Entrevista a Yang Deli, membro do Comité Central do PC China
Avante Edição N.º 1868, 17-09-2009
A China é hoje a terceira economia mundial. Mesmo no contexto da crise capitalista, mantém uma previsão de crescimento do Produto Interno Bruto na ordem dos 8 por cento para o ano de 2009. Em entrevista concedida ao nosso jornal, o responsável pela delegação do Partido Comunista da China (PCCh) na Festa do Avante!, conselheiro do Departamento Internacional do Comité Central do PCCh, Yang Deli, explicou que se essa meta for alcançada estará dado um passo importante na resposta às consequências da crise no país e, simultaneamente, manter-se-á o caminho de desenvolvimento iniciado há quase duas décadas, processo, frisou ainda, cujo objectivo não é ameaçar ninguém ou conquistar uma posição hegemónica.
Avante!: A crise capitalista arrastou as principais economias mundiais para a recessão, mas a República Popular da China mantém os índices e objectivos de crescimento. Como é que é isso tem sido possível?
Yang Deli: Esta crise mundial tem epicentro no sistema capitalista, mas o facto de ocorrer numa época de globalização acelerada alastra a todos os países do mundo, incluindo a China. A Política de Reforma e Abertura, iniciada há 30 anos, promoveu a integração da nossa economia e, evidentemente, nesse contexto não nos deixou alheios aos impactos negativos de uma crise desta magnitude. As suas consequências fazem-se sentir sobretudo nas empresas direccionadas para a exportação e ao nível do desemprego.
Em relação ao problema do desemprego, vale a pena considerar que ele tem sido relativamente constante nas últimas décadas. A sua origem não se alterou significativamente, isto é, tem sobretudo a ver com o êxodo rural para as grandes metrópoles, fenómeno que já se verificava anteriormente, mas que, no actual contexto, se agrava e faz dos trabalhadores migrantes os mais afectados pela crise.
Acresce que todos os anos ingressam no mercado de trabalho chinês entre 8 a 9 milhões de novos trabalhadores. Da análise que fazemos tendo em conta as condições concretas, este é um problema que só se resolve crescendo economicamente.
Pensamos que se não abdicarmos de perseguir a meta de crescimento de 8 por cento este ano, se conseguirmos alcançar essa cifra em 2009, seremos capazes de dar uma resposta razoável ao problema do desemprego, um dos problemas que a crise veio pôr em evidência.
Na Europa, por exemplo, onde o aumento demográfico e o êxodo rural não se colocam, uma resposta razoável ao aumento do desemprego é possível com níveis de crescimento económico a rondar os 2 por cento. Na China a realidade é completamente diferente.
Por outro lado, o crescimento económico vai ter reflexos não apenas nos rendimentos das empresas, mas igualmente nos rendimentos dos trabalhadores e na receita fiscal para o Estado.
Isso pressupõe uma política de redistribuição de rendimentos. Que medidas estão a ser tomadas nesse sentido?
O alargamento do consumo interno é de extrema importância para nós, até porque, como já referi, o facto de dependermos em certa medida do mercado internacional tem as suas consequências negativas.
No primeiro semestre deste ano, o comércio externo da China contraiu-se cerca de 20 por cento, mas no mesmo período o nosso crescimento económico superou os 7 por cento, fruto, antes de mais, do mercado interno. Para além de reduzirmos os impostos para as empresas exportadoras, as apostas fundamentais foram precisamente o aumento do consumo interno, a definição de um plano de investimentos estatais e o fomento dos serviços públicos.
A construção de infraestruturas como aeroportos, vias de comunicação, habitação, saneamento e distribuição de água potável, bem como a canalização de uma verba para a reconstrução da região de Sichuan, afectada por um terramoto fez recentemente um ano, ou os investimentos em inovação e tecnologia e protecção ambiental são exemplos das medidas que decidimos.
Acreditamos que estes investimentos vão permitir às empresas produzir mais para o mercado interno, com naturais consequências quer no emprego quer nos rendimentos dos trabalhadores e das famílias.
Quanto aos serviços públicos, as reformas dos sistemas de saúde e de segurança social podem representar um acréscimo de conforto e qualidade de vida para os trabalhadores e o povo chinês, com reflexos na sua confiança e estímulo para consumirem os bens e serviços que produzimos.
