Intervenção de Agostinho Lopes, Membro da Comissão Central de Controlo do PCP, XXII Congresso do PCP

A economia e tudo o resto

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Camaradas,

Como está o país? Não estamos bem. O crescimento económico é rasteiro. Piorou desde o último Congresso. Uma forte subida do custo de vida. Os preços estão 16,6% mais altos do que quando realizámos o nosso último Congresso em 2020. Os salários muito baixos na escala europeia. Mais grave: não asseguram uma vida digna, mesmo se a luta dos trabalhadores deu resultados e reduziu alguns estragos. Demasiadas pensões e reformas são demasiado baixas – «Portugal é dos países (o 6.º na UE) onde mais se trabalha após a reforma por necessidade». A pobreza é um cancro para 1/5 dos portugueses. Atinge com força os reformados. 10% dos que trabalham são pobres. Os apoios sociais, que limitam maiores privações, são dos mais baixos da UE e insuficientes.

Mantêm-se as desigualdades regionais que não são colmatadas com a transferência de uma secretaria da Estado para Bragança enquanto a  CGD (e outros bancos) encerram, agências e multibancos.

O investimento e a despesa corrente em bens e serviços públicos essenciais está longe do necessário. E muitos são os serviços, hoje prestados por empresas privatizadas ou concessionadas que são degradados. O serviço postal e CTT são um bom exemplo.

Na habitação tudo o que se disser é pouco. Diz a OCDE: «O custo da habitação em Portugal tem dos piores agravamentos do mundo rico». O líder do maior Fundo Imobiliário justifica:  «não havia retornos assim», há décadas!

Acentuou-se um tecido empresarial dominado pelo capital estrangeiro, e com a perda significativa  de centros de decisão estratégicos. Dominam grupos monopolistas, sobretudo nos chamados bens não transaccionáveis. Logo preços «especulativos» no crédito, na energia, nas telecomunicações, a «cavalgar» os sectores produtivos e as MPME e a entrar no bolso dos consumidores.

Um capital privado subsidio-dependente. Para criar capital social, criar uma empresa ou reforçá-lo, para investir, para fazer investigação e inovar – I&D – , para aumentar salários, para se internacionalizar, para assumir riscos (e até para falir), é preciso haver subsídios, também chamados fundos europeus e incentivos fiscais! Tempos houve em que o «risco» empresarial, diziam, era a justificação «moral» para o lucro! Agora o risco é todo do Estado. Ou como eles gostam, dos «contribuintes»! É curto o investimento privado, preferem a distribuição de dividendos, ou investir noutras paragens. Resultado: baixas produtividades. Baixas competitividades.

Com este mar de dificuldade económicas, apertos de tesouraria familiar, de negócios públicos e privados conspurcados pela corrupção, com uma visão de uma justiça para ricos e para pobres, com o apodrecimento de solidariedades e fraternidades, com a sobreposição do interesse individual egoísta ao bem das comunidades de trabalho e de vizinhança, e até em confronto com a partilha social (sindical, associativa, desportiva e cultural),  de uma comunicação social dominante sectária, reaccionária e inculta, guiada pela voz do dono e das centrais de desinformação do imperialismo (ver alguns comentários do dia que nós ontem tivemos aqui de Congresso, ver hoje os comentários que foram feitos ao dia de ontem deste Congresso, se alguém tiver dúvidas), de regressão dos valores de Abril, não é de estranhar que chegue o Chega. E outros se lhe vão atrelando, à espera de não ficar para trás, em qualquer trumpice que atinja o poder político em Portugal! A ausência de respostas aos portugueses impacta o sistema político. São muitos a localizar no «sistema político» a causa dos problemas. O que facilita a tentativa de o alterar –  as leis eleitorais, o número de deputados, com círculos uninominais. Isto é uma falsa resposta aos problemas. O que se prolonga com a fragmentação do espectro partidário, com o aparecimento de partidos «maravilha». Tudo para travar reais alternativas democráticas. Tudo para continuar a assegurar um poder político fiel e subordinado aos interesses do capital.

Camaradas,

Sabemos como chegamos aqui. Anos de recuperação capitalista, latifundista e imperialista. Enfeudamento à União Europeia e ao euro. Privatizações e liberalizações. Submissão do poder político ao capital monopolista. Subversão da legislação laboral de Abril e combate aos sindicatos e sindicalismo de classe. Crimes económicos, uns atrás dos outros. Não é crime, não foi um grande crime, camaradas, a destruição, o pôr fim, por exemplo, ao alto forno da Siderurgia Nacional para que o país que nós somos, que temos as terceiras maiores reservas de ferro da Europa, continuarmos a fazer ferro em Portugal à custa da sucata importada?  Ou então, aquilo que aconteceu mais recentemente, com o encerramento da Refinaria de Matosinhos. Crime, camaradas, crime cometido pela política de direita.

Camaradas,

Por razões que bem se percebem PS e PSD nunca irão assumir as responsabilidades pelo mal feito, nunca se declararão autores dos problemas, estrangulamentos, impasses que o país enfrenta.

Nunca irão assumir, por exemplo, a sua responsabilidade pela degradação do SNS.  Tal não aconteceu porque «deixaram o SNS entregue ao acaso» (sic), como diz o Barreto, mas porque o entregaram ao capital!  Nunca assumirão as culpas de um calamitoso inverno demográfico. Os que agora falam em «reter talento» são os mesmos que ontem mandavam os jovens «sair da zona de conforto»! Os que agora assumem a oportunidade e o êxito do Alqueva são os mesmos que num passado próximo sabotaram tanto quanto puderam a sua construção. Os que agora lamentam (ainda Barreto) «as centenas de linhas de caminho de ferro encerradas e outras tantas abandonadas» (sic)  são os mesmos que apadrinharam governos e as suas políticas ferrocidas, acolitadas por directivas comunitárias, que as destruiram. 

