«Há muitos campos para a cooperação»

Entrevista de Paco Frutos, Secretário Geral do Partido Comunista de Espanha
Avante Edição N.º 1735, 01-03-2007

No âmbito da sua vista a Lisboa, na passada semana, onde realizou um encontro com a direcção do PCP, o secretário-geral do Partido Comunista de Espanha, Paco Frutos, concedeu uma entrevista ao nosso jornal, em que fala da cooperação internacional e aborda alguns aspectos da actualidade do seu país.
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Quais são os objectivos da sua deslocação a Portugal?

Paco Frutos – A presente visita insere-se no quadro das relações normais, fluidas e cada vez mais fortes entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista de Espanha. O objectivo é continuar a desenvolver estas relações na base de temas concretos, visando não só o aprofundamento da análise da situação de Espanha, de Portugal e internacional, mas também a definição de propostas políticas comuns que se traduzam em acções políticas em Portugal, Espanha, na Europa e no mundo através dos movimentos pacifistas, dos fóruns sociais, etc.

Considera que há condições favoráveis ao aprofundamento da cooperação entre partidos comunistas e progressistas ao nível europeu?

Sim. Creio que há possibilidades de cooperação ao nível europeu em torno de importantes temas para a esquerda como sejam, em primeiro lugar, a luta contra a guerra e pela paz. Nesta área há passos dados no sentido da cooperação e mobilização social e política na Europa e em cada um dos nossos países.
Em segundo lugar, temos a luta para que na Europa não se percam os direitos económicos, laborais e sociais dos trabalhadores. É uma luta que está a ser travada em cada país e ao nível europeu, combatendo directivas comunitárias e, designadamente, a pretensão de aprovar uma constituição neoliberal, que liquide, lamine ou reduza direitos sociais conquistados pela luta da esquerda e pelo movimento operário no decorrer de um longo processo histórico.
Aqui, embora haja opiniões matizadas e diferentes nalguns casos, coloca-se a necessidade da construção de uma Europa que não seja pró-atlantista, enfeudada ou dependente dos Estados Unidos da América, mas uma Europa independente, capaz de ter uma voz própria no concerto internacional, dando a sua opinião e as suas alternativas aos problemas do mundo. Há assim muitos campos para a cooperação.

Existe uma plataforma comum para essa cooperação?

Actualmente, essa plataforma é o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, o qual é integrado por um vasto conjunto de partidos comunistas e progressistas da Europa que trabalham numa linha convergente. A cooperação passa também pelos fóruns sociais, europeu e mundial, bem como por formas bilaterais e multilaterais de relacionamento e entendimento.
Além disso, o Partido Comunista de Espanha integra o Partido da Esquerda Europeia [PEE] e pensamos que este deve ser um instrumento e factor de coordenação dos esforços entre todas as esquerdas europeias, sejam ou não membros do PEE.
A partir do mês de Julho, Portugal assumirá a presidência da União Europeia. É importante que todas as acções que o Partido Comunista Português organize a propósito desta presidência e das cimeiras que decorrerão em Portugal tenham a participação das organizações sociais, sindicais e políticas de esquerda em defesa de determinadas reivindicações.

Que balanço faz o Partido Comunista de Espanha da governação do executivo socialista liderado por José Luís Rodrigues Zapatero, designadamente das reformas sociais e laborais empreendidas neste período?

O balanço é branco e preto. Há aspectos positivos que o Partido Comunista de Espanha tem apoiado e aprovado, nomeadamente, a retirada das tropas do Iraque, a Lei da «InDependência» [Lei sobre a promoção da autonomia individual e cuidados a pessoas em situação de dependência], ou a lei dos matrimónios homossexuais (pessoalmente, eu era mais partidário de uma lei de uniões de facto).
O lado negro refere-se a um conjunto de políticas sobre as quais estamos em desacordo. Trata-se das políticas económicas, fiscais e europeias prosseguidas pelo Partido Socialista, as quais, consideramos, não se distinguem muito da política realizada pelo Partido Popular. É mais ou menos a mesma filosofia, assente no conceito neoliberal de mercado. Por isso, criticamo-las e mobilizamo-nos para lutar contra elas. Opusemo-nos igualmente à reforma laboral que, no ano passado, o Partido Socialista e o Partido Popular negociaram e aprovaram conjuntamente.

