20 anos depois - Manuela Bernardino

Passaram vinte anos sobre a assinatura do Tratado de adesão de Portugal
à CEE. A efeméride foi assinalada oficialmente, não com o entusiasmo de
há duas décadas da “Europa connosco” e dos “fundos” que “iriam garantir
o desenvolvimento do país”, mas antes sob o efeito da profunda crise
que atravessa hoje a UE. Crise que resulta da rejeição do Tratado, 
abusivamente denominado de “constituição europeia”, pelos povos de dois
dos  seis países fundadores do agora designado “projecto europeu”.
Perante tão forte abalo no processo de integração europeia que os
“NÃOs” francês e holandês introduziram, os mentores e promotores da
adesão de Portugal e os actuais governantes manifestaram preocupação e
contrariedade por tal “impasse”, mas não foram capazes de fazer uma
reflexão sobre as razões de fundo de tal recusa e um balanço sério
destes 20 anos de Portugal na CEE/U.E. Antes pelo contrário, algumas
declarações como a da “fidelidade de Portugal ao ideal europeu”
significam de facto uma fuga para a frente.

Um momento que deveria ser de grande ponderação, responsabilidade e
brio patriótico tornou-se numa iniciativa de propaganda
político-ideológica recorrendo aos mesmos mitos da “modernização” (hoje
“inovação”), da “vocação europeia” (agora “unidade europeia”), da
“coesão social” (referida como “modelo social europeu”) utilizados
então e agora até à exaustão. Nem mesmo as referências feitas à falta
de debate, à insatisfação e à desconfiança em relação às instituições
europeias podem iludir as responsabilidades que o PS, PSD e CDS-PP têm
face às orientações neoliberais, federalistas e militaristas da U.E. e
às suas consequências na situação interna do nosso país que hoje se
caracteriza pelo atraso económico, o retrocesso social e perda de
importantes parcelas da nossa soberania nacional.

É, aliás, útil recordar que o PCP previu e preveniu sobre tais
consequências. Considerámos desastroso o projecto de integração de
Portugal na CEE e que ele constituía um ponto de ruptura com as
conquistas democráticas, sociais e económicas alcançadas com a
Revolução de Abril. E o balanço que agora fazemos aí está a
confirmá-lo: acentuou-se a fragilidade da nossa economia e a sua
crescente dependência do investimento estrangeiro; as privatizações
destruíram importantes sectores produtivos nacionais, enquanto outros
se revelam incapazes de responder à procura do mercado interno e de
competir no mercado externo, tendo hoje  o país um dos maiores deficits
comerciais da U.E.; a agricultura e as pescas foram drasticamente
atingidas por imposições comunitárias; acentuaram-se as desigualdades
sociais e as assimetrias regionais; debatemo-nos com um nível
inquietante de desemprego e uma tremenda precariedade, enquanto os
salários e as pensões são dos mais baixos da U.E.; aumenta a pobreza e
cresce o endividamento das famílias. Este é o resultado duma política
económica sujeita à convergência nominal de Maastricht e do euro
centrada no combate ao deficit orçamental, numa total subordinação dos
governos do PSD/CDS e do PS ao Pacto de Estabilidade que, impondo a
redução da despesa pública, afecta e liquida importantes direitos
sociais, como na saúde, na educação e na segurança social. Indiferente
à deterioração das condições de vida do povo português e prosseguindo
uma política de abandono nacional, o actual governo do PS impõe “novos
sacrifícios” aos portugueses, para assim continuar a assegurar o seu
contributo para que a U.E. ultrapasse as suas contradições actuais.

Portugal não tem que ficar associado à actual etapa da “construção
europeia” de que a dita “constituição” é o principal instrumento.
Rejeitamos as teses da fatalidade do desenvolvimento que o grande
capital quer impor na Europa, - através do aprofundamento das políticas
neoliberais, aplicando as medidas preconizadas na “Estratégia de
Lisboa”  e assegurando os acordos no quadro da OMC - seja ainda a da
inevitabilidade dos mecanismos institucionais de carácter federal em
matéria de Segurança, Justiça, Política Externa, imigração ou na “luta
contra o terrorismo”, recusando as actuais tendências securitárias e
militaristas que conduziriam a U.E. para um bloco político-militar em
competição (e concertação) com os EUA.

A vitória do NÃO nos referendos à “constituição europeia” em França e
na Holanda feriram de morte o projecto do Tratado. E abriram uma brecha
no actual curso da U.E. criando novas condições para prosseguir a luta
por uma mudança de rumo no processo de integração europeia. Tendo o
governo do PS alinhado de imediato com a orientação da “pausa para
reflexão” o que se impõe é um grande debate que, clarificando os reais
conteúdo da dita “constituição europeia”, denuncie projectos de
repetição de referendos naqueles países, rejeite a ratificação em
Portugal e crie uma nova dinâmica para prosseguir o combate por uma
alternativa de esquerda que defenda os interesses dos trabalhadores, a
soberania nacional e a cooperação solidária entre Estados soberanos e
iguais numa Europa de paz e progresso social.