Os que agora falam  de um «aparelho de Estado» degradado – Barreto escreve que PS e PSD «têm de comum terem deixado decapitar a inteligência e a capacidade técnica do Estado» e o jornalista do Público, Manuel Carvalho, diz  que «O Estado perdeu competências e capacidade estratégica» – são os mesmos que há décadas vociferam contra o peso do Estado nas contas públicas,  estão de acordo com “entra um quando sai um” na Função Pública. Tudo para garantir haver excedentes orçamentais e «contas certas».

São os mesmos que acham  que «PS e PSD têm de comum uma história de serviços prestados ao país e à população.», mas que por «incompetência», «ineficácia», «insensatez» (ou mesmo «corrupção») dos seus ministros/governos fizeram mal ou não fizeram nada em  áreas essenciais como o Serviço Nacional de Saúde, a Novo Aeroporto de Lisboa, a Ferrovia ou a Justiça. (Assim proclama o Profeta do latifúndio Barreto!)! Este distorcer das causas, esta fuga à indicação das opções estratégicas e políticas, dos interesses que serviram, que estão por trás do que não se fez ou se fez mal, tem uma enorme vantagem: anula qualquer alternativa política. Esta negação da política, das classes e lutas de classes, do papel dos partidos e despartidarização da política, é uma refinada forma de dizer que não há nada a fazer, a não ser reclamar que PS e PSD tenham ministros mais competentes, sensatos, eficazes, honestos, não corruptíveis! É uma forma de anular a alternativa e as propostas alternativas que o PCP sempre protagonizou e reclamou e propôs. São os que acham que todos os males vem do «partidarismo» e de que tudo se resolveria com entendimentos partidários, «a bem da nação». Tudo isto, enquanto tripudiam sobre o único pacto nacional que é a Constituição da República Portuguesa. De facto no limite (extremo) com que alguns sonham, viveríamos melhor melhor sem partidos e sindicatos.

Como PS, PSD e CDS não podem esconder o que andaram a fazer ao longo destas décadas, então há que disfarçar. Não foi para servirem o capital, foi por «incompetência« ou «ineficácia» do ministro. Não foi para se se submeter às ordens de Bruxelas ou de Washington, foi por «insensatez» do governo.

Camaradas,

O falhanço quase total das suas opções e políticas económicas e sociais ao longo destas décadas depois de Abril, deveriam levar pelo menos a séria uma reflexão.

Mas é extraordinário ver o que «teóricos» de diversos matizes vão avançando de novo para a salvação da economia nacional. De facto avançando o velho e repetindo o que dizem desde que a recuperação capitalista e latifundista se iniciou no pós 25 de Novembro!

A vulgata do capitalismo neoliberal. Privatizações, mais privatizações. Mais liberalização do mercado da força de trabalho. Baixa da carga fiscal sobre o capital, incluindo das taxas para a Segurança Social. Capitalização da segurança social. Mais desregulação e desregulamentação económica. O capital estrangeiro a substituir o capital caseiro. A continuação do desmantelamento do Estado.    

Até tivemos alguém a pedir um um Plano e o Governo AD avançar com um Centro de Planeamento. Temos que dizer que têm que ter cuidado porque a  IL mantém dúvidas sobre os planos quinquenais… Outra proposta: o crescimento das MPME. Nós só temos empresas pequenas e as 39 maiores empresas associaram-se no BRT (Mesa Redonda em inglês claro!) para ensinar as pequenotas a ganharem peso... Diríamos que certamente o esquema de Ponzi das bitcoin terão um papel central no financiamento…

Outra velha solução é a repetição da salvação pela inovação tecnológica. Dizem alguns que a Inteligência Artificial vai multiplicar o PIB. 

Para outros concertar o «elevador social» é a prioridade. Esquecem que os especialistas em meritocracia, no país meritocrático por excelência, os Estados Unidos,  concluíram: «A meritocracia bloqueia a igualdade de oportunidades», «A desigualdade económica nos EUA produz hoje uma maior desigualdade em termos de educação do que o «apartheid» americano em meados do século XX.»   

Na reindustrialização podemos estar sossegados: o estábulo de unicórnios do Moedas já está em funções…

Camaradas,

Sabemos o que temos de fazer.

Travar a política das forças de direita. E abrir caminho a uma política patriótica e de esquerda. Confrontar PSD e PS e companhia com os resultados da política dos seus sucessivos governos. Confrontar o nosso povo com os factos e as dificuldades da sua vida no concreto com responsabilidade nas políticas de direita de PSD e PS. 

Abrir caminhos para a mudança significa a recuperação pelo Estado do comando político da economia, com a afirmação da soberania nacional e o combate decidido à dependência externa. O que exige:

  • A subordinação do poder económico ao poder político, e o combate a uma estrutura económica monopolista.
  • A afirmação da propriedade social e do papel do Estado em empresas e sectores estratégicos.
  • O desmantelamento da União Económica e Monetária, a libertação do país da submissão ao Euro e a mudança noutras políticas da União Europeia. 

Só assim estaremos em condições de concretizar a questões nucleares para a sobrevivência e o futuro do país: a sustentabilidade demográfica; a redução das desigualdades sociais, a eliminação da pobreza e a correcção das assimetrias regionais, o aumento de salários, que é uma emergência nacional; o fortalecimento do tecido empresarial; um aparelho do Estado para sociedade portuguesa no século XXI; a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional.

Viva o Partido Comunista Portugês!

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