo do ICNF de registo do incidente.
4. Uma exigência do ICNF referida na reunião é que os produtores vedem as suas parcelas e leiras com redes de malha inserida no solo (enterradas 50 centímetros). O que é uma manifesta impossibilidade e um absurdo para explorações onde, desde sempre, foram utilizados os tradicionais muros e/ou renques de árvores e arbustos. Além de que estando propriedades em áreas da Rede Natura 2000 tal é proibido.
Entretanto, o ICNF não faz o que lhe cabe fazer, nomeadamente o recenseamento, monitorização e o controlo das populações de lobos e das alcateias. Por exemplo, o ICNF fala em duas - Montemuro e Arada - mas há quem tenha detetado pelo menos três alcateias. O que certamente resultará da falta de recursos humanos e meios para o exercício das suas funções. Sabe-se, por exemplo, da falta de verbas para o gasóleo dos veículos em que os técnicos se deslocam.
5. O Governo anunciou, a 27 de janeiro, pela voz do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, um conjunto de iniciativas para responder aos problemas. Foi referida a disponibilidade de 57 milhões de euros de fundos comunitários para investir na proteção do gado. O problema é que a resposta no concreto não tem estado, e não está, no terreno. Quer no pagamento atempado e suficiente dos prejuízos verificados quer relativamente aos prejuízos com animais mortos fora das zonas ditas confinadas, como aconteceu com gado atacado em terras baldias. Quer ainda pelas exigências absurdas, que se tentam impor aos produtores.
A preservação do lobo ibérico e de outra vida selvagem é do interesse país e das regiões. Mas não pode ser feita com a transferência dos seus custos para os agricultores e pastores, nem pode pôr em causa outros importantes patrimónios naturais, como os das nossas raças autóctones criadas nos seus solares seculares e tradicionais.
Tendo em consideração as reclamações da ANCRA – Associação Nacional dos Criadores da Raça Arouquesa, da APT, da Comissão de Agricultores de Cinfães para a Defesa da Produção Pecuária, da Associação dos Pastores Transmontanos e outras associações de produtores, o Grupo Parlamentar do PCP propõe um conjunto de medidas que vão ao encontro das reivindicações e das necessidades dos agricultores e das regiões afetados.
Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:
1. Concretize medidas imediatas no sentido de identificar – efetuando o levantamento de todos os animais abatidos e desaparecidos – e pagar em prazo não superior a 60 dias, todos os prejuízos verificados, em zonas confinadas e não confinadas, motivados por ataques de lobos;
2. Admita que, por decisão dos agricultores afetados, estejam presentes nas operações de avaliação dos prejuízos, representantes e/ou delegados das associações de produtores;
3. Estabeleça, por Portaria, a elaborar com as associações de produtores, de instrumento que regulamente a determinação do valor dos animais abatidos e desaparecidos, conforme os preços médios de mercado nos seis meses anteriores e tendo em conta a tipologia das rezes, nomeadamente o serem ou não de raças autóctones e DOP. O valor assim determinado deve ser majorado por suplemento que tenha em conta os danos morais infligidos;
4. Legisle no sentido de que o vazio de efetivos verificados por estes motivos nas explorações, não seja considerado para candidatura de acesso ou pagamento das ajudas no quadro do PDR, tendo os agricultores um período de 60 dias contados a partir da data do pagamento da indemnização para a necessária reposição dos animais abatidos ou desaparecidos;
5. Efetue com caracter de urgência:
a. O recenseamento das populações de lobos e alcateias, em todas as regiões serranas onde está comprovada a sua presença, disponibilizando os meios humanos e financeiros ao ICNF necessários a esta operação e à continuada e sistemática monitorização, controlo e gestão das suas populações;
b. A monitorização e controlo, pelo ICNF, das populações de espécies que são presas naturais do lobo, e proceda à reintrodução das mesmas caso seja necessário, em articulação com as reservas de caça locais, na recolha de dados e controlo da densidade dessas espécies, sendo que algumas são cinegéticas;
6. Considere e legisle:
a. Em situações temporárias de regiões declaradas de elevado risco pelo ICNF, face a um alto grau e densidade de ataques e prejuízos, que possam ser propostas ajudas para assegurar o pastoreio em permanência (24/24 horas);
b. Para pôr fim a todas as exigências manifestamente desadequadas como a das vedações;
c. Admitir, face a parecer do ICNF, que os animais mortos não sejam recolhidos pelo SIRCA e que o seu abate na Base de Dados SNIRA possa ser feito por recurso ao documento/Modelo do ICNF «Relatório de Vistoria» de levantamento do incidente;
d. Regulamentar a atribuição de apoios para a aquisição e manutenção de cães de guarda.