Estabelece a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65.º, que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Este direito fundamental, que não pode ser posto em causa, ocupa um lugar central nas preocupações do PCP em qualquer discussão sobre a habitação e, em particular, sobre o resgate de planos de poupança para pagamento de créditos à habitação.
Em setembro de 2012, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a Lei n.º 57/2012, que alterou o Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho, permitindo o reembolso do valor dos planos de poupança para pagamento de prestações de crédito à aquisição de habitação própria e permanente. O espírito do legislador era claro: garantir que todos aqueles que acederam à habitação através de um crédito bancário e que, simultaneamente, dispusessem de planos de poupança, pudessem utilizar os valores aplicados nesses planos de poupança para fazer face aos seus compromissos com o crédito à habitação, evitando, através deste mecanismo, entrar em incumprimento. Num quadro de grave crise económica e social era – e continua a ser – indispensável que se tomassem medidas para que à perda de emprego, de salário, de apoio social e de subsídio de desemprego, não se somasse também a perda da habitação adquirida com recurso ao crédito.
A Portaria n.º 432-D/2012, de 31 de dezembro, veio regulamentar a referida lei, concretizando alguns aspetos necessários à sua aplicação. Em particular, definiu que o resgate antecipado dos planos de poupança pode ser utilizado para o pagamento de prestações vencidas e vincendas, incluindo capital e juros, e que o pedido de resgate deve ser acompanhado de uma declaração da instituição de crédito mutuante que ateste o montante das prestações vencidas ou vincendas a cujo pagamento se destina o reembolso.
Contudo, apesar da clareza das intenções do legislador, a Lei n.º 57/2012, de 9 de novembro, assim como a Portaria n.º 432-D/2012, de 31 de dezembro, suscitaram dúvidas de interpretação, por parte das instituições de crédito, as quais colocaram em causa a eficácia na prossecução dos objetivos visados com a publicação destes diplomas legais. Urgia, assim, traduzir as intenções do legislador, de forma inequívoca, na letra da lei, nomeadamente, no que diz respeito ao âmbito de aplicação, à finalidade do resgate dos planos de poupança, à extensão da imputação dos montantes resgatados, às alterações das condições dos contratos de crédito, à possibilidade de cobrança de comissões pelo reembolso dos valores dos planos de poupança e aos benefícios fiscais.
Após a realização de um conjunto de audições, à Associação Portuguesa de Consumidores e Utilizadores de Produtos e Serviços Financeiros - SEFIN, à Associação Portuguesa de Bancos, à DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, ao Banco de Portugal, ao Instituto de Seguros de Portugal e à Associação Portuguesa de Seguradores, foi possível chegar a um consenso sobre os seguintes aspetos relacionados com o regime previsto na Lei n.º 57/2012, de 9 de novembro, e na Portaria n.º 432-D/2012, de 31 de dezembro:
a) O reembolso dos planos de poupança pode ser utilizado para o pagamento de prestações de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente, nos casos em que esses contratos de crédito se destinaram à aquisição, construção e realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação ou à aquisição de terreno para construção de habitação;
b) O reembolso dos planos de poupança destina-se ao pagamento de prestações vencidas, incluindo capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões e outras despesas conexas com o crédito habitação, bem como ao pagamento de prestações vincendas;
c) O reembolso dos planos de poupança não pode ser causa para que o banco mutuante altere unilateralmente as condições do contrato de crédito, designadamente por aumento do spread;
d) As instituições de crédito não podem cobrar comissões e despesas pelo processamento e concretização do reembolso dos planos de poupança;
e) Não há perda de benefícios fiscais em sede de IRS com o resgate, total ou parcial, dos planos de poupança se tiverem decorrido pelo menos cinco anos após as respetivas datas de aplicação e se o montante das entregas efetuadas na primeira metade da vigência do contrato representar, pelo menos, 35% da totalidade das entregas.
As condições acima referidas encontraram tradução no Projeto de Lei n.º 398/XII, apresentado conjuntamente pelos grupos parlamentares do PSD, PS, CDS, PCP e BE.
Contudo, o Projeto de Lei n.º 398/XII não vai tão longe quanto o PCP desejaria. De fora ficou a possibilidade de utilização do reembolso dos planos de poupança para amortização dos contratos de crédito à habitação, relativamente à qual não foi possível chegar a um consenso entre os grupos parlamentares signatários.