Entre 1991 e o ano passado, só em dois anos não superámos a meta dos 8 por cento de crescimento. Actualmente temos outra capacidade de resistir à recessão e, mais que isso, temos outras forças para travar o declínio do crescimento do PIB mantendo o objectivo definido.
Confiança na orientação
A existência de um forte investimento privado e o peso das multinacionais na economia chinesa colocam, por um lado, o problema da dependência face ao mercado externo, que já abordou, mas também ao nível da composição social. A emergência de camadas anti-socialistas é um perigo?
A Política de Reforma e Abertura iniciada há 30 anos abrange vários domínios.
No plano económico, são possíveis a propriedade pública e o desenvolvimento de outros tipos de propriedade. Esta orientação política visa dar resposta à realidade concreta da China, desde logo ao facto de ser um país muito populoso com um problema histórico de capacidade alimentar, que tem vindo a ser resolvido. Se julgarmos a sua justeza pelos resultados obtidos nas últimas três décadas, concluímos que ela tem sido capaz de estimular as iniciativas do nosso povo no quadro da nossa realidade específica.
Todo o mundo sabe que na China está implementada a economia de mercado no quadro do sistema socialista. Enquanto persistir a direcção do Partido Comunista da China, a Política de Reforma e Abertura não nos vai levantar problemas nesse aspecto.
Nos últimos anos uma das linhas seguidas é a cooperação internacional e regional. Essa é uma forma de a República Popular da China responder ao cerco imperialista?
A PCCh considera que o reforço da paz, da cooperação e do intercâmbio com todos os países é sempre o caminho correcto. No caso da China, essa cooperação não se fica apenas no quadro nas Nações Unidas, intensifica-se em diálogos e processos de cooperação regional, por exemplo, no quadro da Associação de Países do Sudeste Asiático (ASEAN) ou da Organização de Cooperação de Xangai. Já este ano, participámos na Cimeira dos BRIC (Brasil, Índia, Rússia e China), realizada na Rússia, fórum a partir do qual procuramos impulsionar a cooperação com os países emergentes.
No campo da diplomacia temos igualmente uma política que se desenvolve em todas as áreas. Em comparação com o que ocorria nas décadas de 50 e 60, pensamos que o ambiente diplomático é mais favorável, por isso a China vai continuar neste caminho, o da coexistência pacífica, incluindo nas relações com a maior potência capitalista, os EUA.
Neste momento, as relações entre a China e os EUA estão numa nova etapa. Desenvolvem-se, aprofundam-se e alargam-se conteúdos. Pensamos que disso só virão a beneficiar os povos chinês e norte-americano, bem como todos os povos do mundo.
Claro, os EUA são o maior país desenvolvido, e a China o maior país em vias de desenvolvimento. Temos sistemas políticos, valores e ideologias diferentes, mas actualmente a convivência é normal.
Se tivermos em conta o peso da China no mundo de hoje, percebemos que nenhum país vai ser capaz de cercar a China, até porque o nosso desenvolvimento não é uma ameaça a ninguém.
Mas os acontecimentos do Tibete e os recentes tumultos Xinjiang podem ser considerados dois exemplos da acção imperialista para conter e dividir a China?
Nos países ocidentais existem algumas pessoas que querem conter a China. A razão principal é que acham que o desenvolvimento da China constitui uma ameaça. Então essa suposta ameaça chinesa é amplamente divulgada, não apenas no domínio da segurança, mas também no que diz respeito ao modelo de desenvolvimento e à economia, neste particular sobretudo na Europa.
Os dirigentes chineses têm frisado repetidamente que o nosso desenvolvimento não vai ameaçar nenhum país nem pretende hegemonizar o mundo. É um desenvolvimento pacífico. Não vamos copiar o modelo dos países ocidentais nos séculos XVIII e XIX. Por isso, qualquer visão desse tipo, qualquer alegada ameaça chinesa não tem qualquer fundamento.
Haverá sempre pessoas com essa leitura sobre a China, que sob uma perspectiva ocidental criticam o nosso país usando os direitos humanos, pessoas que de facto têm como objectivo conter a China. Mas não vão conseguir. Não vão impedir o nosso desenvolvimento.