Em Portugal, foi com a revolução de Abril que se reconheceu, em toda a plenitude, o valor do trabalho, e se consagrou a dignidade de quem cria riqueza, de quem produz nas fábricas, extrai o minério nas minas ou pesca no mar, de quem trabalha a terra ou constrói as casas, de quem retira das coisas, das palavras, das cores e dos sons a beleza que nos enternece, de quem ajuda a formar e educar as nossas crianças e jovens ou apoia e cuida dos doentes e idosos, de quem investiga, inova e se empenha em colocar ao serviço da comunidade e do progresso social a sua capacidade de pensar, trabalhar e sonhar.
Desde A. Smith e D. Ricardo que conhecemos a teoria do valor do trabalho incorporado nas mercadorias produzidas. Mas foi Karl Marx quem demonstrou que é o trabalho que cria a riqueza, embora na sociedade de classes sejam os capitalistas quem se apodera dos principais meios de produção e, por isso, quem fica com grande parte da riqueza gerada pelo trabalho incorporado, a mais-valia, o que está na base de toda a exploração e de diversas formas de organização do poder político, que também já conhecemos em Portugal, e que visaram e visam facilitar essa exploração.
Foi a Constituição de Abril que garantiu a dignidade de quem trabalha ao consagrar as conquistas da revolução de 1974, juntando à liberdade, à democracia e ao progresso social, as nacionalizações, a reforma agrária e o controlo operário. Os direitos dos trabalhadores aparecem aí como algo intrínseco à própria democracia, o que implica a subordinação do poder económico ao poder político democrático, como refere expressamente o texto constitucional.
Foi com o empenhamento dos trabalhadores nas empresas, incluindo naquelas de onde os patrões fugiram após a revolução de Abril, que foi possível aumentar a produção e a produtividade. Foi com a consagração do salário mínimo nacional, a segurança social pública e universal, o SNS universal, a educação pública e a força criadora e interventora dos trabalhadores que foi possível melhorar significativamente as condições de vida da população portuguesa.
É na medida em que se aproveita todo o potencial do trabalho de homens e mulheres, se respeita a sua dignidade humana, a importância social da sua actividade, com salários justos, direitos laborais e sociais, se organiza a produção e a sociedade tendo em conta a sua participação democrática, incluindo na negociação colectiva, que o País pode progredir. Há estudos económicos que demonstram o autêntico crime económico e social que o desemprego representa, como aqueles que, a nível da União Europeia, demonstram que se as taxas de emprego, trabalho a tempo parcial e produtividade das mulheres fossem semelhantes às dos homens, o PIB aumentaria em 30%, o que demonstra a enorme perda para a sociedade de não se cumprir um princípio fundamental da igualdade e de não se aproveitar toda a capacidade de produção e de intervenção das mulheres trabalhadoras e daquelas que o desejam ser.
De igual modo, em Portugal, calcula-se que a perda originada pelo desemprego, que oficialmente já ronda os 600 mil, seja superior a 11% do PIB. É fácil perceber que o desemprego é a maior perda que existe de produção e de crescimento económico, porque quem está desempregado não produz riqueza, não participa activamente na vida económica do país, não contribui para o aumento da receita fiscal e da produtividade, não ajuda a dinamizar o mercado interno com os salários justos que devia receber, não cria condições para garantir eficazmente o desenvolvimento da sua família e, pelo contrário, para não pôr em causa a sua sobrevivência, é obrigado a gastar recursos acumulados, públicos ou privados.
Por isso, o desemprego apenas serve os interesses da minoria de grupos económicos e financeiros que controlam a economia, porque facilita o aumento da exploração ao criar o tal "exército de reserva" de trabalhadores que são obrigados a vender a sua força de trabalho por um preço baixo e, quantas vezes, em condições degradantes. É um prejuízo grave para o país e para a sociedade, porque trava o desenvolvimento das forças produtivas, boicota a criação de riqueza e impede o crescimento económico e o progresso social.
Foi com a organização dos trabalhadores, com destaque para a CGTP, e a sua luta, que se impediu retrocessos e se possibilitou os saltos qualitativos da nossa história recente. E esta é também a luta que o PCP apoia activamente, como partido revolucionário que é.