Assim, o Grupo Parlamentar do PCP decidiu apresentar, em complemento ao Projeto de Lei n.º 398/XII, o presente diploma que inclui a possibilidade adicional de amortização nos casos em que taxa de esforço do agregado familiar com o crédito à habitação tenha aumentado para valores muito elevados, nomeadamente, 45%, para agregados familiares que integram dependentes, ou 50%, para agregados familiares que não integram dependentes. Registe-se que estes são os valores da taxa de esforço que, na Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, estabelecem o limiar acima do qual o agregado familiar é considerado em situação económica muito difícil.
Num quadro de baixa acentuada de rendimentos da generalidade das famílias portuguesas, resultantes das medidas de austeridade aplicadas no âmbito do Memorando da Tróica, o aumento da taxa de esforço do agregado familiar para valores incomportáveis é um dos motivos mais comuns para o incumprimento no pagamento das prestações do crédito à habitação.
Com o objetivo de alargar o leque de mecanismos que permita às famílias portuguesas evitar a perda das suas habitações, adquiridas com recurso ao crédito, entende o PCP que deve existir a possibilidade, como medida preventiva, de os montantes resgatados dos planos de poupança poderem ser usados, não só para o pagamento de prestações vencidas ou vincendas, mas também para amortização do crédito à habitação. Usando este mecanismo, uma família pode amortizar parte do seu crédito à habitação, reduzindo as prestações mensais para valores compatíveis com o seu rendimento disponível e, desse modo, diminuir a possibilidade de entrar em incumprimento.
Propõe-se no presente projeto de lei que o valor máximo da amortização seja aquele do qual resulta uma taxa de esforço do agregado familiar com o crédito à habitação igual a 30%, para agregados familiares que integrem dependentes, ou 35%, para agregados familiares que não integrem dependentes.
Por uma questão de clareza, optou-se no presente projeto de lei por incluir todas as normas constantes do Projeto de Lei n.º 398/XII, acrescidas da possibilidade de utilização do reembolso dos planos de poupança para amortização dos contratos de crédito à habitação.
Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho
São alterados os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 125/2009, de 22 de maio, e pela Lei n.º 57/2012, de 9 de novembro, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 4.º
[...]
1 – […]:
a) […].
b) […].
c) […].
d) […].
e) […].
f) […].
g) Utilização para pagamento de prestações e para amortização de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente do participante.
2 – O reembolso efetuado ao abrigo das alíneas a), e), f) e g) do número anterior só se pode verificar quanto a entregas relativamente às quais já tenham decorrido pelo menos cinco anos após as respetivas datas de aplicação pelo participante.
3 – Porém, decorrido que seja o prazo de cinco anos após a data da primeira entrega, o participante pode exigir o reembolso da totalidade do valor do PPR/E, ao abrigo das alíneas a), e), f) e g) do n.º 1, se o montante das entregas efetuadas na primeira metade da vigência do contrato representar, pelo menos, 35% da totalidade das entregas.
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – […].
8 – […].
9 – […].
10 – […].
11 – Para efeitos da alínea g) do n.º 1 são considerados:
a) Os contratos de crédito à aquisição, construção e realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria e permanente;
b) Os contratos de crédito à aquisição de terreno para construção de habitação própria e permanente;
c) Os demais contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente do participante.
Artigo 5º
[...]
1 – […].
2 – […].
3 – O reembolso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º destina-se ao pagamento de prestações vencidas, incluindo capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões e outras despesas conexas com o crédito habitação, bem como ao pagamento de cada prestação vincenda à medida e na data em que esta se venha a vencer.
4 – O reembolso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º destina-se ainda a amortizações do capital em dívida, nos casos em que a taxa de esforço do agregado familiar com o crédito à habitação seja igual ou superior a:
a) 45% para agregados familiares que integrem dependentes;
b) 50% para agregados familiares que não integrem dependentes.
5 – O valor máximo do reembolso previsto no número anterior é aquele que corresponde a uma amortização da qual resulta uma taxa de esforço do agregado familiar com o crédito à habitação igual a:
a) 30% para agregados familiares que integrem dependentes;
b) 35% para agregados familiares que não integrem dependentes.»
Artigo 2º
Proibição de alteração das condições do contrato de crédito à habitação
O pedido e a execução de reembolso de valor de planos de poupança ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho, alterado pela presente lei, não pode ser causa para o banco mutuante alterar unilateralmente as condições do contrato de crédito, designadamente por aumento do spread.
Artigo 3º
Proibição de cobrança de comissões pelo reembolso
O banco mutuante e a entidade seguradora não podem cobrar comissões e despesas ao mutuário pelo processamento e concretização do reembolso de valores de planos de poupança ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho, alterado pela presente lei.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, em 9 de maio de 2013