Com a adesão e progressiva integração na CEE, a soberania de Portugal, particularmente no plano económico, tem vindo a ser significativamente afectada.
No exercício pleno da sua soberania, qualquer país tem o direito de gerir e desenvolver os seus recursos, particularmente aqueles que considera estratégicos para a criação de riqueza e de melhores condições de vida para o seu povo.
Em Portugal, muitas áreas da actividade económica têm sido afectadas pelas políticas comunitárias, aumentando a dependência do país e o défice na balança comercial, com o consequente contributo para o endividamento externo.
No sector primário, não obstante as excepcionais condições naturais do nosso país, tem-se vindo a assistir a um verdadeiro desaproveitamento, mesmo abandono, dessas potencialidades, consequência, em grande medida, das políticas agrícolas e de pescas da comunidade europeia, a que não pode deixar de se associar a absoluta submissão dos sucessivos governos nacionais.
Sublinhe-se, como exemplo, que Portugal, não obstante possuir a maior zona económica exclusiva da Europa, importa mais de 60% do peixe que consome. Não é de estranhar que tal aconteça, tal foi o fartar de incentivos ao abate de embarcações. Hoje, importamos peixe mas exportamos pescadores.
Também não é de estranhar que, conforme os dados do INE, em termos de comércio internacional de produtos agrícolas entre 1993, curiosamente o ano de início do mercado interno, e 2009, os últimos dados disponíveis, o défice tenha aumentado 99,1%. Esta evolução não deixa de ter consequências profundamente negativas na nossa dependência agro-alimentar, na nossa balança de pagamentos, na economia do país, no emprego e, também, no desenvolvimento harmonioso contribuindo para a desertificação de muitas das suas áreas.
Mas outras actividades têm vindo a ser atingidas com enorme violência pelas políticas da União Europeia, sejam as pertencentes ao sistema financeiro, sejam as das indústrias transformadoras ou dos transportes e comunicações.
O neoliberalismo como doutrina, o mercado como um deus, as privatizações como um meio, têm levado a uma perda da soberania nacional, à recessão da economia, à transferência de riqueza criada no país para o estrangeiro.
O que aconteceu recentemente com a eliminação dos direitos especiais do Estado, as denominadas golden shares, em empresas estratégicas, como a EDP, GALP e PT, é bem um exemplo de como os partidos da troika PS/PSD/CDS-PP entendem o interesse nacional que tantas vezes invocam. Esqueceram que outros países da UE não abdicam desse direito, pelo que decidiram em prejuízo do país, seja em termos económicos ou financeiros.
Como consequência do pacto de submissão da responsabilidade da troika nacional, PS/PSD/CDS-PP, o processo de privatizações vai sofrer um novo impulso com a entrega do capital, ou do que dele resta, de empresas estratégicas a grupos económicos e financeiros, essencialmente, estrangeiros, o que constitui mais um grave atentado à soberania nacional. Entre essas empresas estão a EDP, GALP, REN, PT, ANA, CTT ou CP que fazem parte de áreas essenciais em termos de segurança pública e nacional. Com a concretização desse processo de privatizações o Estado abdica da possibilidade, diga-se, aliás, que muito raramente a exerceu, de influenciar a economia, particularmente onde isso poderia ser determinante.
Efectivamente, quando pelos sucessivos governos tantas vezes se fala da necessidade de aumentar a competitividade das nossas empresas, o Estado que poderia intervir no processo de determinação dos preços, por exemplo, da electricidade, gás ou combustíveis, custos de produção muito significativos em muitas indústrias, não o tem feito e deixará de o poder fazer. Claro que o aumento da competitividade continuará a ser possível, como tem sido, através da redução dos salários reais.
Mas, além de empresas estratégicas, várias delas são altamente rentáveis, sendo que só a EDP e a GALP tiveram, no conjunto, no ano passado, resultados líquidos de 1.485 milhões de euros.
Este processo de privatizações, há muito em curso, tem como uma das suas mais graves consequências a saída para o estrangeiro de muita riqueza gerada no país, valor que no 1º semestre deste ano atingiu cerca de 10.375 milhões de euros, relativos a lucros dividendos e juros. Trata-se de montantes muito importantes que, se investidos onde gerados, poderiam contribuir para o desenvolvimento da economia, para a criação de riqueza e de emprego. Com as privatizações previstas, tal como aconteceu com todas as que antes se verificaram, pode resolver-se um buraco orçamental de momento, mas abre-se uma enorme cratera quanto à soberania nacional e aos futuros orçamentos do país pela perda de receitas que comportam.
Creio poder dizer-se, adaptando uma expressão popular, que se vão os anéis e os dedos.
Mas, além do critério da rentabilidade, não se pode esquecer a importância do serviço público que por muitas delas é prestado e que será fortemente penalizado já que passará a prevalecer o critério do lucro, mesmo que isso seja feito à custa da elevação dos preços dos respectivos bens e serviços.
Igualmente, não pode deixar de ser considerado que muitas destas empresas vão ser privatizadas depois do Estado ter feito avultados investimentos para que fosse atingido o actual grau de satisfação de necessidades.
Considerando a região onde se realiza este encontro, não quero deixar de referir uma decisão recente da Comissão Europeia sobre a nova proposta de redes transeuropeias. Dessa proposta foi eliminada a ligação ferroviária Porto-Vigo e, desse facto, não pode deixar de ser fortemente responsabilizado o governo português. O investimento na linha Porto-Vigo teria um forte impacto no desenvolvimento estratégico de toda esta região, há muito a sofrer uma forte crise económica e social, mais intensa do que a média do País.
Permitiria potenciar duas importantes infra-estruturas regionais, o Aeroporto do Porto e o Porto de Leixões, actualmente a construir uma plataforma logística, afirmando-as, mais significativamente, em todo o Noroeste Peninsular e dinamizando uma economia profundamente debilitada.
Portugal tem recursos, naturais e humanos, que lhe permitem criar riqueza para aqui ser reproduzida e justamente distribuída, precisa que a sua soberania seja defendida o que passa pela ruptura com o rumo que lhe tem sido imposto.