de Janeiro de 2003
O artigo de hoje deveria em bom rigor ser assinado a meias com a Dra. Manuela Ferreira Leite. É que a leitura do erroneamente chamado “Programa de Estabilidade e Crescimento” (PEC) para o período até 2006, merece ampla e profusa citação, para que se saiba como pretende este governo conduzir os destinos do país nos próximos anos.
A política económica e orçamental do governo vive na obsessão exclusiva do cumprimento cego e submisso dos limites do défice público impostos por Bruxelas e na defesa objectiva dos interesses dos grandes grupos económicos e das actividades especulativas.
Do PEC saltam à vista algumas afirmações que dificilmente são compatíveis com a realidade que os portugueses conhecem do seu dia-a-dia. Assim é quando se diz que a redução da inflação de 2003 em relação ao ano anterior resultou, entre outras coisas, de “um menor crescimento dos preços dos bens alimentares não transformados”, afirmação que qualquer português que com regularidade compre carne, peixe, fruta ou legumes pode desmentir com facilidade. Mas sobretudo quando se afirma que “a taxa de inflação permanece elevada, influenciada por aumentos significativos de salários no passado recente”! Onde? Só talvez nas remunerações atribuídas aos gestores públicos de nomeação governamental.
Mas já o que tem completa confirmação na política seguida pelo governo é o caminho de privatização de serviços públicos e sectores sociais amplamente expresso no PEC.
A Administração Pública é um alvo privilegiado desta ofensiva. Afirma-se no PEC que a reforma da Administração Pública “deverá permitir a libertação de recursos produtivos para o sector privado”.
Diz-se também, aliás com notável descaramento que “As reformas estruturais nos domínios da Segurança Social, da Educação e da Saúde completam esta profunda transformação do enquadramento em que as empresas exercem a sua actividade em Portugal, criando um ambiente de negócios muito mais atractivo…”.
E isto enquanto se anuncia a “redução do emprego na função pública em quase 2% e um aumento salarial muito restritivo”.
A receita não podia ser mais clara: retirar o Estado da prestação de importantes serviços à população para abrir caminho para os negócios privados.
Por outro lado este PEC anuncia medidas que levarão ao completo atrofiamento financeiro das instituições públicas, designadamente na educação e na saúde, e a uma carga cada vez maior sobre a população no pagamento directo dos serviços públicos.
Assim se prevê para 2003 que “O crescimento das receitas não fiscais (+12,8%) reflecte a política de aumento das taxas cobradas pela prestação de serviços públicos nos diferentes sectores, em particular na saúde e na educação …” anunciando-se desde já a decisão de “Aumentar as taxas moderadoras e outras receitas correntes” na saúde.
Quanto à educação o objectivo está bem expresso quando se diz que “algumas das medidas previstas conduzirão à realização de poupanças”, explicando-se mais adiante que isso se fará, por exemplo, “alterando o financiamento do ensino superior e da investigação no sentido do aumento de receitas próprias” que devem ser “compatíveis com um crescimento nominal nulo das transferências para este sector”.
Se outras provas faltassem bastaria a leitura das 30 páginas deste “Programa de Estabilidade e Crescimento” para verificar que ele é afinal para o país e para os portugueses um verdadeiro programa de instabilidade e empobrecimento.