Entrevista a José Manuel Esquivel, secretário executivo da União de Juristas de Cuba
Avante Edição N.º 1920, 16-09-2010
Aproveitando a presença em Portugal de uma delegação do Partido Comunista de Cuba, o Avante! entrevistou o secretário executivo da União de Juristas de Cuba. José Manuel Esquivel contou-nos as suas impressões sobre a Festa do Avante!, abordou um dos temas mais candentes da actualidade internacional – a ameaça israelo-norte-americana ao Irão, e sublinhou os mais recentes desenvolvimentos em Cuba, no caso dos Cinco cubanos presos nos EUA e o caminho para a sua libertação.
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Avante!: Qual foi o objectivo da vossa visita a Portugal?
José Manuel Esquivel: Viemos à Festa do Avante!, a convite do Partido Comunista Português, com o intuito de estreitar as relações de amizade, colaboração e solidariedade entre o PCP e o Partido Comunista de Cuba.
Pretendíamos igualmente fazer chegar ao povo português a nossa revolução e, em particular, alertar para o caso dos Cinco cubanos presos injustamente nos EUA, que no dia 12 de Setembro cumprem 12 anos de detenção.
Durante a Festa, foi possível estabelecer muitos contactos com os visitantes, falar publicamente sobre a situação da América Latina e de Cuba, focar o caso dos Cinco, e transmitir, da nossa parte, a solidariedade para com as lutas travadas pelos camaradas portugueses.
Para nós, o balanço da visita é excepcional. Atrevo-me a dizer que não se realiza em Portugal outra Festa como esta. Ali existe liberdade de falar e debater, inclusivamente com delegações de outros partidos. Isso representou uma oportunidade para falar da revolução cubana, trocar experiências com comunistas de vários países do mundo e ficar a saber como é que os revolucionários estão a trabalhar para construir um futuro melhor.
Uma vez terminada a Festa, a delegação cubana teve uma série de encontros com organizações, entre as quais a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e com a própria Ordem, e com diversas personalidades portuguesas.
Quando sairmos de Portugal, vamos para as festas do L´Humanité, em França, e do Mundo Obrero, em Espanha, exactamente com os mesmos objectivos.
Deixa-me frisar, ainda, um outro motivo fundamental deste périplo: alertar as forças comunistas e revolucionárias para o perigo iminente de uma possível confrontação nuclear, nomeadamente de um ataque dos EUA e de Israel contra o Irão, ou dos EUA à RPD da Coreia.
Pensamos que o alvo mais provável é o Irão, como, aliás, tem vindo a ser denunciando pelo primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, Fidel Castro. É urgente que os povos tomem consciência e enviem ao presidente Obama um mensagem firme contra um conflito que colocaria em perigo a espécie humana.
O que Cuba está a fazer com esse alerta é, no fundo, cumprir o papel que tem desempenhado perante os demais países e povos do mundo e as ameaças imperialistas. Para mais, com os actuais processos na América Latina, esse papel tem-se reforçado. Concordas?
Sim. Modestamente, Cuba tem-se empenhado na eclosão de processos democráticos e revolucionários na América do Sul.
Ninguém pode esquecer que no seguimento do triunfo revolucionário, todos os países da América Latina, exceptuando o México, romperam relações com Cuba. Seguimos o nosso caminho assumindo, mais tarde, a opção socialista.
Com o passar dos anos fomos mostrando fibra e ganhámos «adeptos». Nos anos 90, durante o que se conhece como «período especial», no meio de uma crise tremenda desencadeada pela perda de 85 por cento do nosso comércio externo, o povo de Cuba manteve-se unido.
Não creio que o povo cubano seja fácil de dominar. Pelo contrário, sempre teve uma atitude rebelde. O que aconteceu foi, por conseguinte, fruto de uma elevada consciência política. Podemos afirmar que mais de 50 anos de revolução e resistência do povo cubano deu os seus frutos, como comprovam as vitórias populares e eleitorais das forças progressistas na Venezuela, no Equador, na Bolívia, na Nicarágua, no Paraguai, isto é, uma série de processos na América Latina para os quais pensamos ter contribuído com «um grãozinho de areia».