As políticas de recuperação capitalista, que entretanto se foram desenvolvendo, e se intensificaram com a adesão à CEE/União Europeia, ao mesmo tempo que iam pondo em causa a propriedade pública e a gestão democrática dos principais meios de produção, alteraram a legislação laboral para facilitar a exploração. Com as privatizações, é o capital monopolista que desfruta dos benefícios do desenvolvimento nos períodos de crescimento económico. Mas, com a crise do capitalismo, são sempre os trabalhadores e as camadas populares quem suporta os seus custos, através do aumento do desemprego, do trabalho precário, dos baixos salários e dos cortes nas prestações sociais e serviços públicos, o que facilita nova acumulação e centralização da riqueza. Hoje, passados 120 anos do 1º de Maio inicial, tivemos a votação, na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do PE, de mais uma tentativa da Comissão Europeia para alterar a Directiva do tempo de trabalho dos trabalhadores dos transportes rodoviários, primeiro ensaio para novos ataques com o pretexto da crise. Mais uma vez isso não passou graças à luta dos trabalhadores e à nossa firme oposição
Sabemos que a verdadeira causa da crise é o agudizar da contradição principal do capitalismo, ou seja, a contradição entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos seus resultados pelos senhores dos grupos económicos e financeiros, por serem quem detém a propriedade dos principais meios de produção.
Mas o texto constitucional português mantém uma orientação progressista e continua a admitir que os meios de produção em abandono injustificado possam ser expropriados, que se possam definir sectores básicos exclusivamente públicos, além de garantir direitos sociais e laborais, incluindo a participação dos trabalhadores no planeamento global, na intervenção democrática na vida das empresas, na gestão nas unidades de produção do sector público, o que abre grandes possibilidades a um governo verdadeiramente empenhado na criação de emprego digno, condição essencial para o desenvolvimento.
Só que, os governantes portugueses, aproveitando as orientações neoliberais da União Europeia, para as quais contribuíram, escudam-se na Comissão Europeia, no BCE, no PEC e na Estratégia de Lisboa para governar ao arrepio das posições da Constituição de Abril, insistindo em desvalorizar o trabalho, anunciando mais privatizações e menos políticas sociais, o que só pode conduzir a um desastre económico e social
Ora, o progresso do País e a saída da crise exigem que se incorpore no tecido produtivo todo o talento das mulheres e homens que estão desempregados, se ponha cobro ao trabalho precário e mal pago, designadamente dos jovens e mulheres, se acabe com as discriminações salariais, se aposte decisivamente na produção, na criação de riqueza, em serviços públicos de qualidade e universais, o que, como já vimos, exige o controlo democrático da economia e a participação empenhada dos trabalhadores e das suas organizações.
E se é verdade que neste Portugal que nasceu da revolução de Abril de 1974, se acentuam contradições que medraram com o passar dos tempos, quais ervas daninhas que podem destruir as searas se não estivermos atentos, se nestes 36 anos de luta de classes mais ou menos intensa, muitos sonhos esbarraram com uma realidade que não correspondia às palavras de quem usou meios e instrumentos poderosos para apregoar promessas que não queria cumprir, é também certo que de Abril se mantém a confiança na alternativa que é sempre possível, com o PCP e outros democratas e patriotas, com as lutas dos trabalhadores, a força transformadora de onde há-de brotar a primavera que é sempre a realidade florida depois da tristeza do inverno.
É esta a convicção que anima todos os que sabem que o “Abril de novo” se constrói com a luta organizada e dirigida, de forma objectiva, contra as políticas de direita que nos têm sido impostas, em Portugal e na União Europeia.
Foi assim noutros momentos importantes da história e da vida deste país, onde a força de um povo unido na sua luta mudou muita coisa. Tem sido assim muitas vezes, ao longo destes 36 anos, para defender direitos, para protestar contra atropelos aos ideais de Abril, para exigir justiça social. E assim continuará a ser para assegurar o primado do Estado de direito democrático e para abrir caminho a uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.