As mobilizações contra as políticas anti-sociais do governo abrem perspectivas para o reforço da influência política e eleitoral do PCE?

Trabalhamos para isso. O PCE não faz só análises e críticas, também apresenta propostas concretas para fazer face aos problemas que enfrenta uma parte da sociedade. Pensamos que, a médio longo prazo, irá criar-se uma nova situação que se traduzirá no fortalecimento das posições do Partido Comunista de Espanha e da Esquerda Unida. Contudo, para isso, deve ficar claro que o Partido Comunista de Espanha e a Esquerda Unida são organizações independentes que não se subordinam a nenhuma dinâmica de partidos maiores, designadamente ao Partido Socialista Operário Espanhol, mas têm a sua própria política e as suas próprias propostas para resolver os problemas do país.

O aumento da influência política do PCE passa pelo reforço eleitoral da Esquerda Unida?

Passa. Mas a Esquerda Unida tem de alterar algumas das suas políticas concretas para aumentar a sua presença política e eleitoral em Espanha.

A questão das autonomias tem sido um dos temas candentes da actualidade espanhola. Na Andaluzia realizou-se há dias um referendo que aprovou um novo estatuto com competências alargadas. Processo semelhante teve lugar no ano passado na Catalunha. Entretanto, o conflito no País Basco, que José Zapatero prometeu solucionar, permanece aceso. Qual é a posição do PCE sobre a questão das nacionalidades em Espanha?

Pensamos (esta é a minha convicção pessoal), que a actual Espanha das autonomias deveria culminar, dentro de um prazo curto e urgente, num estado federal, com competências claras dos estados e um ou outro elemento unitário, federal, permitindo um funcionamento verdadeiramente autónomo às actuais 17 autonomias espanholas.
O presente debate sobre o «sexo» de Espanha (o território espanhol!...) está enfermo e é errático, produzindo fenómenos como os 36 por cento de participação eleitoral no referendo andaluz ou os 48 por cento de participação no referendo catalão. Isto após o governo ter transformado o novo estatuto da Catalunha numa das questões mais decisivas não só para catalães e espanhóis mas, dir-se-ia, para todo o mundo. Apesar disso, o eleitorado ficou em casa.
Em relação ao conflito basco, creio que o governo actuou mal. Não se pode partir para um processo de negociação com uma organização terrorista, dando a entender que todas as possibilidades estão em aberto... Que podem pedir o que quiserem.
Desde o início que deveria ter ficado claro, em encontros discretos e prudentes, que era preciso pôr fim ao terrorismo e deixar as armas, dando-se em troca a liberdade para todos os presos da ETA, num processo negociado.
A cada organização política cabe defender o que considerar oportuno, de acordo as normas democráticas da Constituição e do estatuto de autonomia. Se o Batasuna, ou qualquer outro partido, quer defender a independência de Euskadi que o faça. E se o povo basco (com normas claras e concretas, como as que foram aprovadas, por exemplo, no Canadá, depois dos dois referendos no Quebeque) decidisse por ampla maioria separar-se, teríamos de aceitá-lo. Pela nossa parte, defenderemos sempre que não deve haver nenhuma ruptura ou desagregação do que é hoje a Espanha, e que deve haver um acordo para uma Espanha federal com a máxima liberdade para cada uma das 17 partes, assegurando-se ao mesmo tempo uma unidade federal do conjunto.

Como avalia os impactos da lei dos partidos, à luz da qual, o Batasuna foi ilegalizado e impedido de concorrer a eleições?

Nós votámos contra essa lei porque considerámos que não iria resolver nada e que, para fazer frente ao problema de ETA/Batasuna, ao problema do terrorismo, não era necessário fazer uma lei de partidos políticos, uma vez que havia elementos suficientes na Constituição.
Todavia, o facto é que ETA/Batasuna, por efeitos desta lei, pela sua não presença pública, etc., começou a sentir dificuldades cada vez maiores, ao ponto de, finalmente, ter decidido pôr em marcha um processo de negociação para terminar com a luta armada. Agora, se quiser concorrer às eleições municipais e autonómicas do próximo mês de Maio, terá, naturalmente, de renunciar à utilização de métodos violentos e terroristas para impor as suas teses

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