Agora, há algo importante. Nós somos um país imperfeito. Eu não conheci nenhum que fosse perfeito. Toda a obra humana é aperfeiçoável. Em mais de 50 anos, contamos com conquistas, mas também com retrocessos. Cometemos erros, como é próprio das obras humanas.
O povo de Cuba está consciente de que são necessárias mudanças estruturais no sistema socialista. Para quê? Para acabar com a ineficiência, com a improdutividade, com a burocracia, com o paternalismo, para que o Estado não tenha de continuar a supervisionar tudo. Não temos economia para sustentar isso.
Mas tal não quer dizer que vamos tomar medidas imponderadas, que nos façam seguir o caminho de outros países socialistas, da Europa, por exemplo, cujas alterações conduziram à debacle do sistema.
Mas isso pode ser interpretado como um contra-ciclo face ao que se está a passar na América Latina, onde um número maior de povos levam por diante processos que indicam o caminho do socialismo como solução…
Nós não vamos abdicar do socialismo, o que queremos é melhorá-lo. Temos a obrigação, o compromisso de construir um sistema funcional, humano, digno, que proporcione a toda a gente as possibilidades que nunca tiveram; que garanta a todas as pessoa educação, saúde, desporto, segurança social. Com o actual rumo não o vamos conseguir.
Estão a ser tomadas as medidas anunciadas pela direcção do país. Vamos ter que recolocar noutros postos um milhão de trabalhadores. Existe uma grande quantidade de pessoas que recebem salário sem retribuir à sociedade.
Estas pessoas não vão ficar indefesas, não vão ser desempregadas, não vão passar à marginalidade, vão ser encaixadas numa actividade produtiva que o sistema necessite.
Por outro lado estamos a incentivar o trabalho por conta própria. Negócios geridos pelos próprios que paguem um imposto ao Estado. Há quem diga que isto é capitalismo. Não, é socialismo, assim mantenhamos o controlo sobre os principais meios de produção.
Ampliar a exigência de justiça
Mudando de tema, um dos objectivos da vossa visita é chamar a atenção para a luta pela libertação dos Cinco cubanos presos nos EUA. Qual é a situação destes camaradas ao fim de 12 anos de encarceramento?
O que nos parece importante destacar no historial do processo é a recente revisão das sentenças aplicadas a três dos nossos camaradas. O Tribunal de Apelação de Atlanta decidiu rever a condenação de Ramón Labañino, sentenciado a uma pena de cadeia perpétua mais 18 anos, condenando-o, agora, a 30 anos de prisão; António Guerreiro, condenado a uma pena de cadeia perpétua acrescida de dez anos, foi agora condenado a 22 anos; e Fernando Gonzalez, condenado a 19 anos de prisão, viu a sua pena reduzida a 17 anos.
Estas revisões das penas têm uma história. Ficou claro que não havia provas suficientes para os condenar por «conspiração para cometer espionagem». Quer dizer, ao fim de 12 anos, o governo dos EUA concedeu que não tinha elementos suficientes para os acusar por esse delito.
Não foram revistas as condenações de René Gonzalez, 15 anos, e Gerardo Hernandez, condenado a duas penas de cadeia perpétua mais 15 anos.
Este último, do ponto de vista judicial, é o caso mais complexo, por isso, no passado dia 14 de Junho, apresentámos junto do Tribunal do Distrito Federal de Miami um pedido de Habeas Corpus relativo ao processo de Gerardo. Nos EUA, isto obriga à ponderação das violações cometidas à própria Constituição norte-americana durante o processo que lhe foi movido, as quais, frise-se, não foram apreciadas na primeira instância. O tribunal tem agora seis meses para se pronunciar.
Mas mais do que as vias legais, a nossa confiança reside, sobretudo, na campanha política de exigência de libertação dos Cinco. O caso decide-se neste campo e o fiel da balança está nas mãos do presidente dos EUA. Ele pode reparar a injustiça e prevenir situações semelhantes, dado que o sistema judicial norte-americano é baseado na precedência. Assim, uma decisão favorável aos Cinco por parte de Barack Obama teria repercussões positivas no futuro.
Cumprindo a lei do seu país, Obama tem a faculdade de retirar as acusações contra os Cinco. Se o fizer, os nossos compatriotas regressam à liberdade. A questão é que para que esse passo se concretize, tem de se desenvolver uma grande pressão internacional e por parte dos próprios norte-americanos. É preciso que cheguem junto do presidente dos EUA os ecos da exigência de libertação dos nossos Cinco compatriotas, e isso só é possível se um número cada vez maior de pessoas conhecer o caso.
Por isso insistimos que é necessário denunciar a injustiça, consciencializar mais pessoas e mobilizá-las para as acções em defesa da libertação de Fernando Gonzalez, Gerardo Hernandez, Antonio Guerrero, Ramon Labañino e Rene Gonzalez.
Neste aspecto temos muito a agradecer ao Partido Comunista Português e aos seus militantes.
Que tipo de campanhas estão em curso para alertar a opinião pública e engrossar as vozes que exigem a Obama a libertação dos Cinco?
Existem em todo o mundo centenas de comités de solidariedade, incluindo nos EUA. Acresce um documento intitulado «Amigos da Corte», subscrito por dez prémios Nobel e outras distintas personalidades mundiais que, por essa via, fizeram saber que conhecem o caso e advogam para que os Cinco regressem a casa.
Em casos semelhantes aos dos Cinco, as penas mais severas que a justiça norte-americana aplicou foram de 15 anos de prisão efectiva. Só podemos concluir que os Cinco são alvo da vingança dos EUA. São castigados por Cuba ter mantido a verticalidade. Vingam-se neles, ainda, porque nunca admitiram os crimes de que são acusados e mantiveram sempre a determinação e os vínculos para com a revolução cubana.
Exemplos de tortura
Gerardo esteve recentemente detido numa cela de castigo….
Gerardo foi infectado por uma bactéria que afectou outros reclusos do mesmo estabelecimento. O médico disse que tinha de fazer análises e exames. Ora, quando o médico chegou à cela do Gerardo, encontrou um agente do FBI e soube que ele havia sido transferido para uma cela de castigo.
Recorde-se que Gerardo estava tratar com os advogados o pedido de Habeas Corpus e, portanto, era necessário manter uma comunicação fluente com eles.
Isto é chocante, mas não é novidade no caso dos Cinco. Durante 12 anos e sempre em períodos críticos de contestação dos processos ou apresentação de recursos, os nossos compatriotas eram enviados para celas de castigo.
Acresce que inicialmente foram torturados. Estiveram 33 meses presos sem processo, 17 dos quais em celas de castigo. Já depois de terminado este período, após terem sido condenados, continuaram a ser remetidos para celas de castigo com diferentes argumentos. Nunca por indisciplina, mas por decisão política. Para os fazer vergar.
Para além destes, outros acontecimentos são para nós equiparados a maus-tratos, tais como a enorme pressão psicológica que, no caso de Gerardo e Rene, se exerce ao negar a entrada nos EUA das respectivas esposas.
Em 12 anos nunca o permitiram justificando que estas duas senhoras são um perigo para a segurança dos EUA. Uma desculpa infantil que, para mais, nos faz questionar o que é que os norte-americanos classificam de ameaças à sua segurança.
Mas falavas do caso recente de Gerardo…
Gerardo esteve nessa cela dez dias e só saiu graças à pressão internacional. Foram enviados e-mails, cartas, milhares de mensagens inundaram a Casa Branca e, assim, garantiram o regresso de Gerardo às condições regulares de detenção. Isto foi uma vitória da solidariedade internacional que demonstra qual o caminho a seguir.
Por outro lado, temos que pressionar senadores, congressistas, gente próxima de Obama, levá-los a compreender a tremenda monstruosidade que está a ser cometida para com estes cinco homens.
Também neste aspecto, só temos palavras de gratidão para com o PCP e os militantes comunistas. Para com o vosso Avante!, que ao contrário dos demais meios de comunicação social portugueses continua a noticiar este caso.
E olha que a história dos Cinco tem todos os ingredientes para fazer manchete em qualquer diário de grande expansão. Envolve acusações de espionagem, Cuba e os EUA, Fidel, etc.
A questão é que como é desfavorável aos norte-americanos…